“Deixa
de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba”; desse modo a poetisa
Elisa Lucinda expõe o que seria um pensamento aparentemente enraizado na
mentalidade tupiniquim: a de que a corrupção e a malandragem são condicionantes
naturais do comportamento do brasileiro. Não que ela concorde com a tese. No
poema em questão, intitulado Só de
Sacanagem, ela lança um contraponto esperançoso, e com um excelente tom
sarcástico, a essa ideia tosca. “Sei que não dá pra mudar o começo, mas se a
gente quiser, vai dar pra mudar o final”! A corrupção é inegavelmente uma
chaga, mas essa realidade não é natural nem condicionante. Ela exige de nós um
comportamento compromissado com a transformação, amparado nos exemplos e nos
conselhos dos “justos que nos precederam/Devolva o lápis do coleguinha, esse
apontador não é seu minha filha”. Enfim, “não é justo que a mentira dos maus
brasileiros venha quebrar no nosso nariz.”
Dito
isso a título de introdução poética, repito que a corrupção é uma chaga
nacional. A maior talvez. Ponto! Essa é a premissa primeira. No entanto, a
análise desse tema nos defronta com duas condições, isso se quisermos ser
honestos, e não simplesmente repetidores pedantes de discursos fáceis. A primeira
delas já foi preliminarizada: apesar de ser uma chaga grande do país, a
corrupção não nos é inerente, natural. Ou seja, nem todo brasileiro, ouso dizer
(contra a tosca corrente) nem a maioria, é safado. Aceitar isso, além da clara
confissão de culpa implícita, é de uma viralatice sem tamanho. Quando se parte
para o campo da política, que é onde o tema se torna excelência, as boas
intenções misturadas com o baixo nível analítico, provoca imensos desserviços.
É fácil dizer que todo político é ladrão, embora se vote sempre num deles em
todas as eleições, o que é estranho ao paroxismo. Aliás, conheço muito pouca
gente que não vota em ninguém. Mas a quem serve isso? Ora, serve exatamente ao
político safado, que usa esse subterfúgio para justificar seus atos. “Eu fiz,
mas todo mundo faz”! Com muita razão dizia meu pai, na sua prosaica sabedoria:
“Quem diz que nenhum político presta, sempre vota nos piores.” Uma análise
superficial mostra a considerável carga de verdade que isso contém. Eu, por
exemplo, já vi de tudo nesse aspecto. Já vi gente condenada pela Justiça por
mau uso do dinheiro público; familiares de gente envolvida em gestões
notoriamente corruptas; gente que subiu em palanque e pôs adesivo no carro em
troca de cachê, todos pregando moralidade, e envolvendo tudo que é agente
público na mesma latrina. Os errados são os outros afinal! E o pior, é que o
discurso é tão comum, que chega a nos envolver a todos, “todos fazem”, “todos
são assim”, “o brasileiro é assim mesmo”, “a política é suja mesmo”, etc. etc..
Ser malandro então se torna, quando não algo que “faço pois todos fazem”, algo
com respingos de resistência, como quem defende sonegadores como vítimas dos
altos impostos (juro que já ouvi coisa desse tipo). Enfim, a premissa de que
todo político é safado é: 1) Tão rasa quanto outras do mesmo naipe, como “todo
pastor é ladrão”, “todo padre é pedófilo”, “todo alemão é nazista”, “todo judeu
é mesquinho e ganancioso”, ou seja, julga-se o todo pelo comportamento de
alguns, e não se aprofunda no assunto, preferindo o preconceito à análise
honesta; 2) Um desserviço, pois ao nivelar por baixo, acaba por justificar
exatamente o político desonesto, que “rouba porque todo mundo rouba”. O mal da
corrupção, que todos dizem combater, apenas se fortalece com esse tipo de
bravatas.
O
segundo problema, que é o ponto importante desse texto, é a partidarização da
corrupção, que se configura na indignação seletiva com a safadeza de alguns, e
em contrapartida um silêncio cínico com a safadeza de outros. Muitas vezes,
pior que isso! O que ocorre é que, quando nos centramos num grupo específico
pra falar de corrupção (muitas vezes a própria pessoa é corrupta, fortemente
hipotética ou mesmo comprovadamente), não estamos lutando contra a corrupção
coisa nenhuma. Usamos o mote “corrupção” para atender a nossos interesses
eleitoreiros ou ideológicos, e assim estamos sendo corruptos também, pois que
nosso discurso está corrompido. E como existem pessoas assim! Quando é pra
atacar, levantam a bandeira da moralidade, explanando todos os males que a
corrupção causa ao país; quando a coisa é com seu grupo, ou consigo mesmo, é
intriga, é recalque, precisa provar, etc. etc.. Pois é gente, muitas vezes quem
fala da safadeza alheia, tem o telhado mais frágil que algodão doce! A
corrupção, pra ser bem repetitivo, um mal, talvez o maior, do país, é assunto
sério demais pra ser abordado com desfaçatez. A desfaçatez dos hipócritas, dos
pedantes, dos generalistas, daqueles que são exigentes com os outros, mas
extremamente indulgentes consigo mesmo. Precisamos enfrentar esse mau, e com
seletividade e demagogia não se faz isso! É preciso superar esses discursos, e
principalmente, avaliar nossa própria conduta, pra que sejamos um espelho de
nossas palavras. Só assim essa luta se vence! Não adiantam frases feitas, ou
revoltinhas pseudo-moralistas. Não é possível mais viver num lugar em que todos
dizem ser contra a corrupção, mas dizem que todos os homens públicos são
desonestos, sendo que são eles que os elegem. Não se pode também aceitar que só
seja errada a safadeza de um grupo, e a de outro esquecida, relativizada, ou
muitas vezes justificada ou defendida com unhas e dentes. Há algo errado aí!
Desse jeito, campanhas eleitorais terão um mote permanente, mesas de bar
continuarão cheias de gente que querem “mudar o mundo”, e as redes sociais
ficarão apinhadas de discursos de moralização seletiva. Mas a corrupção, o
problema de verdade, vai continuar!