sábado, 3 de novembro de 2018

O FASCISMO FASCINOU: BOLSONARO E O FUTURO DO BRASIL


"O fascismo é fascinante e deixa a gente ignorante fascinada
E é tão fácil ir adiante e esquecer que a coisa toda tá errada
E a história se repete mas a força deixa a história mal contada"

Humberto Gessinger, Toda Forma de Poder


Parte 1: “Mas tu num conhece o cara!” – a caricatura que virou presidente:
            Quando dei pela existência de Jair Bolsonaro, eu devia ter uns vinte anos, lá por 2003 ou 2004. Estava assistindo à TV Câmara (pois é, eu assisto essas coisas). Estava passando uma sessão solene em homenagem ao Exército Brasileiro. Na época eu tinha vontade de ser militar, e então parei pra assistir. De repente ele apareceu na tribuna, e começou a criticar o ministro Márcio Tomás Bastos, da Justiça, por este ter falado de forma negativa da Ditadura. Me admirei ao ver alguém defendendo-a. Pouco depois perguntei a meu pai se o conhecia. O nome um tanto inusitado não saía da minha cabeça. Meu velho explicou que ele era um doido, um sujeito de opiniões extremistas, que defendia a Ditadura, e que era visto no meio político como uma caricatura: o sujeito que restou pra defender o indefensável.
            Desde então, esse sujeito sempre representou isso para mim: uma caricatura. Alguém que não podia ser levado a sério. Lembro das vezes em que, em conversas sobre política (pois é, eu gosto dessas coisas), o nome dele ser levantado quando alguém vinha com ideias retrógradas e fascistoides. Todos ríamos. Quem não o conhecia, ignorava. Quem o conhecia, mesmo os que posteriormente votaram nele, sempre o trataram da mesma forma: como um dinossauro na política, obsoleto, irrelevante, e claro, caricatural. Inclusive, um de seus mais ferrenhos defensores lembrou-me dia desses que a primeira vez que ouviu falar dele foi através de mim. Pois é, eu conheço essas pessoas do mundo político que ninguém liga, e que podem de uma hora pra outra se transformar em “mitos”. Afanásio Jazadji, Lauro Campos, Jefferson Peres... pois é, tu não conhece né? Pois eu conheço!
            E eis que chega a era das redes sociais. Paulo Freire vira um manipulador de mentes, Darcy Ribeiro se torna “ela” (“depois vou ler sobre ELA”, me disse certa vez um jovenzinho ignorante), e surgem heróis de todo esgoto: o também caricato, embora um pouco mais cultivado, Enéas Carneiro; o desbocado e tresloucado pretenso filósofo Olavo de Carvalho, o homem que sabe tudo sobre tudo, e lê uns duzentos livros por ano... e claro, ele: Jair Bolsonaro, defensor da família e combatente feroz contra o “cumunismo”. No início, confesso que ri e achei inofensivo. Pensei: nam, esse daí num tem perigo de alguém levar a sério. Mas o ser humano, principalmente o brasileiro, principalmente o mais idiotizado, sempre é capaz de nos surpreender. Falarei da “onda Bolsonaro” mais na frente, calma!
            Diante disso, me deixou estupefato a total falta de informação e conhecimento, mínimos que sejam, do brasileiro sobre política. Bolsonaro se tornou “a novidade”, só que de novo num tem nada. Trinta anos de Parlamente, e nenhum serviço relevante prestado. Juro que ouvi gente rebater minhas críticas a ele, dizendo: “Ah, mas tu não conhece o cara! Vá se informar!” Nessas horas, minha mente efervescente não consegue sentir um sentimento só. Sinto um misto de raiva, tristeza e vontade de rir. Mas existe ainda coisa pior no brasileiro que a falta de informação. É a crença cega de que todo o resto das pessoas é assim. Muitos brasileiros são idiotas, mas acham que, com conhecimento fast food, entendem de tudo. E duas coisas a mais temperam o show de horrores: primeiro, que a onda pega pessoas que chamaríamos de “esclarecidas”, que tem formação, que leem e que tem a mente aberta, pelo menos aparentemente; e segundo, que essas pessoas depois de convencidas (eu diria contaminadas pelo vírus bolsonariano) são incrivelmente fechadas a qualquer argumentação. Ou seja, o ômi sempre está certo.
            Em suma: o homem é, no jargão político, raposa velha. Como parlamentar, nunca soube articular nada para aprovar projetos. Como militar, e pretensamente preocupado com a segurança pública, nunca apresentou sequer projeto concreto e útil para a área. Maria do Rosário, de quem falaremos depois, já fez mais nesse sentido. Como político novo, moderno, “contra tudo que está aí”, nunca deixou de usufruir das vergonhosas regalias que todo brasileiro reclama de serem concedidas à classe política. Pelo contrário, ele as estimula, e defende abertamente. Ou seja, continua sendo uma caricatura. E eu o conheço mais de que 95% de seus eleitores. Antes de alguém fazer pose de arminha no Facebook, eu já sabia de cor da folha corrida do sujeito. Pra mim nunca foi novidade.

Parte 2: A onda: porque o fascismo fascina gente ignorante:
            Comecemos esse tópico falando de fascismo. Uma palavra espinhosa, largamente usada no jargão político, geralmente de forma superficial, e preponderantemente negativo. Ou seja, usa-se quando não se gosta de alguma coisa. E geralmente de forma injusta, conceitualmente falando. Duas saídas se apresentam aqui pra esse problema: primeiro, deixar de usar o termo, evitando ser superficial e injusto; segundo, usá-lo, mas respeitando seu real significado e as opiniões de especialistas sobre o assunto. Opto pelo último sem pestanejar, pois o primeiro caso traz o problema de negar o termo em si, o que é equivocado, pelo simples fato de que o fascismo existe. E mais, não é um fenômeno datado, não está circunscrito a Hitler, Mussolini, Franco, ou aos pouco citados Pavelić , Dolfuss, Szálasi ou Antonescu, isso pra citar apenas casos europeus. É um fenômeno que permanece, através de características próprias que se perpetuam.
            Tomo por base dois trabalhos importantes, que foram a base de uma palestra que dei sobre o tema ano passado: Fascism Anyone, do historiador e politólogo estadunidense Lawrence Britt, e Fascismo Eterno, do famoso semiólogo e romancista italiano Umberto Eco. Os dois textos buscam identificar a presença do fascismo na atualidade, usando uma série de pontos, de tópicos, que caracterizariam o fascismo. Britt, por exemplo, vai listar entre algumas características: nacionalismo contínuo, desprezo pelos direitos humanos, supremacia das Forças Armadas (militarismo), obsessão com a segurança nacional, entrelaçamento entre religião e governo, desprezo pelos intelectuais, obsessão por crime e castigo. Eco é um pouco mais profundo: fala de apego à tradição, dificuldade em receber críticas e em aceitar diversidades, apelo a uma frustração coletiva, a uma classe média que se sente desabonada, num país humilhado ou em crise (ponto importantíssimo), patriotismo (sentimento de pertencimento a uma terra, e reverência a seus símbolos), desprezo pelo pacifismo, teorias da conspiração que enaltecem o poder de mobilização e manipulação dos adversários, culto ao heroísmo, ou salvacionismo, ou messianismo, e por último, uma novilíngua, termo utilizado por George Orwell no seu romance distópico 1984. No sentido de Eco, essa novilíngua seria um palavreado rasteiro e elementar, visando limitar os instrumentos para um raciocínio crítico e o debate fecundo de ideias.
            O que vemos disso em Bolsonaro? Vemos uma relação muito forte com vários pontos de seu discurso, assim como com o perfil de seu eleitorado, do qual falaremos mais tarde. Para evitar as famosas fake news, de certa forma já obsoletas passada a campanha presidencial, vamos nos ater a coisas que ele realmente disse e fez, principalmente em momentos coloquiais, no meio dos seus, quando se tem um retrato mais fiel da personalidade do sujeito, sem as amarras que se impõe um candidato comportado que quer ganhar voto: ele disse que não existe essa de Estado laico, mas que o Estado é cristão; que as minorias se adequem, ou serão eliminadas; ele interrompe muitos de seus interlocutores em debates ou entrevistas quando é colocado contra a parede, tendo chamado um jornalista de escroto e outra de idiota; falou nessa semana, já eleito, que iria cortar verba de jornal que o criticasse; que filho gay é falta de porrada, que o homossexualismo é a porta de entrada para a pedofilia, que quilombola não serve nem pra procriar, e que índio devia comer capim; falou que os empreendedores estão bastante sobrecarregados, e que trabalhadores devem escolher entre ter direitos ou ter emprego; que o país precisa de um presidente que seja patriota; que o policial deve ter licença para matar; que a esquerda domina a mídia e as escolas, e que ensina as crianças a serem homossexuais e que as doutrina no marxismo, fazendo com que saiam da escola como militantes de esquerda com “cérebro de ovo cozido”; e que debater política não leva a lugar nenhum. Encaixa ou não com a descrição? Eu diria que como uma luva.
            E qual a força disso? Enorme. Num país em crise, similar à Alemanha pré-nazismo, o discurso raso, recheado de soluções simplórias e aparentemente infalíveis (criminalidade se resolve com polícia truculenta, penas rígidas, armamentismo e “pau nos vagabundos”, por exemplo), com constante apego à sensibilidade religiosa das pessoas, e com o mais basilar e pífio “moralismo de goela” (no dizer de Ciro Gomes), coroado com uma teoria da conspiração comunista “repetida até virar verdade”, é tiro e queda. O fascismo fascina mesmo, e basta ter predisposição pra acreditar na loucura toda, basta estar puto, com medo, ou frustrado com alguma coisa, que tudo se transforma em verdade absoluta e inquestionável. A partir daí, nenhum argumento contrário adianta mais.

