sábado, 25 de fevereiro de 2012

PSICOLOGIA REVERSA

"E existem muitos formatos
que só têm verniz e não têm invenção.
E tudo aquilo contra o que sempre lutam,
é exatamente tudo aquilo o que eles são."
Música: Marcianos Invadem a Terra
Disco: Uma Outra Estação
Artista: Legião Urbana

O cúmulo da hipocrisia é atribuir a outros aquilo que é inerente a si próprio. E hipocrisia é o que não falta à imprensa direitista. Depois da retratação do jornalista Paulo Henrique Amorim, num processo que o acusa de racista, movido pelo global Heraldo Pereira, parecem que ganharam a maior das taças. Afinal, podem espezinhar publicamente um grande adversário, pois racismo é uma das coisas mais condenáveis da atualidade. 
Não dá pra negar que PH foi vítima daquele vício que infelizmente corrompe a esquerda, que consiste em se apegar a dogmetas acríticos, simplesmente por medo de ser considerado de direita. Isso sempre ocorre quando se fala em aborto, em religião, em cotas ou em feminismo. No caso específico do racismo, o vício consiste em reverter a hierarquia racial. Explico. No caso em questão, em que ele chamou Heraldo de "negro de alma branca" (tradução: por fora é bom, mas por dentro é podre), a cor desprestigiada foi o branco, cor aliás do próprio PH. É um erro que colabora para perpetuar a desigualdade. Como não aceito que um negro qualquer tenha adjetivos de caráter condicionados à cor da sua pele, também não aceito que se faça o mesmo a um branco qualquer. 
O problema é que a horda, liderada como sempre por Reinaldo Azevedo, aquele que se questionava sobre o futuro do Partido Democrata americano, devido ao fato de ter cometido o equívoco de indicar um negro para  a presidência, e que sempre sai em defesa da bandeira do politicamente incorreto, advogando principalmente por algum humorista que faz piadas grosseiras contra mulheres, nordestinos ou gays, essa horda não ataca propriamente o problema. Mas claro, né! O que em PH é fruto de uma visão equivocada de progressismo e resistência ao preconceito, nos caras dessa horda é puro desrespeito ao outro, às lutas das minorias. São eles que exaltam o racista Churchill, o escravocrata Pedro II e os bandeirantes genocidas. Escondem suas opiniões raciais por temerem o rigor da lei, visto o racismo ser crime. Como os outros preconceitos (contra homossexuais, nordestinos, mulheres) não são crimes, o verbo corre solto. A horda não age por ódio ao racismo, que aliás, dizem não existir no Brasil. Está simplesmente usando o caso como arma política. É uma tentativa primária de psicologia reversa, como disse Leandro Fortes. Consiste em abusar da ingenuidade alheia para fazer esquecer seus próprios crimes. É hipocrisia pura!



sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

SENADOR TUCANO GERA BATE-BOCA NA DISCUSSÃO SOBRE PINHEIRINHO

Copiado do blog Oni Presente:

“Para reparar o que foi feito no Pinheirinho é preciso desapropriação do terreno e a construção das casas para aquele povo, o que restaura não só a dignidade do povo como também a do governador Geraldo Alckmin”. A fala é de Valdir Martins de Souza, morador de Pinheirinho, que participou, nesta quinta-feira (23), da audiência no Senado que debateu a violência na desocupação da área. A audiência foi marcada por bate-boca e acusações por parte do senador tucano Aloysio Nunes (SP).



Agência Senado
David disse que os exames comprovaram que a bala que o atingiu era de metal, e não de borracha.
Os policiais chegaram lá com intenção de "exterminar, escorraçar, massacrar". Foi assim que a ex-moradora da área, Maria Laura da Silva de Souza, relatou os acontecimentos enfrentados pelos habitantes da localidade no município de São José dos Campos, em São Paulo, no dia da desocupação por determinação judicial.

Valdir Martins de Souza, líder comunitário de Pinheirinho, também foi vítima do senador Aloísio Nunes. Logo no início da audiência, ele o chamou de “parasita”. O líder comunitário disse que não era "parasita", que trabalhava há 37 anos e que ainda não havia se aposentado porque a empresa não recolhia o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e nem as contribuições ao INSS. Nesses casos – ironizou - a Justiça não os obriga a pagar.

