A
tão esperada reforma política tem tudo pra sair do papel no início de 2012. As
discussões estão avançadíssimas e propostas surgem de todos os lados. O
interesse da maioria é buscar melhoras no processo eleitoral e no regime de
representação que garantam o aperfeiçoamento do sistema democrático no Brasil.
Uma das propostas que está fazendo mais sucesso hoje é a do voto distrital,
defendida pela direita e por seus instrumentos de opinião como a única que pode
garantir o avanço do país a um sistema democrático perfeito, imune à corrupção
e mais próximo do eleitor.
As
justificativas para a defesa desse sistema, adotado na Grã-Bretanha e nos
Estados Unidos, entre outros países, são várias, mas delas podemos tirar três
principais. Primeiramente, o cidadão passaria a ter maior controle do Congresso,
pois se lembraria daquele que foi eleito pelo seu distrito, mesmo sem ter
votado nele. No sistema atual, ou mesmo em qualquer sistema proporcional, o
candidato votado nem sempre é lembrado depois. Outro ponto é que com esse
sistema, o parlamentar teria que prestar contas a um eleitorado mais plural,
eliminando assim os representantes do que alguns chamam de lobbies (sindicatos, empresas, minorias, movimentos populares,
etc.). Por fim, argumenta-se que o custo de campanha cairia, pois um candidato
a deputado não teria que buscar eleitores no amplo espaço do estado, mas no
pequeno espaço do distrito.
Parece
lindo, mas infelizmente não é. Nada no mundo pode provar que isso se daria de
fato. Muito pelo contrário. Senão, vejamos. Todos sabem quem é o prefeito de
sua cidade. Isso quer dizer que tenhamos mais controle sobre o que ele faz? Por
ele ter sido eleito de forma majoritária, significa que ele defende ou busca
representar a pluralidade? Por algum acaso uma eleição pra prefeito possui um
custo assim tão baixo? E olhe que um município é, em tese, menor que um
distrito estadual.
O
que se esquece de dizer é que, onde é aplicado, o voto distrital tende sempre a
ser excludente e bipartidário. Isso jamais poderia ser sinônimo de pluralidade.
Num sistema como esses as minorias (sociais, culturais, partidárias) não
possuem espaço nenhum no parlamento. Um partido pode ter de 10 a 15% dos votos
e não ter nenhuma cadeira. Isso obriga alguns partidos à inexistência ou à
obsolescência. Não pela vontade popular, mas artificialmente. Afinal, 15% são
15%. Além do mais, achar que apenas dois partidos possam simbolizar todos os
pressupostos políticos de um conjunto de eleitores é balela. Os matizes
políticos são diversos (conservadores, liberais, social-democratas,
progressistas, trabalhistas, socialistas, comunistas) e todos eles têm o
direito de disputar a escolha livre do eleitor. Por ser assim, tendente ao
bipartidarismo, o voto distrital leva ao voto útil, tirando a espontaneidade da
escolha do eleitor, assim como a uma fabricação artificial de maioria, em que o
partido mais votado (isso pode significar tanto 70 quanto 30%) recebe mais
cadeiras que votos, como bem assinalou Alberto Carlos Almeida em artigo
recente. Diz ele: “No voto distrital o vencedor leva tudo
("the winner takes all"). A nossa Câmara dos Deputados tem 513
representantes e o partido mais votado, o PT, ficou com 80 cadeiras. No voto
distrital o PT teria ficado provavelmente com 280 cadeiras, isto é, mais do que
50% dos assentos. Hoje o primeiro-secretário da Câmara é o deputado Eduardo
Gomes, do PSDB do Tocantins, um parlamentar da oposição. Isso jamais ocorreria
se o PT tivesse 280 cadeiras. Ao contrário, toda a mesa da Câmara seria
composta por deputados petistas. No sistema distrital, a maioria simplesmente
manda e ocupa todos os espaços. Em todos os países com voto distrital, a mesa
da câmara é 100% controlada pelo partido que tem a maioria, e o mesmo acontece
para todas as comissões legislativas. Funciona novamente aqui o princípio do
vencedor leva tudo.” (Alberto Carlos Almeida, disponível em http://www.valor.com.br/brasil/1001740/o-voto-distrital-e-excludente)
No rastro de toda essa comédia de
erros, vale salientar que o voto distrital, por eleger majoritariamente, incentiva
ao conflito, e não ao consenso, como também destaca Almeida. Isso se dá por que
o voto majoritário é próprio para cargos do poder executivo, onde tem que haver
coesão ideológica para uma boa administração. O poder legislativo, pelo
contrário caracteriza-se pela pluralidade de idéias. As palavras-chave são
consenso, acordo, debate. Com o voto distrital e seu apelo ao conflito, o
parlamento se torna um mini poder executivo, transformando a democracia numa
espécie de ditadura legalizada, onde ou não há oposição, ou ela é tão
minoritária que não tem poder nenhum.
E há também problemas mais técnicos.
Se a idéia vingar, quantos distritos haveria por cada estado? Eles teriam que
ser diferentes para deputado estadual e federal? Como se resolveria isso?
Parece fácil, mas não é. E ainda há o seguinte: o discurso do deputado tenderia
a ser mais regional e menos ideológico. Sua postura quanto a problemas mais
globais torna-se uma incógnita. E mais: se o indivíduo é eleito
majoritariamente, o partido se torna obsoleto. O mandato é dele e ele pode
fazer o que quiser depois. Toda a luta que se desenrola até hoje por fidelidade
partidária ou coisas do gênero, que fortaleceriam a coerência de idéias e
posturas de quem exerce um mandato, iria para o ralo. Problemas que se criariam
e soluções que seriam deixadas para trás.
Por fim, há um problema de ordem
pessoal, que atinge a mim, e com certeza deve atingir um bom número de outros
eleitores. Sou do interior do Ceará. Nunca votei para deputado em candidatos da
minha cidade ou região. Primeiro, por não defenderem o povo da minha região.
Segundo, porque isso não é o que se deve esperar de um deputado, principalmente
federal: defender uma região. Ou um município. Para isso, elegemos prefeitos e
vereadores. O que interessa de um candidato a deputado federal é sua postura
quanto aos problemas de âmbito nacional e, por que não, internacional. Eleger
para um cargo desses um indivíduo que só fala na sua região, mimando seus
eleitores com palavras bonitas, é um completo desserviço à democracia e à
dignidade do cargo que deve ocupar, de tanta relevância para a nação.