Parte 3: O perfil do fã-clube: farisaísmo, fardas e garotinhos frustrados:
            Antes de iniciar, um aviso: nessa parte eu começo a citar, sem dizer o nome claro, exemplos reais de pessoas conhecidas, a maioria de minha cidade natal, ou da cidade onde moro.
            O fascismo fascina, como eu disse, mas não fascina todo mundo. Tem gente que de qualquer forma já está meio que vacinado. E mesmo àqueles a quem fascina, não fascina na mesma proporção. Alguns se entregam com paixão desde o primeiro momento, outros depois de verem nele, mesmo que não concordem com tudo, o resumo de algo que, talvez de forma inconsciente, sempre quiseram para a política. O certo é que, pra se ser filofascista, ou fascista puro, é necessário ser pelo menos uma dessas duas coisas: ou você é um sujeito que guarda algum rancor, ódio, preconceito moral, que relativize o outro, e nesse caso você já é um fascista em potencial. Ou então ser muito ingênuo ou mal informado, para acreditar no discurso fascista. Conheço dos dois tipos. Conheço também gente perversa e idiota, mas que não é fascista, diga-se de passagem. O que não conheço de jeito nenhum é (filo)fascista que seja ao mesmo tempo inteligente e decente. Se é inteligente, é porque é alguém desprezível. Se é decente, é porque é burro ou desinformado.
            Dito isso, e observando empiricamente as pessoas com quem convivi, virtual ou pessoalmente, nesses últimos anos podemos traçar três características principais nos fãs de Bolsonaro. Uma minoria parca estaria fora dessas características, e alguns possuem mais de uma dessas condições. E elas se coadunam com alguns dos pontos dos nossos teóricos citados. Senão, vejamos!
            O primeiro tipo de perfil bolsonariano é o que chamo de “cristão farisaico moralista”. Ele busca um entrelaçamento da religião com a política, como Britt já enunciou, e seu discurso é de apego à tradição, como dito por Eco. Ele defende que sua moral religiosa específica deve ser imposta a todos, e justifica isso dizendo que “o Brasil é um país de tradição cristã”. Afirma, portanto, que o estado é laico, mas não “laicista” (um termo que sequer existe como conceito da Ciência Política). Dentro desse raciocínio tacanho, não podem faltar teorias da conspiração (outro dos pontos de Eco). Por exemplo: uma coligação de gays, “abortistas” e marxistas satanistas possuem uma rede organizada infiltrada nas escolas, igrejas, meios de comunicação e órgãos públicos, e visam subverter a sociedade judaico-cristã, sexualizar as crianças, criar uma ditadura gayzista e impor o comunismo através de forte e eficiente lavagem cerebral, utilizando livros didáticos enviesados e professores doutrinadores. Parecido com o que Hitller fez com os judeus, superlativizando sua capacidade de influência para melhor gerar medo no povo. Termos como “kit gay”, “marxismo cultural”, “ideologia de gênero”, “doutrinação ideológica”, são criados e propagados, e de tão repetidos viram verdade. Até a gente que sabe que não é assim se vê quase acreditando rsrsrs. Mas deixemos isso quieto, pois das mentiras falaremos depois.
Esse grupo é formado majoritariamente por cristãos, principalmente protestantes (esse grupo simplesmente foi tragado pela ideia), embora nem todos sejam, na vida cotidiana, religiosos praticantes. Eles gostam de fazer aquilo que o historiador Leandro Karnal chama de “customizar Deus”: criam um deus que se adeque a suas idiossincrasias, algo que Feuerbach, um crítico da religião, também já colocava. Nesse contexto, homossexualismo é combatido por ser pecado, mas o mesmo não acontece com tortura e incitação à violência.
            E o que significa farisaico? No tempo de Jesus havia um grupo de judeus radicais conhecidos por impor ao povo o seguimento estrito da lei mosaica, embora eles mesmos não o fizessem: eram os fariseus. O termo virou sinônimo de pessoa que prega com veemência uma moral, mas que não a segue. Os seguidores de Bolsonaro gostam de se auto-intitular defensores da família, repudiadores do crime, zelosos dos preceitos cristãos e preocupados com a formação moral das crianças. Adoram basear sua escolha política numa leitura particular da Bíblia, e condenar quem pensa diferente utilizando o mesmo parâmetro. Pois bem, muitos nem aparecem na escola pra saber o comportamento do filho. Muitos nem sequer criam ou convivem com eles. Muitos já se viram envolvidos em roubo de mercadoria, uso de drogas, e improbidade administrativa no exercício de cargo público. Alguns simplesmente se escoram no serviço público, pra depois sair arrotando todo tipo de indignação. Tem um, inclusive, que deixava a mulher e a filha em casa e ia farrear até tarde, curtindo canções imorais e dançando. Hoje está no terceiro casamento, mas votou em Bolsonaro por este defender a família e combater a imoralidade. O próprio Bolsonaro não prima muito pelo que diz: também está no terceiro casamento (seus detratores sempre afirmam que ele troca cada uma delas por outra mais nova), já teve problemas com pensão alimentícia, e nunca abriu mão dos imorais privilégios parlamentares. Como diz Ciro Gomes: moralismo de goela. Um atributo tradicional da direita, e uma prática usual de todo fascista.
            O segundo grupo são os PMs, e os militares em geral, por algumas razões. Primeiro, pelo corporativismo. Bolsonaro é um militar, inclusive começou a carreira política defendendo os interesses de sua categoria, e sua ascensão é vista como uma oportunidade de melhorias para os de farda. Segundo, pela ideia que ele defende de dar plenos poderes à polícia para agir de forma não necessariamente ortodoxa contra “a vagabundagem”. Uma mão na roda, visto que nossa polícia é, por tradição, autoritária. Ela impõe temor, e é inegável que os próprios policiais gostam e se sentem confortáveis com isso. Metade da população brasileira tem medo da polícia, por exemplo. No entanto, os policiais se ressentem de que a lei, embora deva ser assim, inibe seus abusos, e “protege” demais os bandidos. Por formação, nosso policial gosta de agir como repressor, e não aceita quando os “direitos humanos” impedem suas brutalidades, o que seria até uma forma de afirmação de sua força e autoridade. Essa situação em que existem leis que garantem direitos civis os faz sentir alijados, e Bolsonaro promete combater isso, ou pelo menos diminuir seu alcance. Terceiro, por uma questão histórica. Militares, no geral, se ressentem, embora tenha tido em vários momentos papel marcante na política, e mesmo só tendo lutado uma única guerra de verdade, a Guerra do Paraguai, que terminou há quase 150 anos, de sempre estarem subordinados ao poder civil, como de praxe em toda democracia. Tivemos a Questão Militar do tempo do Império, a Proclamação da República que foi uma quartelada, a República da Espada, o salvacionismo do marechal Hermes, o movimento tenentista, o manifesto dos coronéis, e por fim, a Ditadura Militar, que o próprio Bolsonaro defende, o que levou seus seguidores, a uma onda do mais tacanho e asqueroso revisionismo jamais visto, no qual as violências ditatoriais são justificadas para “evitar um mal maior”, e mentiras são contadas sem o menor pudor, como por exemplo: de que não havia violência e criminalidade nas ruas, de que as torturas foram acidentais ou simplesmente não existiram, e que o Brasil saiu da 49ª para a 8ª economia do mundo. Esse ressentimento, e a sempre ausência de prestígio da classe política (engraçado que a polícia também é vista como uma instituição corrupta por boa parte da população), fazem com que os policiais tenham verdadeira tara pelo candidato, e consigam catalisar a simpatia popular. Agora eles estão em cena, agora eles são os “heróis”, aqueles que “enquanto todo mundo dorme no sossego do lar, está arriscando a vida no meio da noite”. Há um sentimento forçado de superioridade, similar ao do outro grupo, que os faz se sentir especiais. “Somos treinados na violência”, disse o general Mourão. O militar, o PM, é o guerreiro, “guardião não reconhecido da nossa segurança e integridade”. Esse é o discurso, e os caras acreditam piamente nisso.
            O terceiro grupo é mais icônico, e de certa forma, o mais exemplar, apesar de não ter a mesma homogeneidade dos outros dois: são os jovens apelidados de “bolsominions”, a verdadeira ponta de lança da campanha. Por serem jovens, esse grupo tende a ser mais radical, e por imaturidade, mais propenso a achar que sabe de tudo. Lê um post da Joice Hasselman ou do Kim Kataguiri, assiste a um vídeo do Nando Moura ou do Olavo de Carvalho, e acha que descobriu a roda. Aí vai, e discute com todo mundo, é louco por um debate, principalmente com professor. Precisa se afirmar de toda maneira. Quando é contrariado, parte para o sarcasmo raso, e acha com isso que é o rei do argumento. “Sei mais que o professor, eu sou foda”. Se tiver um adulto que incentive, e como tem, principalmente professores, aí pronto.
Esse jovem, no geral, tem preconceito com a Universidade (talvez por achar que não tem capacidade de estar lá), sonha entrar para a polícia (embora seja uma profissão perigosa e mal remunerada), e tem propensão a arrotar discurso religioso, embora não seja um frequentador assíduo da igreja, ou alguém que siga o Evangelho na vida cotidiana, ou pelo menos conheça o básico da doutrina. Eventualmente pode ser alguém que tira notas boas, o que só aumenta seu sentimento de superioridade, inclusive para com os colegas, como já vi. Geralmente, no entanto, é um jovem frustrado: tem problemas familiares, é mimado e extremamente dependente do ponto de vista financeiro, não tem namorada, ou quando tem trata mal, tem vergonha dos pais, tem o fetiche de parecer rico, se apresentando sempre bem vestido (com roupas “de marca”) ou com o celular da moda. Esse jovem, atormentado com toda essa frustração, material, sexual, afetiva, tende a ver num homem como Bolsonaro, que fala grosso, que não tem pudores de falar o que pensa (não é à toa que gostam de Trump também), uma extensão da figura paterna, ou do que ele, o jovem, quer ser e não é. Um personagem que compensa algo de uma personalidade reprimida, algo que acontece com os super-heróis, cujos fãs são quase sempre homens (garotos) retraídos, tímidos e/ou inexpressivos.
            “A POSTURA FIRME e o DISCURSO ENGESSADO de alguns líderes cativam de forma magnética essas pessoas que se sentem INCOMPREENDIDAS, INSEGURAS ou até mesmo com um medo real do futuro. E é importante destacar que NÍVEL DE INSTRUÇÃO NÃO TORNA ALGUÉM IMUNE a esses gatilhos”, assim se pronuncia o psicólogo Tiago Cabral. Ou seja, esses jovens, frustrados, incompreendidos, que se sentem injustiçados por “não ter a vida que merecem”, são alvos fáceis do discurso fascista, assim como de qualquer discurso sectário. A maioria dos nazistas era assim (Hitler era um pintor frustrado, e Goebbels queria ser militar, mas tinha uma perna maior que a outra). Assim  também é a Ku Klux Klan, que surge nas pequenas cidades, e não em Nova York, por exemplo. O fascismo é filho do ressentimento (é o próprio Eco quem fala), por isso uma ojeriza inconsciente pelo negro (principalmente o cotista, “que toma o lugar dele na Universidade”), gay (esse ser que, apesar de considerado execrável pela sociedade, vive feliz e realizado com sua sexualidade) ou mulher (principalmente as fortes, que não querem namorar com eles). Qualquer um destes que se destaque, que vire alguém importante, que exerça representatividade, o incomoda. O fascista tem medo disso. Por isso esses jovens, que todo mundo conhece, aderem com tanta paixão a Bolsonaro. É como se dissessem: “Olha eu aqui, sou homem, sou hétero, sou fodão, me valorize.” Não é à toa que muitos deles, e isso chega a ser ridículo se não fosse verdade, trocaram a foto do perfil do Facebook por um vazio com um tarja em baixo: BOLSONARO 2018! Vi um cujo nome na rede social era “Mito Bolsonaro”. Também não é à toa que Wilhelm Reich diz em seu livro Psicologia de Massas do Fascismo: “o fascismo, na sua forma mais pura, é o somatório de todas as reações irracionais do caráter do homem médio”.