O senador confirmou que havia usado o termo em relação ao depoente e pediu desculpas, após ler um texto que Valdir preparou especialmente para ele, falando de sua vida e visão política.

Sem finalidade

Valdir Souza disse que o terreno, ocupado pela comunidade em 2004, nunca cumpriu finalidade social. E que o especulador financeiro Naji Nahas (o suposto dono do terreno) passou 40 anos sem pagar imposto e ninguém fez nada.

“Ocupamos e dividimos a terra. 250 metros quadrados para cada um, porque acreditamos que as casas têm que ter tamanho adequado, porque os ricos tem casa tão grande que o pai nem vê o filho e nós temos que viver em uma casa que o filho precisa estudar no mesmo cômodo que a mãe cozinha?”, indagou, explicando que as casas eram de bom padrão e foram todas destruídas para que o terreno fosse devolvido ao especulador. E fez nova indagação: “Queria saber se as casas fossem de ricos, eles destruiriam?”

O líder comunitário contou que em todo esse tempo de ocupação – oito anos – nunca foi registrado um assassinato na comunidade. “Fizemos festa sem precisar da polícia porque nunca houve um crime”. E disse ainda que “a ganância pela terra é para mostrar que pobre não pode reclamar, se organizar, tem que ficar quietinho”.

Valdir Sousa disse ainda aos senadores que “quem faz as casas para pobres são os empresários da construção civil, mas a gente não precisa porque o trabalhador sabe fazer casa, e casas baratas. O que eles querem é fazer casa superfaturada”, acusou.

“O que foi feito foi uma covardia, aquilo não foi desocupação, foi um estupro social. O poder do Estado mostrando que pobre não tem vez em São Paulo”, afirmou, destacando que o governo do estado quer que os pobres recebam as casa do jeito que ele (Estado) quer, sem direito a opinar.

Violência comprovada


Maria Laura e o marido, David Washington Castor Furtado, que também participaram da audiência, confirmaram as palavras do líder comunitário. Ela contou que, ao tentar protegê-la, o marido foi atingido por um tiro e ficou hospitalizado 17 dias e ainda está realizando exames para complementar o diagnóstico. David foi alvejado por um integrante da guarda municipal.

Ela disse que eles seguiam em direção a um posto de cadastramento da Prefeitura Municipal, depois de serem impedidos de retornar à casa onde viviam para tentar recuperar seus pertences. “Era para mim aquela bala. Vi quando o guarda apontou na minha direção. Saí correndo e gritando. Quando olhei para trás, meu marido já estava atingido”, contou Maria Laura.

David disse que os exames comprovaram que a bala que o atingiu era de metal, e não de borracha. Como resultado, disse que ainda apresenta sequelas, com comprometimento da "raiz do nervo da perna esquerda". “Não desejo para ninguém o que vivi: primeiro, perder a casa; segundo, levar um tiro e correr o risco de ficar tetraplégico”, afirmou.

Bate-boca e discussões

Logo na abertura da audiência pública, promovida pela Comissão de Direitos Humanos (CDH), Aloysio Nunes e Eduardo Suplicy (PT-SP) tiveram uma discussão sobre o propósito do debate. Nunes queria que a audiência incluísse outras desocupações também com denúncias de abuso da Polícia Militar, para evitar as críticas que foram concentradas no governo do tucano Geraldo Alckmin.

“Estamos diante de uma operação política visando atacar politicamente o governo de São Paulo”, protestou o senador tucano. E anunciou que a Casa Civil do Estado de São Paulo enviou ofício ao presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS), comunicando que o governo de São Paulo não participaria do debate.

Suplicy explicou que a audiência havia sido convocada para discutir apenas a questão de Pinheirinho, o que incluiu convite a secretários do governo de São Paulo, juízes envolvidos na decisão de desocupação e representante da força policial do estado.

“O senador Aloysio Nunes precisa primeiro ouvir (os relatos sobre) o que ele acha que não ocorreu. Estão aqui os exames médicos, os vídeos das pessoas e das cenas ocorridas, em que ele diz que não houve violência”, respondeu Suplicy, citando as pessoas presentes à reunião e que foram agredidas por policiais durante a reintegração de posse.

