sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

A PARTIDARIZAÇÃO DA CORRUPÇÃO E A LUTA QUE NÃO SE TRAVA

                “Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba”; desse modo a poetisa Elisa Lucinda expõe o que seria um pensamento aparentemente enraizado na mentalidade tupiniquim: a de que a corrupção e a malandragem são condicionantes naturais do comportamento do brasileiro. Não que ela concorde com a tese. No poema em questão, intitulado Só de Sacanagem, ela lança um contraponto esperançoso, e com um excelente tom sarcástico, a essa ideia tosca. “Sei que não dá pra mudar o começo, mas se a gente quiser, vai dar pra mudar o final”! A corrupção é inegavelmente uma chaga, mas essa realidade não é natural nem condicionante. Ela exige de nós um comportamento compromissado com a transformação, amparado nos exemplos e nos conselhos dos “justos que nos precederam/Devolva o lápis do coleguinha, esse apontador não é seu minha filha”. Enfim, “não é justo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.”
                Dito isso a título de introdução poética, repito que a corrupção é uma chaga nacional. A maior talvez. Ponto! Essa é a premissa primeira. No entanto, a análise desse tema nos defronta com duas condições, isso se quisermos ser honestos, e não simplesmente repetidores pedantes de discursos fáceis. A primeira delas já foi preliminarizada: apesar de ser uma chaga grande do país, a corrupção não nos é inerente, natural. Ou seja, nem todo brasileiro, ouso dizer (contra a tosca corrente) nem a maioria, é safado. Aceitar isso, além da clara confissão de culpa implícita, é de uma viralatice sem tamanho. Quando se parte para o campo da política, que é onde o tema se torna excelência, as boas intenções misturadas com o baixo nível analítico, provoca imensos desserviços. É fácil dizer que todo político é ladrão, embora se vote sempre num deles em todas as eleições, o que é estranho ao paroxismo. Aliás, conheço muito pouca gente que não vota em ninguém. Mas a quem serve isso? Ora, serve exatamente ao político safado, que usa esse subterfúgio para justificar seus atos. “Eu fiz, mas todo mundo faz”! Com muita razão dizia meu pai, na sua prosaica sabedoria: “Quem diz que nenhum político presta, sempre vota nos piores.” Uma análise superficial mostra a considerável carga de verdade que isso contém. Eu, por exemplo, já vi de tudo nesse aspecto. Já vi gente condenada pela Justiça por mau uso do dinheiro público; familiares de gente envolvida em gestões notoriamente corruptas; gente que subiu em palanque e pôs adesivo no carro em troca de cachê, todos pregando moralidade, e envolvendo tudo que é agente público na mesma latrina. Os errados são os outros afinal! E o pior, é que o discurso é tão comum, que chega a nos envolver a todos, “todos fazem”, “todos são assim”, “o brasileiro é assim mesmo”, “a política é suja mesmo”, etc. etc.. Ser malandro então se torna, quando não algo que “faço pois todos fazem”, algo com respingos de resistência, como quem defende sonegadores como vítimas dos altos impostos (juro que já ouvi coisa desse tipo). Enfim, a premissa de que todo político é safado é: 1) Tão rasa quanto outras do mesmo naipe, como “todo pastor é ladrão”, “todo padre é pedófilo”, “todo alemão é nazista”, “todo judeu é mesquinho e ganancioso”, ou seja, julga-se o todo pelo comportamento de alguns, e não se aprofunda no assunto, preferindo o preconceito à análise honesta; 2) Um desserviço, pois ao nivelar por baixo, acaba por justificar exatamente o político desonesto, que “rouba porque todo mundo rouba”. O mal da corrupção, que todos dizem combater, apenas se fortalece com esse tipo de bravatas.

                O segundo problema, que é o ponto importante desse texto, é a partidarização da corrupção, que se configura na indignação seletiva com a safadeza de alguns, e em contrapartida um silêncio cínico com a safadeza de outros. Muitas vezes, pior que isso! O que ocorre é que, quando nos centramos num grupo específico pra falar de corrupção (muitas vezes a própria pessoa é corrupta, fortemente hipotética ou mesmo comprovadamente), não estamos lutando contra a corrupção coisa nenhuma. Usamos o mote “corrupção” para atender a nossos interesses eleitoreiros ou ideológicos, e assim estamos sendo corruptos também, pois que nosso discurso está corrompido. E como existem pessoas assim! Quando é pra atacar, levantam a bandeira da moralidade, explanando todos os males que a corrupção causa ao país; quando a coisa é com seu grupo, ou consigo mesmo, é intriga, é recalque, precisa provar, etc. etc.. Pois é gente, muitas vezes quem fala da safadeza alheia, tem o telhado mais frágil que algodão doce! A corrupção, pra ser bem repetitivo, um mal, talvez o maior, do país, é assunto sério demais pra ser abordado com desfaçatez. A desfaçatez dos hipócritas, dos pedantes, dos generalistas, daqueles que são exigentes com os outros, mas extremamente indulgentes consigo mesmo. Precisamos enfrentar esse mau, e com seletividade e demagogia não se faz isso! É preciso superar esses discursos, e principalmente, avaliar nossa própria conduta, pra que sejamos um espelho de nossas palavras. Só assim essa luta se vence! Não adiantam frases feitas, ou revoltinhas pseudo-moralistas. Não é possível mais viver num lugar em que todos dizem ser contra a corrupção, mas dizem que todos os homens públicos são desonestos, sendo que são eles que os elegem. Não se pode também aceitar que só seja errada a safadeza de um grupo, e a de outro esquecida, relativizada, ou muitas vezes justificada ou defendida com unhas e dentes. Há algo errado aí! Desse jeito, campanhas eleitorais terão um mote permanente, mesas de bar continuarão cheias de gente que querem “mudar o mundo”, e as redes sociais ficarão apinhadas de discursos de moralização seletiva. Mas a corrupção, o problema de verdade, vai continuar!