Parte 4: O MITOmaníaco: as mentiras que fizeram a cabeça da negada:
            “Uma mentira repetida mil vezes se transforma em verdade”. Assim costumava dizer o homem forte da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. A mentira e a manipulação são, portanto, táticas essenciais do fascismo. Mas antes de começar, alguns parênteses. Primeiro, praticamente todo mundo mente, embora não no mesmo grau. Isso não quer dizer, de maneira nenhuma, que todo mundo seja fascista. Segundo, é inegável que os fascistas também podem falar a verdade em alguns momentos, logicamente. Terceiro, em se tratando de Bolsonaro, ele também foi vítima de mentiras. Não queremos dizer aqui com isso que seus adversários são santos. Houveram mentiras contra ele, algumas até sem a menor lógica. Elas não são desculpáveis. Mas ouso dizer, de forma categórica até, que não existe comparação com o que foi feito por ele, e pelos seus, desde, digamos, 2013, quando ele aparece no cenário mundial como essa figura que encarna o antipetismo em seu formato mais virulento. O que quero mostrar é que coisas propagadas por ele e seus partidários se configuram como verdadeiras invencionices, que todo mundo reproduzia em discussões com a cara mais lavada, como se fosse a verdade mais límpida do mundo. E esse estratagema serviu para descredibilizar quem pensa diferente dele, e para alavancar seu moral perante a opinião pública, que foi a que o elegeu. Coisas que foram repetidas à exaustão, por alguns de forma quase que doentia. Sem elas, é capaz do resultado ter sido bem diferente.
            Comecemos pelo “Decálogo de Lenin”. Atribuído ao líder da Revolução Russa, contém uma série de sugestões para a ação dos comunistas, tipo “acusem os outros do que vocês faz” e “proponha e pratique o sexo livre para minar a família.” Acontece que Lenin, goste-se ou não dele, jamais escreveu o tal decálogo. Segundo o site Boatos.org, especializado em desmentir fake news, o texto foi publicado pela primeira vez em 1946 por um jornal inglês, com o intuito de já gerar elementos para o conflito ideológico da Guerra Fria. Lenin morreu em 1924.
            E o “kit gay”? O TSE chegou a proibir a veiculação disso como notícia falsa, embora muita gente continuasse espalhando durante a campanha. O tal “kit” na verdade, se chamava Escola sem Homofobia, e não buscava incentivar as crianças ao homossexualismo ou à sexualidade precoce. Buscava o combate à discriminação de pessoas por conta de sua sexualidade. Buscava desconstruir preconceitos, combater a violência e educar as pessoas no combate à homofobia. Nem chegou a ser posto em prática pelo governo, por conta da pressão de grupos conservadores. Mentiras similares envolveram o candidato Fernando Haddad: teria escrito um livro em que incentivava o incesto, teria estuprado uma aluna, e teria distribuído mamadeiras com o bico em formato de pênis.
            Outras mentiras famosas, que viralizaram nos últimos anos: o MST é uma milícia do PT pronta pra tomar as ruas, os médicos cubanos são guerrilheiros infiltrados, o Judiciário está aparelhado pela esquerda pra livrar a cara de todos os petistas, o filho do Lula é dono da Friboi, e por último, as urnas eletrônicas são fraudadas. Todas essas mentiras, sórdidas, ainda hoje são acreditadas por quem deseja denegrir a imagem da esquerda, mesmo que já estejam claramente desmentidas. A tática goebbeliana funcionou, e com extremo sucesso.
            Antes de terminar, é interessante notar que as notícias falsas não são novidades na história brasileira. Deodoro só proclamou a República, ele que era um monarquista, porque foi enganado por militares mais próximos; o falso Plano Cohen, que continha uma suposta conspiração mundial judaico-comunista serviu de pretexto do golpe que implantou o Estado Novo; a derrubada de Goulart em 1964 também contou com o boato de que ele queria instaurar o comunismo no Brasil. Coincidentemente, os militares estiveram envolvidos em todas essas conspirações, e elas sempre tiveram por objetivo colocar um governo autoritário e conservador no poder. Coisa de fascista!