De Brasília
Márcia Xavier
Com Agência Senado

UMA BOA INTERPRETAÇÃO DE JOKERMAN, DE BOB DYLAN

Copiado do blog Notas da Liberdade:

Jokerman
Bob Dylan
Composição: Bob Dylan
Standing on the waters
casting your bread
While the eyes of the idol
with the iron head are glowing.

Distant ships sailing into the mist,
You were born with a snake in both of your fists
while a hurricane was blowing.

Freedom just around the corner for you
But with the truth so far off, what good will it do?

Jokerman dance to the nightingale tune,
Bird fly high by the light of the moon,
Oh, oh, oh, Jokerman.

So swiftly the sun sets in the sky,
You rise up and say goodbye to no one.
Fools rush in where angels fear to tread,
Both of their futures, so full of dread,
you don't show one.

Shedding off one more layer of skin,
Keeping one step ahead of the persecutor within.

Jokerman dance to the nightingale tune,
Bird fly high by the light of the moon,
Oh, oh, oh, Jokerman.

You're a man of the mountains, you can walk on the clouds,
Manipulator of crowds, you're a dream twister.
You're going to Sodom and Gomorrah
But what do you care? Ain't nobody there would want to marry yoursister.

Friend to the martyr, a friend to the woman of shame,
You look into the fiery furnace, see the rich man without anyname.

Jokerman dance to the nightingale tune,
Bird fly high by the light of the moon,
Oh, oh, oh, Jokerman.

Well, the Book of Leviticus and Deuteronomy,
The law of the jungle and the sea are your only teachers.

In the smoke of the twilight on a milk-white steed,
Michelangelo indeed could've carved out your features.
Resting in the fields, far from the turbulent space,
Half asleep near the stars with a small dog licking your face.

Jokerman dance to the nightingale tune,
Bird fly high by the light of the moon,
Oh. oh. oh. Jokerman.

Well, the rifleman's stalking the sick and the lame,
Preacherman seeks the same, who'll get there first is uncertain.

Nightsticks and water cannons, tear gas, padlocks,
Molotov cocktails and rocks behind every curtain,

False-hearted judges dying in the webs that they spin,
Only a matter of time 'til night comes steppin' in.

Jokerman dance to the nightingale tune,
Bird fly high by the light of the moon,
Oh, oh, oh, Jokerman.

It's a shadowy world, skies are slippery gray,
A woman just gave birth to a prince today and dressed him in scarlet.

He'll put the priest in his pocket, put the blade to the heat,
Take the motherless children off the street
And place them at the feet of a harlot.

Oh, Jokerman, you know what he wants,
Oh, Jokerman, you don't show any response.

Jokerman dance to the nightingale tune,
Bird fly high by the light of the moon,
Oh, oh, oh, Jokerman.

E agora a minha tradução, acompanhada de notas e prefácio, e posfácio:



Esta canção deve ter sido composta pelo judeu Bob Dylan quando ele esteve convertido ao cristianismo, para surpresa e indignação de alguns.
O “coringa” é uma imagem inusitada para associar a Jesus. A referência deve ser ao inesperado que simboliza o coringa, o surpreendente, a loucura, até, aos olhos do homem. Pois se a sabedoria humana é loucura aos olhos de Deus, também a sabedoria divina deve parecer loucura aos olhos do homem. A música tem passagens que dão conta desse inesperado, dessa surpresa, ao refletir sobre Deus. Na tradução, eu espalhei várias notas com interpretações minhas sobre passagens da letra. Algumas dessas interpretações parecem mais óbvias, algumas mais discutíveis. Não tenho a pretensão de afirmar que desvendei o que Bob Dylan queria dizer. Já se disse que nas interpretações de obras artísticas, revela-se mais o que vai na cabeça do intérprete do que na do autor da obra. Concordo, mas isso não retira o direito de qualquer um fazer a interpretação que lhe apraz, e partilhá-la. Podem lê-la, ou não, concordar com ela ou não, achá-la interessante ou não.
E eu posso escrevê-la. Há tempos eu aprecio letras de música, me emociono com elas, e as reflito. E desde que li uma edição da Divina Comédia, repleta de comentários, tenho a vontade de também fazer minhas traduções comentadas. Não vejo porque as letras de música teriam uma menor dignidade para serem refletidas, estudadas, comentadas. Quem ama a Divina Comédia, que a estude e a comente. Quem ama a letra de música, é estimulado por ela para alguma reflexão, então a reflita! Não vá um sábio de academia querer me dizer o que eu posso ou não gostar. E eu gosto de Dante e de Bob Dylan, e de Mozart e Elvis Presley. E nem preciso comparar, não acredito que haja possibilidade de comparação. Gosto deles, e isto me basta. Uma hora na companhia de um, outra hora na de outro. Que bom que cada um deles existiu, que bom que eu posso ter uma hora ou outra agradável com eles!
E então vamos à tradução:
CORINGA
De pé sobre as águas
Distribuindo o seu pão1
Enquanto os olhos do ídolo
Com a cabeça de ferro brilham2
Navios distantes
Navegam pra bruma3
Você nasceu com uma serpente em ambos os punhos
Enquanto um furacão soprava4
Liberdade, bem ali na esquina pra você
Mas com a Verdade tão distante
Que bem iria fazer?5
Coringa dançando para a melodia do rouxinol
Pássaro voa alto à luz da lua
Oh, Coringa
Tão rápido o sol se põe no céu,
Você se ergue e se despede de ninguém6
Tolos se precipitam
Aonde os anjos temem pisar
Ambos os futuros tão cheios de horror
Você não revela nenhum7
Trocando mais uma camada de pele
Mantendo um passo à frente do perseguidor interior8
Você é um homem da montanha
Você pode caminhar sobre as nuvens
Manipulador das multidões
Você faz os sonhos se torcerem
Você vai pra Sodoma e Gomorra,
Mas o que te importava?
Não tem ninguém por lá
Que quisesse casar com sua irmã9
Um amigo do mártir,
Um amigo da mulher da vergonha,10
Você olha a fornalha ardente
Vê o homem rico sem nome11
O livro de Levítico
E o Deuteronômio12
A lei da selva e o mar
Foram seus únicos mestres
Na fumaça de um crepúsculo
Sobre um corcel branco como leite
Michelangelo, realmente,
Podia ter esculpido sua figura13
Descansando nos campos, longe do espaço turbulento,
Meio adormecido entre as estrelas
Com um cachorro pequeno lambendo a sua face14
O homem do rifle faz tocaia
Para o doente e o aleijado
O pastor vai receber o mesmo
Quem vai chegar primeiro, é incerto15
Cacetetes e canhões de água,
Gás lacrimejante, cadeados,
Coquetéis molotov, e pedras,
Atrás de cada cortina16
Juízes de coração falso
Morrendo nas teias que tecem17
Apenas uma questão de tempo
Até que a noite venha se aproximando18
É um mundo repleto de sombras
Os céus são escorregadios e cinza19
Uma mulher deu à luz um príncipe hoje
E o vestiu de escarlate20
Ele vai colocar o sacerdote no bolso21
Vai colocar a lâmina para aquecer 22
Vai tirar as crianças sem mãe das ruas
E colocá-las aos pés de uma prostituta.23
Oh, coringa, você conhece o desejo do homem!
Oh, coringa, você não oferece qualquer réplica!
Coringa dança para a melodia do rouxinol
Pássaro voa alto à luz da lua
Oh, Coringa