Parte 5: “A violência é tão fascinante”: grosseria e intimidação como elementos da política:
            O fascista, per se, não gosta de política. Ele repudia em essência o processo democrático, parlamentar. No máximo, ele o suporta, o tolera. Acha-o corrompido, viciado, e isso é atestado em ditos e feitos de líderes históricos do fascismo, como Hitler, Mussolini, e até do brasileiro Plínio Salgado. Ele, o fascista, portanto, encarna facilmente os anseios populares em períodos de crise das instituições, principalmente no Brasil, onde já se vigora há muito um lugar-comum de que política é coisa de canalhas. Um exemplo emblemático foi uma postagem que vi uma vez do então deputado Major Olímpio, esse ano eleito senador pelo partido de Bolsonaro em São Paulo. Nela, ocorre uma animação em que um cidadão (com certeza “de bem” rsrsrs) explode o Congresso Nacional, onde ironicamente o major trabalha, e continuará trabalhando, o que é uma atitude paradoxal, para dizer o mínimo. Mas tudo isso faz sentido quando se constata o fato de que a violência está no DNA do fascista, mesmo quando ele finge aceitar as regras do jogo. Afinal, “pelo voto você não muda absolutamente nada nesse país”, disse nosso presidente recém-eleito... pelo voto.
            Um tanto por culpa das redes sociais, mas também pela própria ascensão em si do fascismo (e as duas coisas não deixam de ter relação), a violência se tornou uma constante do confronto político desde o aparecimento de Bolsonaro. Nesse tópico, portanto, buscarei mostrar a vocês boa parte das atrocidades ditas e praticadas por bolsonarianos, pelo menos aquelas de que tomei conhecimento, e aqui novamente vou falar de pessoas que talvez vocês conheçam, sem citar o nome, é claro. Vou começar por algo que aconteceu comigo diretamente. Há uns três anos, fui ameaçado de levar uma surra caso fosse encontrado na rua, por um empresário de Limoeiro. Um senhor de idade, pra gente ver como é grave. Passou inclusive a patrulhar minha página, e chegou a entrar num grupo da minha escola, que é no Rio Grande do Norte, pra ficar discutindo comigo e me atacando. Esse mesmo senhor sempre postava barbaridades no Facebook. Algumas tenho printadas até hoje e repasso pra vocês:
            Em agosto de 2015, numa postagem que mostrava um professor de esquerda expondo seu ponto de vista em sala, comentou: “Na escola que meu filho estuda esse monstro não daria uma aula sequer, nem que para isso eu tivesse que manda-lo para o colo do capeta”. Em fevereiro do mesmo ano já tinha colocado, referente também a uma professora: “Se fosse professora de um filho meu, garanto que não teria cirurgião plástico que desse jeito na cara dessa covarde maldita”. Antes, em 2013, postou o seguinte: “Nós odiamos comunistas. Aqui não permaneceram (sic), e os que não fugirem serão eliminados”. Pra terminar, em dezembro de 2015, em meio a uma discussão comigo, ele postou: “Quem te disse que eu quero debater com você? Eu quero é te meter a porrada”. O homem é só paz e amor rsrsrsrs Não argumenta, tudo pra ele é resolver no “tiro, porrada e bomba”. E expõe publicamente na cara dura, sem medir as consequências.
            Outro exemplo gritante de como o ódio se enterrou nas pessoas, principalmente nos jovens, ocorreu com um aluno meu. Quando Bolsonaro deu aquela declaração sobre os índios e quilombolas, que pesavam tantas arrobas e que não serviam nem pra procriar, como se estivesse falando de gado, todo mundo caiu em cima, logicamente. Esse jovem, na atitude fugaz de defender o indefensável, postou um índio malandro cobrando pedágio ilegal, e usou esse exemplo isolado para dizer que seu adorado ídolo tinha razão, e que realmente “esse povo não servia mesmo nem pra procriar”. Quando vi, apesar de saber que o jovem era muito apaixonado, me horrorizei. Como o discurso de ódio pode tão facilmente eliminar o senso crítico de alguém, fazendo-o reproduzir qualquer bobagem pra defender um ídolo? E não ficou só por aí. Assim como esse jovem, existiram outros, alunos e ex-alunos, caras tímidos, aparentemente inteligentes, pretensamente esclarecidos, gente que é “legalzão”, mas que nas redes defendem, sem pudor, coisas como discurso de ódio, preconceito, tortura e regime de exceção. Teve um, que inclusive num poema bem primário insinuou que seu professor de História, no caso eu, era “doutrinador” (rsrsrsrs), postou poucos dias depois do golpe que derrubou Dilma, uma homenagem a Brilhante Ustra, agradecendo-o pelo país não “ser uma Cuba” hoje por conta dele. Será que ele realmente conhece o que foi a tortura no regime militar? Será mesmo que ele acredita que tenha valido a pena ser tão monstruoso? Será mesmo que ele acredita que a Ditadura realmente nos livrou do comunismo? Tem ao menos noção do significado desse conceito? Ou será que ele acha que Ustra não torturava barbaramente pessoas, que é tudo mentira da esquerda? Ou sabe a verdade, e mesmo assim apoia, o que é mais absurdo ainda? Mas é como eu disse quando falei dos jovens. São carentes, frustrados, deficitários, e essa figura forte, “que fala grosso”, os atrai tanto que os faz esquecer, ou simplesmente ignorar, relativizar, os valores éticos mais primários. Se o líder manda matar ou morrer, eles matam ou morrem. Não há espaço pro senso crítico. Assim é o fascismo!
            Querem mais? Sigamos! Um homem comentou na foto de uma amiga grávida, conhecida militante do PSOL, que era contra o aborto, mas que era a favor só no caso dela. Uma outra amiga foi ameaçada de estupro. Um outro, quando questionado por mim sobre as similaridades entre Bolsonaro e Hitler, falou que gostava de Hitler. Quando questionada por mim sobre a defesa da tortura, uma estudante de Direito disse que vagabundo tem que levar é peia. Uma estudante de Direito!! Um grupelho, numa tentativa de invadir uma reunião, em Limoeiro, ficou do lado de fora e intimidou uma moça que estava amanetando. Isso sem falar em todos aqueles que fazem sinal de arma, e que gostam de afirmações tipo “quando o capitão ganhar não vai ter vez pra feministazinha e esquerdista vagabundo” ou “seria bom se a ditadura voltasse, pois na época era tudo uma maravilha”. Violentam tudo, até a História.
            Novamente em Limoeiro, uma moça homossexual foi abordada por policiais, e por ter cabelo curto, foi logo discriminada. Quando disse que era uma mulher e não podia ser revistada por homens, recebeu o seguinte como resposta: “Ué, mas tu num é sapatão, num quer ser tratada como homem? AINDA BEM QUE ESSA ESCULHAMBAÇÃO VAI ACABAR.” Em outras palavras, essa campanha, por conta de tudo que já vimos mostrando, foi a que menos se pautou em propostas, preferindo a disputa rasa, o que, diga-se de passagem, infelizmente, contaminou todo mundo, até quem não queria.
            Essas fortes ameaças ocorreram também com o humorista Marcelo Adnet, que fez vídeos imitando os presidenciáveis, e até Reinaldo Azevedo, crítico ferrenho do PT, que chegou a afirmar: “Escrevi todos os dias contra o PT e nunca fui ameaçado de morte, como agora.” Fora os constantes ataques de cunho racista desferidos nas redes sociais.
            Mas nem tudo foram só ameaças, intimidações e discursos de ódio. Teve violência física também, e essa, graças a Deus, não atingiu nem a mim nem a pessoas que eu conheço. Mas foram inúmeras, e se espalharam Brasil afora. Vou mais uma vez frisar: violência, tanto verbal quanto física, existe desde sempre no mundo inteiro, e nas campanhas políticas um pouco mais. A diferença de agora é que ela contava com o ingrediente do próprio discurso intolerante do candidato. “Sai daqui viado, em 2019 essa putaria vai acabar”... essa e derivadas foram ouvidas muitas vezes.
            O mais emblemático de todos foi o caso da vereadora carioca Marielle Franco. Militante dos direitos humanos, e filiada ao PSOL, a vereadora foi metralhada junto com seu motorista, ao que tudo indica por pessoas ligadas a milícias, aqueles grupos criminosos formados por policiais da ativa. Outro que merece destaque é o da professora Márcia Friggi, agredida por um aluno, e logo depois nas redes sociais por se posicionar contra Jair Bolsonaro. Nem um padre escapou. Júlio Lancellotti, famoso por trabalhar com meninos de rua, criticou o candidato numa homilia, e passou a ser violentamente ameaçado quase que todos os dias, e por profissionais da segurança pública, o que torna tudo mais grave.
            Caso também famoso desses últimos dias foi o do capoeirista Moa do Katendê, morto por 12 facadas por ter declarado voto em Fernando Haddad. Fechando a conta dos últimos anos, os números são os seguintes: 115 mil denúncias de crimes de ódio em 2016. No ano seguinte, caíram para 60 mil, o que deveria ser um alento. Mas segundo Thiago Tavares, presidente da Safernet Brasil, primeira ONG do país a criar um canal anônimo para receber denúncias relacionadas a crimes de ódio on-line, a queda não se deve à diminuição do ódio, mas à sua naturalização. Ou seja, as pessoas já acham algo normal. O Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, Martim de Almeida Sampaio, explica isso pelo fato de existir um candidato “que opta, ao invés do enfrentamento no campo político, das ideias, pela violência discursiva, que se traduz, nas ruas, em violência física.” Isso é claro e notório quando se percebe que nenhum outro candidato, mesmo os mais temperamentais, como Ciro Gomes, possuem um discurso que ao menos se aproxime disso. Devemos ter muita clareza para não confundir explosões de raiva com discursos deliberados de ódio.
            Mas depois de toda essa explanação, é legítimo o questionamento: e a facada no Bolsonaro, vai falar não? Isso com certeza abre uma lacuna na nossa argumentação: como falar de violência, sem falar no único atentado físico sofrido por um candidato na campanha? Ou nas outras violências cometidas por petistas e etcétera? A questão é que não se nega isso. Como eu disse antes, violência em campanha política sempre existiu, infelizmente. A diferença agora é que há um grupo que, claramente, prega isso abertamente, ou trata com indiferença. Por exemplo, Bolsonaro foi esfaqueado por um homem ensandecido, sem ligação nenhuma com a militância eleitoral de outro candidato. Todos os candidatos, TODOS, repudiaram o ato, e se solidarizaram com o homem, atitude bem diferente da tomada por ele quando do assassinato de Marielle ou de Moa do Katendê. No primeiro ele não se posicionou, e no segundo disse, cinicamente, que não controlava seus seguidores. Não teve uma notinha sequer de repúdio, ao menos pra mostrar civilidade. Aliás, no caso Marielle, seus fãs fizeram foi tripudiar a memória da moça, associando-a mentirosamente a traficantes conhecidos. Bolsonaro foi o sujeito que publicamente desejou a morte a Dilma Roussef. Quando seu filho quase desmaiou, e foi socorrido pela deputada Jandira Feghali, do PC do B, ele dispensou grosseiramente a ajuda dela por ser comunista. Ou seja, semeou ódio o tempo inteiro, sofrendo inclusive, e de forma lamentável, sem dúvida, o discurso que tanto pregou. Contra ele a violência, que inegavelmente existiu, foi incidental, embora igualmente repudiável, como colocaram todos os seus adversários. Repito: TODOS! A dele, por todo o seu histórico de falas e atitudes, foi consequência direta de seu comportamento e do seu modo de fazer política, desde o início de sua carreira. Simples assim!!

Parte 6: A tática do silêncio: será mesmo que o monstro dorme se não falarmos nele?
            Quando Bolsonaro ressurgiu em 2013 como figura de destaque na política, quase ninguém o conhecia, como eu expus antes. Seu discurso esbravejante cativou muita gente (os perfis eu já detalhei) e claro, causou logo repúdio imediato em outros. Como eu já o conhecia, não me admirava nada as barbaridades que saíam de sua boca. Ele sempre foi isso mesmo, nenhuma surpresa. Minha surpresa, principalmente após a vitória de Dilma Roussef e suas sucessivas lambanças políticas, ainda mesmo antes de tomar posse pela segunda vez, foi a força que ele começou a ganhar. A cada pessoa que aparecia e demonstrava apreço por essa criatura, eu ficava profundamente triste e desapontado. Eu pemnsava: como ninguém pode perceber, logo de cara, que esse homem é um tresloucado, um incivil, ou como diria meu pai, um “jumento batizado”?
            Quando me dei conta, já havia um nicho forte de apoiadores dele, e começam a surgir os primeiros defensores, ferrenhos e fanáticos. Era, aliás é, quase uma seita. Se você citasse o nome, os caras se doíam, e começavam logo a querer “argumentar”. Minha escola teve, de forma bem tímida e meio clandestina, não por proibição, mas por vergonha, aquelas famosas fotos diante do quadro negro batendo continência. Comecei a perceber que outros colegas se incomodavam, embora achassem aquilo normal e passageiro. Quando a coisa engrossasse, eles também iam começar a partir pro esclarecimento, pensei. Me enganei redondamente. E cometi desatinos em nome desse engano, dos quais me arrependo até hoje. Se soubesse que ia entrar nessa luta sozinho, jamais teria entrado.
            O primeiro desses momentos foi um bate-boca tosco com um aluno em um grupo de whatsapp. Ele falou uma besteira, e eu o corrigi com rispidez, achando, ingenuamente, que os outros professores, bem mais polidos que eu, iriam engrossar o couro e fazer o rapaz deixar de falar besteira. O que aconteceu foi que me vi solitário, protagonizando uma ridícula troca de farpas. E com um aluno, pra piorar. Me arrependo com todas as minhas forças do que fiz nesse dia, não por achar que estava errado. Eu corrigira um aluno por conta de uma afirmação infeliz, descabida, e considerava isso meu dever. Me arrependi por ter sido burro de achar que mais alguém ia cerrar fileiras comigo, assim como por ter dado tanta pinta do meu repúdio por Bolsonaro, algo que foi prontamente aproveitado para provocações. Depois disso, escreveram o nome dele no quadro da sala onde eu ia entrar, desenharam ele numa prova, e fizeram até desenhos pornográficos com alusões a PT, Cuba, e coisas do tipo. Gestos de armas com os dedos, algumas vezes. Um outro aluno chegou a me fazer a saudação nazista, sendo prontamente cortado.
            Entre os meus colegas professores a tática adotada, por amizade aos alunos, por covardia, e pelo menos um, por simpatias ao candidato, foi a do silêncio. Eu fiquei, estupidamente, como o ser político ativo que sempre fui, por criação e formação, como o único que se preocupava. Alguns alunos é que às vezes vinham falar comigo. Alguns falavam abertamente em sala, e outros, que eu nem imaginava, falavam comigo a portas fechadas, e eu percebia que eles queriam dizer algo, mas não tinham coragem de se expor. Alguns colegas me disseram que o melhor a fazer era manter a calma, não se arreliar com o assunto, pois não daria em nada. Bolsonaro jamais seria eleito, diziam. Então, mantenhamos a calma. Essa tática, que eu sempre considerei covarde, naturalmente não funcionou. Bolsonaro foi eleito, e muitos nem sequer tiveram peito para lhe fazer frente. Virei então o radical. Inclusive eu era aquele que os outros esperavam se posicionar só pra entrar na rabeira. Fui um dos poucos que não silenciou, e por fim, o silêncio da maioria não serviu de muita coisa. Nem minha zoada, é bem verdade rsrsrsrs. Mas pelo menos eu me posicionei, e isso deve valer alguma coisa.