1No primeiro verso, já temos a referência a Jesus, embora em nenhum momento da canção ele seja diretamente mencionado. Mas Jesus é quem caminha, ou fica em pé, sobre as águas do Lago de Genesaré, na Galiléia. No segundo verso, a referência é ao milagre da multiplicação dos pães (ver Mateus 14, 14 a 33).
2Deve ser a inveja que faz brilhar os olhos do ídolo feito de ferro, diante da visão do Deus vivo.
3Os navios do lago da Galiléia, onde Jesus caminhou sobre as águas? Uma metáfora das vidas caminhando para a morte?
4Hércules estrangulou com os punhos, no berço, duas serpentes enviadas por Juno para matá-lo. Também o furacão indica um momento de perturbação, talvez uma referência à reação violenta do velho mundo ameaçado pela nova era que seria inaugurada pelo Messias. Herodes e o massacre dos inocentes.
5Nesta estrofe, a referência talvez seja à tentação de Jesus no Jardim de Getsemani. Ele poderia se livrar de seus perseguidores e de seu destino. Bastaria rezar ao Pai, e um exército de anjos surgiria para afastá-lo do cálice. Mas com a Verdade perdida, de que serviria? Jesus não se apresenta como o Caminho, a Vida e a Verdade? E a Verdade não libertará? Seja feita a Vossa vontade, portanto. (cf. João 8, 21 a 47).
6O sol se põe, a morte na cruz? E, após, erguer-se pode ser uma referência à ressurreição, e que não haveria despedida, porque permaneceria vivo como Espírito Santo para seus discípulos.
7Um aspecto do Coringa, o misterioso. Os tolos e os anjos têm de enfrentar seus destinos, e a morte, cada qual à sua maneira, mas ambos na escuridão. “Pois eu vos digo: Amai vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para serdes filhos de vosso Pai que está nos céus. Porque ele faz nascer o sol para bons e maus, e chover sobre justos e injustos.”
8Novas referências à ressurreição? O perseguidor interior = a morte?
9A referência aqui é a Gênesis, 18 e 19. O Jokerman é identificado com o próprio Deus, que decidiu destruir Sodoma e Gomorra pela impiedade de seus habitantes. Mas antes envia dois anjos que vão livrar o justo Ló e sua família da aniquilação. “Ninguém por lá que quisesse casar com sua irmã” - a irmã do Jokerman seria as duas filhas de Ló, o homem justo? Casar com elas seria desposar a justiça. Mas os habitantes de Sodoma queriam violentar os hóspedes de Ló, os anjos do Senhor. O que importava ao Senhor visitar a terra dos homens ímpios? Ainda assim, Ele o faz, na representação de Seus anjos, e conforme a instigação de Abraão, para defender os Seus justos. Ou, melhor dizendo, os que tentam ser justos. Não é fácil entender a atitude de Ló, sacrificando a honra de suas filhas pela de seus hóspedes.
10“Amigo do mártir”, como, por exemplo, no apedrejamento de Estêvão (Atos, 7, 54 a 60), o primeiro mártir. “Amigo da mulher da vergonha”, por exemplo, ao salvar do apedrejamento a mulher adúltera (João, 8, 1 a 11), ou ao perdoar os pecados da mulher comumente identificada como Maria Madalena (Lucas, 7, 36-50).
11O rico sem nome aparece na parábola do rico e do pobre Lázaro, Lucas, 16, 19-31. Este rico da parábola de fato arde no fogo, e não tem nome, ao contrário do pobre, chamado Lázaro. Talvez não ter nome signifique perder a identidade, por amor à riqueza, ou que a condenação não se prende a um homem específico, mas à condição do homem, qualquer homem, que se prende à riqueza. Que idolatra a riqueza.
12Quando perguntaram a Jesus qual era o maior mandamento da Lei, Ele respondeu: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o coração, com toda a alma e com toda a mente. Este é o maior e o primeiro mandamento. Mas o segundo é semelhante a este: Amarás o próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (cf. Mateus, 22, 34 a 40). O primeiro mandamento Jesus retira de Deuteronômio 6,5, e o segundo, de Levítico, 19,18. Daí os mestres de Jesus, além da lei da selva e o mar, isto é, a própria natureza.
13Michelangelo realmente esculpe a figura de Jesus, mas apenas na Pietá, que eu me lembre. O “corcel branco como leite” pode ser apenas símbolo de majestade.
14Este trecho me parece uma representação da natureza dupla de Jesus, divina e humana. Em paralelo, o turbulento espaço/as estrelas, e os campos/o cachorrinho lambendo a face.
15Os pastores, os doentes, os aleijados, são todos vítimas do homem com o rifle fazendo tocaia, da crueldade e da covardia humanas, da morte. Permanece oculto o destino de cada um, quem vai ser o primeiro a enfrentar a morte? (Who´ll get there first is uncertain). Compare nota 7.
16Nas imagens de um distúrbio de rua, de um conflito entre policiais e manifestantes, um símbolo para a violência que se oculta em cada coração. A hipocrisia.
17Nova imagem de hipocrisia, agora como causadora da perdição daqueles mesmos que a praticam.
18Noite=morte. A igualadora, inescapável. “Apenas uma questão de tempo...”
19Imagem trágica da vida: incerta, enganadora (cinza), com a sorte mutável (escorregadia), e ameaçada pelo mal (mundo repleto de sombras).
20Nesta vida trágica surge a esperança, Jesus, o Príncipe que foi dado à luz pela humilde Maria. Ela o vestiu de escarlate, cor que denota nobreza, ou com seu próprio sangue no momento do parto, a natureza humana desse Deus surpreendente, motivo de escândalo para tantos?
21São diversas as passagens em que Jesus surpreende e confunde os sacerdotes, os escribas, os doutores da Lei. Por exemplo, Mateus, 22, 15 - 22, 41 - 46; João, 3, 1 - 15. E “ficaram todos tão espantados que perguntavam uns aos outros: “O que é isso? Uma doutrina nova, dada com autoridade! Ele manda até nos espíritos impuros e eles lhe obedecem” (Marcos, 1, 27 - 28).
22“Colocar a lâmina para aquecer”, como um ferreiro que aumenta o gume da espada, tornando-a mais afiada. “Não penseis que vim trazer a paz à terra. Não vim trazer a paz, e sim a espada. Pois vim separar o filho de seu pai, a filha de sua mãe, a nora de sua sogra. Os inimigos da gente serão os próprios parentes” (Mateus, 10, 34 - 36 e Miquéias, 7,6).
23Jesus mostra-se frequentemente surpreendente, como estes versos, subvertendo os valores corriqueiros. Ver nota 10, exemplos da atitude de Jesus, escandalosa aos olhos de seus contemporâneos, de perdão diante das “mulheres da vergonha”. “Tirar as crianças sem mãe das ruas, e colocá-las ao pé da prostituta”, significará amparar as crianças deixadas ao abandono pela indiferença humana, e honrar as prostitutas, habituais repositórios do desprezo dos felizardos(as) bem-de-vida, confiando aqueles órfãos aos cuidados destas.

E termino a tradução, com as notas. Deu-me mais trabalho, e estendi-me mais, do que pensei a princípio. Talvez tenha exagerado, ou forçado a barra, em algumas passagens. Não importa. Como disse, é só uma interpretação, a minha interpretação, sem pretensão de decifrar o pensamento do Bob Dylan.
Creio mesmo que após a publicação, a obra de um autor fica disponível para toda interpretação, qualquer interpretação. Mesmo uma interpretação do próprio autor será apenas mais uma interpretação, talvez sequer a mais interessante.
Também não é que qualquer interpretação se equivalha. O estudo, a imaginação, a própria inspiração, ou talento, do intérprete, podem acrescer ou diminuir o interesse de uma interpretação. Em última instância, porém, quem vai dizer se uma interpretação vai convencer, inspirar, ou emocionar mais que a outra? No clipe de Jokerman que indico no You Tube, em determinado momento surge a figura de Hitler (associada ao verso “manipulador de multidões”). Não sei se o clipe teve alguma aprovação do Bob Dylan, mas não me importa. Como eu disse, a interpretação do próprio autor de uma obra será só mais uma interpretação. Pode ser interessante, mas não obriga, absolutamente, o público a ter a mesma idéia, ou a sentir da mesma maneira.
Para mim Hitler não tem a menor pertinência na música, e não há qualquer termo de comparação entre ele e o Jokerman, Jesus, como eu interpreto. Mas alguns seguidores de Jesus agiram como seguidores de Hitler, massacrando pagãos nas Cruzadas, por exemplo, como se fossem menos humanos, menos o próximo, e pervertendo o mandamento de amor ao semelhante.
Então, se a imagem de Hitler na música pode inspirar a reflexão, ainda que me pareça “errada”, como interpretação, eu não posso deixar de entendê-la válida.
Aliás, eu vejo agora nos comentários ao vídeo, no You Tube, que as teorias são muitas sobre a identidade do Jokerman. Vão de Hitler, ao Cristo, ao Anti-Cristo, ao pai de Dylan, à humanidade... como se vê, a obra artística não se fecha, ela é única para cada intérprete.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

CONTRA A CRETINICE: "ANTI-SEMITA É A VOVOZINHA"