Parte 7: Expectativas: nuvens negras no horizonte
            Depois de toda essa explanação, ficamos sabendo o que Bolsonaro é: fascista, autoritário, despreparado, grosseiro e pseudo-moralista. Só por isso, e usando a lógica mais básica, já podemos prever que será um desastre. Se faltar num ponto, será num outro, porque são muitos os defeitos. O homem não tem só ideias ruins, ele não tem preparo. E não fosse só isso, não tem apreço pelas pessoas, não tem a menor vontade de ser, ou parecer, civilizado. A isso, esse respeito, ele chama, pejorativamente, de “politicamente correto”. Vou pegar carona numa análise que vi essa semana, e expor meu ponto de vista sobre os pontos de seu governo que apresentam, pela lógica mostrada até aqui, probabilidade de serem desgraças sem tamanho pro país. A não ser que ele, a essa altura, vire outra pessoa, o que seria um milagre.
            O primeiro ponto é a questão do risco para a democracia, em especial para os direitos civis consignados na carta de 1988. Começo pela tentativa de patrulhar professores, através do famigerado projeto “Escola Sem Partido”. Em nome de uma abstrata neutralidade (algo que simplesmente não existe) pretende-se evitar o que chamam de “doutrinação ideológica”. Na verdade, o Estado deixa aberta a noção de que existem conteúdos escolares “subversivos” que devem ser eliminados. Se eu disser, por exemplo, que a Ditadura no Brasil foi ruim, alguém pode achar que estou fazendo juízo de valor, e basta o pai ter uma opinião positiva sobre o tema, que eu posso ser enquadrado como “doutrinador”. “Ah, mas se você não é doutrinador, não deve se preocupar”, dizem. Na verdade eu ficarei o tempo inteiro com a espada de Dâmocles sobre a cabeça, qualquer coisa que eu fale que envolva comunismo, liberalismo, ditadura, revolução, pode ser tirado do contexto e ser considerado propaganda. Quem consegue trabalhar assim? O presidente inclusive incentivou a filmagem de aulas, o que é uma atitude ilegal. Alguém só pode filmar ou gravar minha aula se eu expressamente o permitir. Na verdade, o que se quer vilanizar os professores, já que a maioria é de esquerda, e não votou nele. Com tanto problema nas escolas, preocupar-se com isso é um absurdo.
            Outra coisa que fere os direitos civis é a ideia de dar carta branca pra polícia matar. Pra quem não entende, já existe o amparo para a polícia em caso de legítima defesa. Mas com a polícia despreparada que temos, licença para matar é um atentado aos mais básicos direitos humanos, e até quem defende pode ser vítima disso. Nossa polícia é capaz de confundir uma família inteira com bandidos, os caras vão a julgamento e são absolvidos, e tem gente que ainda quer dar plenos poderes a esses caras. As pessoas acham que só serão os “vagabundos”, mas se a polícia achar que você é um deles, tchau tchau. Excludente de ilicitude é como se chama, e isso já existe. Policial nenhum cumpre pena no Brasil por matar bandido em legítima defesa. O problema é que, pra ser em defesa, tem de haver um ataque. A polícia não pode simplesmente “achar” que corre perigo, ela tem que correr perigo de verdade. É assim a legítima defesa, quer você goste ou não. “Ah, mas até lá o policial morre”. Morre porque é despreparado. Aí, até ele se preparar, quem morre sou eu. Ou você. Mas ninguém pensa nisso. Essa permissividade toda é uma verdadeira tragédia anunciada.
            Existe também a questão da demarcação das terras indígenas e quilombolas. Ambas são garantidas pela Constituição: a primeira pelo artigo 231, e a segunda pelo  artigo 68 dos ADCT (Atos das Disposições Constitucionais Transitórias). Mexer com elas significa atentar contra o direito de propriedade (tão caro ao discurso bolsonariano) e afronta direitos adquiridos de povos que foram sempre alijados historicamente. Do ponto de vista político é um retrocesso sem tamanho. Países com enorme população indígena, como México, Colômbia e Bolívia reconhecem os direitos desses povos. Até os EUA possuem suas reservas. No caso do Canadá, a terra indígena virou uma unidade federativa, Nunavut. A proposta de Bolsonaro retira os direitos dessas gentes.
            Quanto à democracia, temos as várias declarações do candidato e do seu vice: constituinte de notáveis, autogolpe, Forças Armadas tutelando a democracia (“nós somos treinados na violência”). Será que Bolsonaro abriria mão do que sempre defendeu a vida inteira. Possível, mas difícil de acreditar.
            O segundo ponto são os riscos para a soberania nacional. Apesar de se dizer patriota, o presidente eleito possui uma sede enorme de agradar os EUA. Seu ministro da Economia, o famigerado Paulo Guedes já afirmou que o Mercosul (que se fosse um país seria a quinta maior economia do mundo) não será prioridade, e que o Brasil frisará relações que “não se pautem pela ideologia”. Na verdade, mexer com o Mercosul nos traria alguns problemas. Por exemplo, no bloco, as trocas comerciais entre os membros não sofrem tarifas, apenas as que vêm de fora. O Brasil ganha com isso ao vender automóveis pra Argentina, que teria que pagar taxar pra comprar dos EUA, por exemplo, com o qual o Brasil, sem isso, não tem condições de competir. Pragmatismo? Falta de ideologia? Será?
Nesse tom, o Brasil evitará os vizinhos, a China, e irá se relacionar com Israel, um país que não possui essa importância toda no cenário econômico mundial. Já pensa até em, a exemplo de seu amiguinho Trump, transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, o que pode gerar animosidades com os países árabes. Pragmatismo? Na verdade, subserviência aos ianques, e ideologismo puro. A China vai ser deixada de lado por ser considerada “comunista”, e os chineses já avisaram ao Brasil que o custo será alto.
            Já no plano interno, o desejo de Paulo Guedes é o desmonte do Estado, e isso ele deixou claro em tudo que foi entrevista que pôde dar. Até o valor dos bens imóveis da União ele afirma conhecer. Enquanto Trump, que quase todos os eleitores de Bolsonaro admiram, aumentou o papel do Estado na economia para gerar empregos, que é o que ele está fazendo, aqui a palavra de ordem é deixar o Estado com o mínimo do mínimo. Ele deixou claro que quer acabar com nosso Estado “social-democrata”, e acena o tempo todo com a privatização de quase tudo. “Privatizações, concessões e desmobilizações. Tinha que vender tudo”, “Privatizar só no sapatinho, envergonhadamente, não. Tem que acelerar privatização para jogar na área social”, são algumas das colocações dele. Historicamente, nenhum país consegue sobreviver com tudo assim, privatizado. Nem a Coreia, nem Singapura, nem ninguém. Como sustentar a saúde e a educação sem um Estado atuante? Como fazer o Brasil voltar a se industrializar? No Brasil, o Estado é parte central do desenvolvimento econômico. Todas as vezes que crescemos um pouco, foi com o Estado empurrando a economia. Não temos nenhum capital privado capaz de puxar para si essa responsabilidade. A pauta é entreguista, e totalmente, apesar de gostar tanto de ojerizar a palavra, ideológica. O objetivo é ser um puxadinho dos EUA. Lá se vai tudo o que foi feito até aqui para nos dar um pouquinho de respeito no cenário internacional.
            O terceiro ponto é a política social, aquela voltada para a distribuição de renda. Em outras palavras, a política para os mais pobres. Como eu já disse, Paulo Guedes quer desmontar o Estado “social-democrata”. Pra quem não entende o conceito, a social-democracia é a mãe daquilo que a gente pode chamar de Welfare State, ou Estado de Bem-Estar Social, onde, mesmo dentro de uma estrutura econômica capitalista, o governo interfere para inibir os abusos do mercado (através de impostos, políticas assistencialistas, leis de proteção ao trabalho, etc.), e assim garantir a distribuição de renda, e o aumento da qualidade de vida do povo. O pouco (mas importante) que conquistamos nesse quesito está em vias de se perder de vez, e o povo acha que isso é retórica de derrotado. Teremos mesmo que ver as pessoas se aposentar com 70 anos e o trabalhador tendo que deixar a carteira assinada para entrar de cabeça na insegurança da informalidade para percebermos isso? Revoltante.
            Enfim, eu, como muitos outros, gostaríamos de estar errados, pois como trabalhadores que somos, também seremos vítimas. Mas pra isso acontecer, Bolsonaro teria de ser atingido por um condão e se transformar em outra pessoa. A lógica, pura e simples, está contra nós. Nuvens negras no horizonte. Segura que lá vem a tempestade!!