            Uma das mais propagadas cretinices intelectuais da atualidade é achar que qualquer pessoa que critique o Estado de Israel é anti-semita. É como dizer que quem critica o governo cubano é antilatino ou que quem critica qualquer ditadura africana possui preconceito contra negros. Na verdade, o que esse tipo de discurso quer é justificar subrepticiamente qualquer barbaridade cometida pelo Estado judeu (que é o que ele é de fato), tornando sem valor qualquer crítica, visto partirem de fontes baseadas no preconceito. Fontes essas, portanto, sem fundamento analítico.
            Quando se critica Israel, pelo menos boa parte dos críticos que eu conheço, não se critica o povo judeu como um todo, pois isso é uma generalização burra. Quem faz isso é um verdadeiro cretino, um vigarista. Não se critica, tampouco, a existência em si desse Estado. Podemos resumir a crítica sob dois aspectos: critica-se o caráter judeu, portanto, confessional, ou pelo menos, etnocêntrico, do Estado, entendendendo o laicismo e a convivência pacífica entre os diferentes como a expressão político-social mais adequada à contemporaneidade; e critica-se o fato de que a defesa do direito a uma terra para o povo judeu  deva conflituar-se com o mesmo direito para o povo palestino. Dizer que isso é anti-semitismo é associar, necessariamente, a violência, o etnocentrismo e outras mazelas ao povo judeu, e isso é que é uma verdadeira falta de respeito. Quem faz isso também é cretino e vigarista.
            Digo isso porque nesses dias está ocorrendo um curso, promovido pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, intitulado: “A Questão Palestina e o Conflito no Oriente Médio”. O mais reacionário dos jornalistas tupiniquins, Reinaldo Azevedo, sempre ele, não poderia deixar de dar sua tão atoleimada opinião. Para ele, o curso nada mais é do que um evento militante, que tem por objetivo produzir lavagem cerebral na mente de iniciantes do jornalismo, doutrinando-os para que eles passem a defender, em sua carreira jornalística, a destruição do Estado judeu (ele mesmo o chama assim). Cretinice pura! O curso é militante sim, só que milita por uma visão mais abrangente, contrapontual ao discurso de demonização dos palestinos e de indiferença para com a sua causa. Afinal, quem não tem Estado são os palestinos, e Israel é um dos grandes responsáveis por isso.
            Um ponto muito curioso em todo este cenário é que todos os dias setores da mídia fazem apologia a Israel, tido como uma ilha de democracia em meio a várias ditaduras, que além do mais patrocinam terroristas. Reinaldo chega inclusive a dizer, cinicamente, que Israel é o país onde os palestinos possuem mais dignidade e direitos democráticos. Posso usar vários exemplos para mostrar que isso é uma mentira deslavada. Colhi esse no sítio de notícias do portal Terra. É meio grande, mas é bem esclarecedor:
As prisões de Israel abrigam mais de 300 palestinos detidos de forma arbitrária, que sofrem de forma reiterada diversos tipos de abuso, denunciou nesta terça-feira o relator especial das Nações Unidas sobre a Situação dos Direitos Humanos nos Territórios Palestinos Ocupados, Richard Falk.
"O governo de Israel o classifica como ''prisões administrativas'', mas é mais honesto chamá-las de prisões sem acusações ou, diretamente, prisões arbitrárias", afirmou Falk em comunicado.
"Fui informado de fontes críveis que atualmente há em prisões israelenses cerca de 300 palestinos sem acusações. Pedi informações de cada uma dessas pessoas e pretendo fazer um acompanhamento de cada caso e tratar o tema na sessão do Conselho de Direitos Humanos em junho de 2012", acrescentou.
Estima-se que há cerca de 4,4 mil palestinos nas prisões israelenses.
Falk destacou, além disso, que vários especialistas em prisões lhe informaram que os palestinos são vítimas de abusos físicos, verbais e psicológicos; sofrem falta de acesso a tratamento médico adequado; são sujeitos a confinamento solitário por períodos extensos; vivem em celas superlotadas e precárias; e não podem receber visitas de seus familiares.
"Estou consternado porque, embora essas acusações se repitam há anos, não houve reformas ou mudanças a respeito", assinalou Falk, que pediu uma ação urgente. "A comunidade internacional deveria dar maior prioridade à constante violação dos direitos dos prisioneiros palestinos".
            Outro ponto interessante é a questão da isenção. Tio Rei fala que os ministrantes do curso não são isentos. Bom, mas quem é isento nesse assunto? Por acaso, ele o é? No seu devaneio, ele chega a fazer um brilhante questionamento: o Sindicato abriria um curso para ouvir a outra versão? Até parece que o negócio é sério, como diz minha mãe. Pra quem já participou de fóruns enaltecedores de Israel, como o Momento no Oriente Médio, evento comemorativo dos 63 anos de criação do Estado judeu (vide PS2, no fim do texto), o questionamento vale pra ele também. Por que ele não promove algo do tipo no seu blog, já que ele é tão a favor de se analisar as várias versões de um mesmo fato? Que cínico! Defensor intransigente de tudo o que Israel faz, é mais fácil ele publicar um post no dia 22 de julho, comemorando os 66 anos do atentado ao hotel King David, em Jerusalém, episódio marcante da luta que culminou com a criação de Israel, como Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro do país, fez em 2006, do que realizar algo desse tipo.
            E ele ainda reclama o fato de o Sindicato abraçar uma causa, coisa própria da essência de qualquer organização desse tipo. Afinal, ele mesmo não abraça as deles com tanto afinco. E que afinco! Ele não aceita (não consegue, não faz parte da sua natureza) a existência de algo contrário ao que ele prega. Se dependesse dele, esse tipo de coisa nem existiria. Se dependesse dele, o governo israelense (talvez o responsável “pelo simples salário pago/pelo secreto coração deles” (vide PS3)) estaria livre para agir contra quem quisesse, sem que a opinião pública pudesse conhecer a verdade e se intrometer no assunto. A pecha de anti-semita serviria para coroar pejorativamente os que insistissem no negócio, desmoralizando-os e aos seus argumentos.