Epílogo: Não, eu não estou torcendo contra o Brasil, você é que não entende das coisas:
            O argumento preferido dos bolsonarianos, diante da ratada que fizeram e não perceberam, por ódio ao PT, por querer torar cabeça de bandido, por querer ter arma, por querer falar mal de todo mundo sem as amarras do “politicamente correto”, por querer posar de cristão exemplar, por não querer o Estado dizendo quanto ele deve pagar pros seus empregados folgados, é de que tudo isso que a gente constatou, e vem falando há mais de quatro anos (não é de hoje), é porque estamos torcendo contra o Brasil. Já estou farto desse sofisma caricato. Não quero o mal pro Brasil. Sou um trabalhador brasileiro, não tenho como fugir dessa desgraça. Quero mais é que dê certo. Mas, vou repetir pela enésima vez: o nosso presidente eleito teria de abdicar de tudo o que defendeu até aqui e se tornar outra pessoa. Pode acontecer? Claro. Mas pela lógica, a probabilidade é quase nula. E eu, como professor, historiador, leitor, cidadão ativo e politizado, que sabe do que está falando, me baseio na lógica, na História. Tanto que errei pouco nesses tempos. Falei desde o início que Cunha e Aécio eram pilantras, que Marina era volúvel, e que o golpe iria afundar o Brasil ainda mais. E todos teimaram comigo. Queria eu poder dizer: rapaz, eu estava mesmo errado. Os direitos estão sendo respeitados, a criminalidade está sob controle, o Brasil está crescendo, o número de pobres está diminuindo, e nossa vida como um todo está melhorando. Queria mesmo! Até rezo por isso quando posso. Torço sim, coisa que o candidato de vocês nunca fez na oposição. Então parem de jogar essa pecha nos outros, dizendo que querem o pior pro país. Quem votou num louco por raivinha de um partido foram vocês!

terça-feira, 4 de abril de 2017

"BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO" À LUZ DO EVANGELHO

“Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito: ‘Minha é a vingança; eu retribuirei’, diz o Senhor. Ao contrário: ‘Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele’. Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem.” (Rm 12, 19-21)

                Estava assistindo à missa de Quarta-Feira de Cinzas, e o jovem padre escolhe como tema da homilia a misericórdia, e como exercê-la no período da Quaresma que se iniciava. A reflexão seguia normalmente, quando a certa altura ele diz mais ou menos o seguinte: “A pessoa que afirma BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO não está consciente do plano de Deus.” Nesse momento tive a impressão de ter visto um rapaz à minha frente balançar a cabeça desaprovando o que fora dito. Impressão ou não, aquilo me despertou para algo bem real: a quantidade considerável de pessoas que frequentam Igrejas, cantam hinos e são sempre cheios de palavras bíblicas de amor e misericórdia, e que defendem esse tipo de ideia, qual seja, a de que a solução para a violência generalizada seja um Estado violento e policialesco, que contra “vagabundos” (uma palavra cujo significado sempre depende de uma série de circunstâncias) atire primeiro e pergunte depois.
                Devo dizer que não sou um pacifista, embora admire em alto grau quem o seja. Não há nada mais nobre pra se defender que a paz. Acho a violência um mal necessário, como já coloquei naquele que foi o primeiro artigo de meu blog (http://blog1do1jorge1.blogspot.com.br/2011/12/guerrilha-violencia-como-um-mal.html), desde que orientada contra algo injusto, e que tenha um fim necessariamente bom. Isso é cristão inclusive: alguns santos católicos, como Joana D’Arc, eram guerreiros. Mas é importante reiterar: mesmo necessária, a violência é um mal. Para um bom cristão, ela deve ser evitada ao máximo. “A justiça se defende com a razão, e não com as armas. Não se perde nada com a paz, e pode-se perder tudo com a guerra.” Não são palavras minhas, mas do Papa João XXIII.
                Dito isso, é de causar espanto ver tanto cristão, não aqueles de boca, mas aqueles que o senso comum chamaria de “praticante”, seduzir-se tanto por ideias, e pessoas, violentas. A ideia de BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO não é evangélica. Isso é tão evidente, que nos aumenta o espanto. Ou Jesus não foi morto como bandido? O que dizer de São Dimas, São Paulo e São Longino (chamado comumente de Lunguinho, o dos “três pulinhos”)? O primeiro era um ladrão, e foi crucificado com Cristo; o segundo, um assassino e perseguidor de cristãos (colaborou na morte de Santo Estêvão); o terceiro, um dos carrascos de Jesus, mais especificamente o que lhe enfiou a lança quando já morto (Longino quer dizer “lança”). Onde ficaria a lógica de um cristão espantoso desses diante de exemplos de homens que “fizeram o diabo”, e se converteram? E que não só se salvaram, mas viraram santos? Exemplos como esses, que deveriam ser conhecidos por cristãos “praticantes” deveriam, no mínimo, acender o alerta: epa, vamos com calma!
                É costume do pessoal do BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO dizer que quem não pensa como eles defende bandidos. Esse é um argumento falso e asqueroso. Quando vem de um cristão “praticante”, mais ainda. Nunca vi ninguém dizer que bandido não deve ser punido. O que se defende, quando se pensa com o cérebro e não com o fígado, é que a punição deve vir como manda a lei, e respeitando coisas sagradas, como devido processo e direito de defesa. Todas as vezes que essas coisas não são respeitadas, todo mundo perde. Na Bíblia, até Sodoma e Gomorra mereceram a defesa de Abraão, como se dissesse: “Vamos com calma, e se tiver lá dez justos?” Um cristão que se preze reza, canta, participa de grupos, se exibe com camisetas e postagens, se revolta com a injustiça, mas sobretudo defende o que é justo com serenidade e razoabilidade. Não com ódio espumando pela boca. “Felizes os que promovem a paz, pois serão chamados Filhos de Deus”. (Mt 5, 9) Quem disse foi Nosso Senhor, não eu. Tá na Bíblia, não é invenção minha. Infelizmente, cristãos que deviam saber e propagar isso, não o fazem. Afinal foi uma jornalista dita “defensora dos valores cristãos” quem disse: “Adote um bandido”. Mal sabe a pobre de espírito que há quem adote mesmo. Que existem pastorais e grupos religiosos que cuidam do bem estar de presos, no espírito do Evangelho. E como ela, existem piores. O político xodó dos “defensores da família cristã”, o famigerado Bolsonaro (que Deus lhe dê a graça da conversão verdadeira), defende tortura, ditaduras militares, justiçamento e armamentismo. “Devolve a espada ao seu lugar, pois todos os que tomarem a espada perecerão pela espada.” (Mt 26, 52) De novo foi Jesus quem disse. Chegou a hora dos cristãos decidirem: seguir o Evangelho, ou os profetas do ódio. Não se pode seguir a ambos.

                Sugiro, portanto, aos ditos cristãos que propagam esse tipo de pensamento que revejam seus conceitos, ou que pelo menos parem de usar a religião cristã como justificativa para isso. Se dizer cristão, citar a Bíblia, é bonitinho. Mas o ataque ao que é injusto deve ser feito com calma. Cuidado com os falsos profetas! Com esse discurso, eles não vêm de Deus, pelo menos não dAquele dos Evangelhos. 

quinta-feira, 23 de março de 2017

A GREVE E OS "VAGABUNDOS"

As cabeças levantadas
Máquinas paradas
Dia de pescar
Pois quem toca o trem pra frente
Também de repente
Pode o trem parar
(Chico Buarque)

                É início de primavera em Chicago, mais precisamente 1º de maio. As flores brotam por conta das chuvas de abril (“April showers bring May flowers”). O ano é o longínquo 1886. Milhares de “vagabundos” saem às ruas por não aceitarem mais o regime de trabalho de 13 horas. Queriam reduzir para oito. Bando de preguiçosos! Suas indolentes reivindicações ainda incluíam absurdos como receber salários nas férias e dias de descanso, e a continuar recebendo mesmo depois de trabalhar, até a morte. Bando de vagabundos! A polícia, como não podia ser diferente, para defender a lei e a ordem que fazem o orgulho da democracia americana, terra de oportunidades e empreendedorismo, parte pra cima e mata dezenas de “vagabundos”. Tivessem trabalhando, isso não aconteceria. Mas o efeito não foi o esperado. No dia 5, outra baderna. Mas não adiantou. Os líderes foram presos e condenados à morte. Viva o progresso, e a ordem! Mas não foi só isso. Em 1889 um Congresso de comunistas e anarquistas (mais “vagabundos”), com certeza citado nos famigerados “livros do MEC”, estabeleceu a data mundial da vagabundagem, 1º de maio: dia do trabalho em que ninguém trabalha. Ainda mais no Brasil, cheio de “vagabundos remunerados”, no dizer de um deputado gaúcho, com certeza alguém que nem dormir dorme.
                De lá pra cá, muita coisa mudou. Ninguém mais é condenado à morte, e todas as legislações do mundo civilizado garantem o direito à greve, direito basilar de reivindicação pacífica e democrática. Como “vagabundo” que sou, já participei de algumas, inclusive como estudante. Mas algumas cabeças continuam enterradas, na verdade chumbadas no solo, daquele distante século XIX. O mundo caminha pra frente, mas essa gente insiste em puxar de volta. Com a justificativa de que a expectativa de vida aumentou (plausível até certo ponto), o governo quer obrigar o cidadão a receber aposentadoria integral apenas após 49 anos de serviço. Uma vida adulta inteira, praticamente. Alguém como eu, que começou a trabalhar aos 29, teria de esperar até os 78. Um “vagabundo”, ainda que “remunerado”, não aguenta tanto. Só nos resta isso: aproveitar que fazer greve hoje é legal e descontar na sociedade. Afinal, é isso mesmo que irão dizer os jornais. Do alto da consciência sacrifical do seu trabalho árduo e voluntário em prol do país, eles podem apontar o dedo na cara de nós, “vagabundos”. Eu sei que é absurdo querermos envelhecer em paz, e com remuneração, querermos melhorias nas condições de trabalho e salariais, querermos respeito pelo que fazemos, mas fazer o quê? Isso não justifica. Vejam os deputados, que mesmo não tendo o suficiente, trabalham diuturnamente pelo bem do país. Perguntam antes o que podem fazer, não o que podem receber. Ser grevista deveria nos envergonhar, mas “vagabundo” não tem consciência.

                Tanto assim, que ainda queremos tolher o direito heroico de alguns de furarem greve, direito sagrado de “ir e vir”, garantido pelo artigo 5º, inciso XV da Constituição de 88, a mesma que, ironicamente, garante o direito de greve como um direito coletivo (artigo 9º). Mas esses são, com certeza, subterfúgios para amparar a “vagabundagem”, que por isso mesmo, domina o país. O cara não é obrigado a participar de reuniões de sindicato, embora se beneficie dos ganhos que uma greve possa ter. Mas com certeza, teve essa graça por seu trabalho, não pela baderna de “vagabundos”. Ele pode até dizer que é proibido de participar das deliberações sindicais, o que, conhecendo como se conhece a “vagabundagem”, tem tudo pra ser verdade. Portanto, vale aqui isso como uma lição, principalmente pros mais jovens, os que foram atingidos em cheio pela “iluminação” que só um Bolsonaro ou um Luiz Carlos Prates, ou um Olavo (“cu da sua mãe”) podem oferecer, em meio ao esquerdismo “vagabundo” reinante: esculhambemos os “vagabundos” que fazem greve, pois são eles que atrasam o Brasil. Não sejam como eles. Trabalhem pensando somente no bem do país, não reclamem do que ganham, não prejudiquem os outros, e por fim, saibam que terão a honra de um dia entrar no mercado de trabalho, de onde nenhum “vagabundo” os tirará, a não ser morto. Viva o trabalho! Morte aos “vagabundos”! E sem feriado desta vez, odiamos feriado e dia santo. É coisa de... “vagabundo”!  

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

O SILÊNCIO DOS "TRANQUILOS"


Não sei se é de Edmund Burke, ou de Albert Einstein aquela frase de que para o mal vencer, basta que os bons se calem. Essa frase é análoga àquela outra, cujo autor também desconheço, que diz: "O que incomoda não é o barulho dos lobos, mas o silêncio dos cordeiros". Pois bem, mas ainda pode ser pior.
Todos sabem que sou zuadento, que gosto de me expressar. De vez em quando alguém me diz que posto coisas demais, que falo demais, que me incomodo demais. Conheci recentemente uma outra frase, de ninguém menos que o padre Vieira, dizendo mais ou menos, que o ato de responder, portanto de falar, é uma necessidade. Para ele isso é tão certo, que Deus teria dado ao incapaz de responder (o mudo), também a incapacidade de receber perguntas (surdez). Admiro quem não sente necessidade de falar. Admiro mesmo, gente caladona, que responde às estupidezes do mundo com "risos de filósofo". Admiro e invejo. Não sou assim, e por mais que eu tente, creio que nunca serei.
Pois bem, parece que vivemos num mundo tão pequeno, que os bons não só se calam, como desfazem dos que falam. Quem fala passa por fanático, por sem noção, recebe aconselhamento pra não falar mais, pra não se incomodar e não dar importância. Com certeza, seria mais confortável mesmo, não nego. O silêncio é cômodo. Como dizia Aristóteles: "Não quer ser criticado, não faça nada".
E eis que chegamos a um dilema sério, que todo ser humano deveria fazer: Devemos fazer o certo, ou fazer o que é cômodo? Eu tenho "defeitos" na minha formação e personalidade, tipo não saber me omitir diante do errado. Não consigo deixar o errado sem resposta, sem contraponto. Tenho medo que o erro se torne tão natural quanto a respiração, uma tese sem antítese. E por que eu tenho medo disso? Por que me incomodar? Não sei, me incomoda. Outro "defeito" que Deus me deu. Deve ser por isso que arranjei tantas desavenças na vida. Valeu a pena? Não sei. Respondo com outra pergunta: Vale a pena se calar pra ser legal com todo mundo? O que será que vale a pena mesmo? Difícil. A saída é buscar um princípio. A tranquilidade vale mais que a verdade, a justiça, a consciência de fazer o certo? Isso não traz mais intranquilidade? Vale a pena calar diante do erro? Quais são seus princípios? Estar tranquilo, e pecar por omissão? Ou falar, e viver de conflito?
PS: muita gente já morreu por falar, mas muitos mais por ficar calado.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

A PARTIDARIZAÇÃO DA CORRUPÇÃO E A LUTA QUE NÃO SE TRAVA

                “Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba”; desse modo a poetisa Elisa Lucinda expõe o que seria um pensamento aparentemente enraizado na mentalidade tupiniquim: a de que a corrupção e a malandragem são condicionantes naturais do comportamento do brasileiro. Não que ela concorde com a tese. No poema em questão, intitulado Só de Sacanagem, ela lança um contraponto esperançoso, e com um excelente tom sarcástico, a essa ideia tosca. “Sei que não dá pra mudar o começo, mas se a gente quiser, vai dar pra mudar o final”! A corrupção é inegavelmente uma chaga, mas essa realidade não é natural nem condicionante. Ela exige de nós um comportamento compromissado com a transformação, amparado nos exemplos e nos conselhos dos “justos que nos precederam/Devolva o lápis do coleguinha, esse apontador não é seu minha filha”. Enfim, “não é justo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.”
                Dito isso a título de introdução poética, repito que a corrupção é uma chaga nacional. A maior talvez. Ponto! Essa é a premissa primeira. No entanto, a análise desse tema nos defronta com duas condições, isso se quisermos ser honestos, e não simplesmente repetidores pedantes de discursos fáceis. A primeira delas já foi preliminarizada: apesar de ser uma chaga grande do país, a corrupção não nos é inerente, natural. Ou seja, nem todo brasileiro, ouso dizer (contra a tosca corrente) nem a maioria, é safado. Aceitar isso, além da clara confissão de culpa implícita, é de uma viralatice sem tamanho. Quando se parte para o campo da política, que é onde o tema se torna excelência, as boas intenções misturadas com o baixo nível analítico, provoca imensos desserviços. É fácil dizer que todo político é ladrão, embora se vote sempre num deles em todas as eleições, o que é estranho ao paroxismo. Aliás, conheço muito pouca gente que não vota em ninguém. Mas a quem serve isso? Ora, serve exatamente ao político safado, que usa esse subterfúgio para justificar seus atos. “Eu fiz, mas todo mundo faz”! Com muita razão dizia meu pai, na sua prosaica sabedoria: “Quem diz que nenhum político presta, sempre vota nos piores.” Uma análise superficial mostra a considerável carga de verdade que isso contém. Eu, por exemplo, já vi de tudo nesse aspecto. Já vi gente condenada pela Justiça por mau uso do dinheiro público; familiares de gente envolvida em gestões notoriamente corruptas; gente que subiu em palanque e pôs adesivo no carro em troca de cachê, todos pregando moralidade, e envolvendo tudo que é agente público na mesma latrina. Os errados são os outros afinal! E o pior, é que o discurso é tão comum, que chega a nos envolver a todos, “todos fazem”, “todos são assim”, “o brasileiro é assim mesmo”, “a política é suja mesmo”, etc. etc.. Ser malandro então se torna, quando não algo que “faço pois todos fazem”, algo com respingos de resistência, como quem defende sonegadores como vítimas dos altos impostos (juro que já ouvi coisa desse tipo). Enfim, a premissa de que todo político é safado é: 1) Tão rasa quanto outras do mesmo naipe, como “todo pastor é ladrão”, “todo padre é pedófilo”, “todo alemão é nazista”, “todo judeu é mesquinho e ganancioso”, ou seja, julga-se o todo pelo comportamento de alguns, e não se aprofunda no assunto, preferindo o preconceito à análise honesta; 2) Um desserviço, pois ao nivelar por baixo, acaba por justificar exatamente o político desonesto, que “rouba porque todo mundo rouba”. O mal da corrupção, que todos dizem combater, apenas se fortalece com esse tipo de bravatas.

                O segundo problema, que é o ponto importante desse texto, é a partidarização da corrupção, que se configura na indignação seletiva com a safadeza de alguns, e em contrapartida um silêncio cínico com a safadeza de outros. Muitas vezes, pior que isso! O que ocorre é que, quando nos centramos num grupo específico pra falar de corrupção (muitas vezes a própria pessoa é corrupta, fortemente hipotética ou mesmo comprovadamente), não estamos lutando contra a corrupção coisa nenhuma. Usamos o mote “corrupção” para atender a nossos interesses eleitoreiros ou ideológicos, e assim estamos sendo corruptos também, pois que nosso discurso está corrompido. E como existem pessoas assim! Quando é pra atacar, levantam a bandeira da moralidade, explanando todos os males que a corrupção causa ao país; quando a coisa é com seu grupo, ou consigo mesmo, é intriga, é recalque, precisa provar, etc. etc.. Pois é gente, muitas vezes quem fala da safadeza alheia, tem o telhado mais frágil que algodão doce! A corrupção, pra ser bem repetitivo, um mal, talvez o maior, do país, é assunto sério demais pra ser abordado com desfaçatez. A desfaçatez dos hipócritas, dos pedantes, dos generalistas, daqueles que são exigentes com os outros, mas extremamente indulgentes consigo mesmo. Precisamos enfrentar esse mau, e com seletividade e demagogia não se faz isso! É preciso superar esses discursos, e principalmente, avaliar nossa própria conduta, pra que sejamos um espelho de nossas palavras. Só assim essa luta se vence! Não adiantam frases feitas, ou revoltinhas pseudo-moralistas. Não é possível mais viver num lugar em que todos dizem ser contra a corrupção, mas dizem que todos os homens públicos são desonestos, sendo que são eles que os elegem. Não se pode também aceitar que só seja errada a safadeza de um grupo, e a de outro esquecida, relativizada, ou muitas vezes justificada ou defendida com unhas e dentes. Há algo errado aí! Desse jeito, campanhas eleitorais terão um mote permanente, mesas de bar continuarão cheias de gente que querem “mudar o mundo”, e as redes sociais ficarão apinhadas de discursos de moralização seletiva. Mas a corrupção, o problema de verdade, vai continuar!

quarta-feira, 5 de março de 2014

MENTECAPTOS DO CONTRA

Um dos tipos mais mentecaptos que existe é o "rebelde sem causa". Aquele sujeito que é contra tudo. Não que não se deva ser contra as coisas! Há muita coisa contra as quais chega a ser um dever lutarmos. Mas toda luta, pressupõe antes de um "contra", um "a favor". É exatamente aí que mora o problema do tipo que falo. O RSC é simplesmente contra (contra Deus, contra o governo, contra o mundo), totalmente desprovido de critérios positivos. Ele não apresenta alternativas. Ele nem sequer cogita a existência delas. Até porque, se a bendita alternativa vingar, ele vai ser contra ela também. Ser "do contra" é sua razão de viver!

Digo isso porque muitos desses pobres mentecaptos (de quem devemos ter pena, antes de tudo), na ânsia por meterem o pau no PT e no governo Dilma, estão abraçando tudo que tragam esse discurso, sem ler atenciosamente as entrelinhas (não ler é típico desses coitados), e entrando em enormes roubadas.

Há uma marcha programada para o dia 22 de março, que se diz um repeteco cinquentenário da famigerada Marcha da Família com Deus pela Liberdade (por sinal, nada divina e nada libertária). Eis que basta esse evento se colocar, em letras garrafais, como "O POVO CONTRA DILMA", para literalmente excitar os ânimos dessa gente. "Se é do contra, tô dentro!" Esqueceram de prestar atenção (devem ser contra prestar atenção também) que uma das propostas do movimento, como há cinquenta anos, é "intervenção militar". Como esse povo é tão "do contra", que devem inclusive ser contra estudar e se informar, não atinam a perceber que a expressão é um eufemismo boçal para golpe militar, ou seja, a derrubada de uma ordem estabelecida legalmente pela soberania popular (pra quem não sabe popular vem do latim "populus" - povo, que no grego se diz "demos", daí vindo o nome democracia - "poder do povo").