PS: Devemos rejeitar veementemente essa pecha de anti-semita. Atacar o Estado, reitero, não significa de maneira nehuma atacar o povo judeu. Muitos deles mesmos são vítimas da arbitrariedade do governo. A nossa luta é por um governo mais aberto e que entenda que outros povos também possuem direitos. Devemos dizer, com todo respeito: “Anti-semita é a vovozinha”.

PS2: Quando do post do Reinaldo falando do evento “Momento no Oriente Médio”, um dos comentários me chamou atenção. São palavras preconceituosas, que foram aceitas pelo dono do blog:
bpistelli
16/05/2011 às 16:41
O estado israelense, o único sem maioria árabe foi criado e a cabeça dos fundadores, progressistas foi fundamental para o estado tornar-se desenvolvido. É um país pequeno e com 50% de palestinos (árabes israelenses) que têm 8 filhos por mulher, esperam esmagar demograficamente o povo hebreu, imaginam que em 2060 serão 90% da população israelense e possam refundar a palestina Árabe. Se os israelenses forem mais inteligentes, que deixem a falxa de gaza e parte da cisjordânia como país palestino. Os palestinos que se multiplicam como ratos ficarão apertados no pequeno território e passarão a reduzirem a natalidade.
De duas uma, a guerra de extermínio ou o controle de população, pela educação do povo.

PS3: Os versos apresentados no último parágrafo são de autoria de Dylan Thomas, traduzidos para o português por Mário Faustino. Eles aparecem no cabeçalho do blog do Reinaldo Azevedo.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

PRÉVIAS NA "DITADURA" DE CHÁVEZ


                Deu no Estadão no último dia 13: “O governador do Estado de Miranda, Henrique Capriles Radonski, foi eleito ontem candidato único da oposição para enfrentar o presidente Hugo Chávez, no poder há 13 anos, na eleição presidencial de 7 de outubro.
            Interessante notar que a grande ditadura do Cone Sul possui eleições para escolher sucessores para o “ditador” Hugo Chávez (trata-se aqui de uma ironia, mas o blog Videversus teve o displante de usar esse adjetivo para qualificar o presidente venezuelano). Total falta de respeito aos leitores e à própria ciência política. Nem mesmo o mais reacionário dos acadêmicos dessa área conseguiria chamar um país que possui eleições presidenciais, inclusive com o recurso da prévia, de ditadura. Contudo, visto o tipo de colocações desse tipo de gente, isso não surpreende mais.

PS: Quem gosta de verificar as coisas o link do post do Videversus é: http://poncheverde.blogspot.com/2012/02/capriles-vence-previas-e-enfrentara-o.html. Postei um comentário lá, mas não foi publicado. Fazer o quê? Quem não sabe o que é diálogo é assim mesmo.