Faço portanto um alerta ao RSC. Como sei que ele vai ser contra um governo ilegítimo, instalado pela força das armas, seria melhor ele pensar nisso antes e ter mais atenção e critério para estabelecer uma hierarquia de coisas que devemos lutar contra. Não se pode ser contra tudo ao mesmo tempo! Não se pode ser contra a mentira e a verdade! Devemos ser a favor de algo. E algo que possamos segurar por muito tempo. Pode-se ser contra Dilma, aliás deve-se, se se achar oportuno! Mas ser contra a democracia, aí o preço é muito alto!

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

OU NOS PREPARAMOS, OU SEREMOS ENGOLIDOS PELA IMBECILIDADE E PELA MÁ FÉ

Pessoal, veja só como funciona a cabeça do Reinaldo Azevedo. As pessoas pensam que eu critico ele por ele ser de direita simplesmente. Mentira! Tem cara que é de direita e é gente boa, é "hômi". O problema é que ele usa sempre de artifícios retóricos, sofistas, pra defender seu ponto de vista. É um atentado à inteligência, até a de uma mula. É desonestidade e vigarice intelectual pura. Veja o que ele colocou em seu último artigo, e depois eu comento:

"É certo que a Constituição assegura o direito à manifestação e à livre associação. Não menos certo é que a mesma Carta garante a liberdade de expressão. São fundamentos da democracia gravados em nossa Lei Maior, e, pois, não cabem especulações sobre a sua pertinência. O direito que está impresso em letra fria é o conceito, é o valor abstrato que nos orienta. A sua efetividade só é provada a quente, na vida. Assim, cumpre indagar: o direito à livre manifestação e associação é de tal sorte absoluto que deve ser garantido mesmo quando uma minoria se impõe a ponto de impedir que a maioria igualmente se manifeste? É plausível que, em nome dessa liberdade, um grupo de 100, 200, 500 ou mil pessoas impeça o direito de ir e vir de milhares, pondo, adicionalmente, a sua segurança em risco?"http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/os-rolezinhos-e-a-justica-ou-para-que-existem-os-juizes-ou-se-o-direito-de-se-manifestar-e-absoluto-entao-o-manifestante-e-o-novo-tirano-ou-ainda-dois-juizes-do-rio/

Parece bonito né? Claro, conciso, verdadeiro! Mas como se diz hoje em dia, "só que não"! A clareza e concisão do texto esbarra e cai diante dos fatos e da própria lógica do autor. Como assim? É mentiroso e desonesto, tendencia qualquer incauto ao erro, o que é asqueroso, pois feito com má-fé por alguém que não é nenhum pouco inocente. Ele induz a pensar que qualquer aglomeração de pessoas é um atentado à segurança dos outros, como se o ato de aglomerar não fosse um ato legítimo e democrático. É a lógica torta da mente reinaldiana. Ou melhor, é um sofisma rasteiro de alguém que prostitui os fatos, usa uma lógica quando quer defender, e trai a mesma quando quer atacar. É uma "verdade" pragmática, conveniente. E uma verdade relativa, dessa forma, sempre é uma mentira absoluta.

Mas como diz Abraham Lincoln, não se pode enganar todo mundo o tempo todo. No caso de Reinaldo, cai perfeitamente. O único problema é que como ele é um cara que escreve a rodo, cerca de uns dez textos por dia, e como geralmente as pessoas não se prestam a ler sobre o que discordam, muito do que ele escreve cai no esquecimento, ou simplesmente é aplaudido irracionalmente. Graças a Deus, nenhuma dessas duas coisas são problemas para mim. Minha memória permite me lembrar de coisas para muitos esquecidas, e meu estômago permite ler determinados lixos sem embrulhar! Pois bem, ao ver esse tipo de colocação de Tio Rei, como posso esquecer de sua "democracia sem povo"; ou do seu "golpe democrático" em Honduras; ou do seu "cadê o homem branco Democrata" na última eleição estadunidense! São "flashes" de uma mente que odeia a democracia, o contraditório, o debate (publique algum comentário de que ele discorde no seu blog, e verá do que eu estou falando). Sempre usará o reducionismo, a criminalização, para fazer valer na marra seu ponto de vista!

O mais engraçado de tudo é que, como eu já disse, ele trai sua própria lógica, se é que ela existe. Não sei que outro nome dar. Mas, como assim? A lógica dele nesse momento é a seguinte: manifestar-se é um direito, mas não é um direito absoluto, pois o direito de uma minoria não pode alijar, ou se sobrepor ao de uma maioria. Ou seja, o direito dos "rolezeiros" não é maior que o dos "homens comuns, de bem". Até aí, com um certo esforço podemos concordar com ele. Mas substitua "manifestação", por "liberdade de imprensa" ou "liberdade de mercado", diga que também nesses dois casos o direito não é absoluto, que uma minoria não pode sobrepujar uma maioria! Diga, e verá o que acontece! A lógica num instante se inverte, tal qual uma roupa virada do avesso, mas ainda servindo pra vestir. Reinaldo vai esquecer, e seus leitores idem, de todo o bonito discurso de "minoria x maioria", de que "se o direito de se manisfestar é absoluto, o manifestante é o novo tirano", e por aí vai. Aqui a lógica não se aplica! E viva a falta de leitores inteligentes e perspicazes e sobretudo de boa memória. A única coisa absoluta é a palavra do Reinaldo, acima do bem e do mal dos conceitos políticos. Uma verdadeira escatologia, um verdadeiro "fin de histoire" epistemológico. Chegamos ao lugar comum de tudo: Reinaldo Azevedo e sua mente troncha dão a última palavra, e quem discordar é censurado, chamado de petralha, e jogado na geena, onde arderá para sempre. Algo mais desprezível intelectualmente não pode haver.

Por fim, colocações como essas, mentindo do jeito que ele faz, são atitudes que podem minar lentamente a democracia. Se um exército de incautos seguem cega e acriticamente alguém que já defendeu um golpe de Estado, e que mente assim, a coisa não está nada boa. Daqui a pouco acontece um novo golpe militar, e um sujeito desses vai dizer que é algo legítimo, sustentado no aplauso de seus sequazes, e no "silêncio dos cordeiros". Um homem que se aproveita de fatos esporádicos, isolados, descontextualizados, para criminalizar atitudes legítimas e democráticas, não vale nada! Sua palavra é um desserviço, e precisa ser contrapontualizada. Não pela força, mas pelo uso da voz. Não há melhor arma contra a mentira que a inteligência, que a razão. E como disse Raul Seixas: "A voz é mais forte que a bomba!" Usemos portanto nossa voz, e cada vez mais, para eliminar esse tipo de pensamento, que seduz hoje em dia a muitos brasileiros, e fazer valer os verdadeiros valores democráticos!

sexta-feira, 21 de junho de 2013

ENTRE DEMOCRACIA E FASCISMO

Por Paulo Moreira Leite


O movimento de caráter semi-insurrecional que vemos no país de hoje exige uma reflexão cuidadosa.

Começou como uma luta justíssima pela redução de tarifas de ônibus.
Auxiliada pela postura irredutível das autoridades e pela brutalidade policial, esta mobilização transformou-se numa luta nacional pela democracia.
 
Se a redução da tarifa foi vitoriosa, a defesa dos direitos democráticos também deu resultado na medida em que o Estado deixou de empregar a violência como método preferencial para impor suas políticas.
 
Mas hoje a mobilização assumiu outra fisionomia.
 
Seu traços anti-democráticos acentuados. Até o MPL, entidade que havia organizado o movimento em sua primeira fase, decidiu retirar-se das mobilizações.
 
Os manifestantes combatem os partidos políticos, que são a forma mais democrática de participação no Estado.
 
Seu argumento é típico do fascismo: “povo unido não precisa de partido.”
 
Claro que precisa. Não há saída na sociedade moderna. Às vezes, uma pessoa escolhe entrar num partido. Outras vezes, é massa de manobra e nem sabe.  
 
A criação de partidos políticos é a forma democrática de uma sociedade debater e negociar interesses diferentes, que não nascem na política, como se tenta acreditar, mas da própria vida social, das classes sociais.
 
Em São Paulo, em Brasília, os protestos exibiram faixa com caráter golpista. 
 
“Chega de políticos incompetentes!!! Intervenção Militar Já!!!”
 
No mesmo movimento, militantes de esquerda, com bandeiras de esquerda, foram forçados a deixar uma passeata na porrada. Uma bandeira do movimento negro foi rasgada.
 
A baderna cumpre um papel essencial na conjuntura atual. Reforça a sensação de desordem, cria o ambiente favorável a medidas de força – tão convenientes  para quem tem precisa desgastar de qualquer maneira um bloco político que ocupa o Planalto após três eleições consecutivas.  
 
A baderna é uma provocação que procura emparedar o governo Dilma criando uma situação sem saída.
 
Se reprime, é autoritária. Se cruza os braços, é omissa.
 
Outro efeito é embaralhar a situação política do país, confundir quem fala pela maioria e quem apenas pretende representá-la.
 
É bom recordar que a maioria escolhe seu governo pelo voto, o critério mais democrático que existe.
 
Nenhum brasileiro chegou perto do paraíso e todos nós temos reivindicações legítimas que precisam de uma resposta.
 
Também sabemos das mazelas de um sistema político criado para defender a ordem vigente – e que, com muita dificuldade, através de brechas sempre estreitas, criou benefícios para a maioria.
 
Olhando para a maioria dos brasileiros, aqueles que foram excluídos da história ao longo de séculos, cabe perguntar, porém: os políticos atuais são incompetentes para quem, mascarados?
 
Para a empregada doméstica, que emancipou-se das últimas heranças da escravidão?
 
Para 40 milhões que recebem o bolsa-família?
 
Para os milhões de jovens pobres que nunca puderam entrar numa faculdade? Para os negros? Quem vive do mínimo?
 
Ou para quem vai ao mercado de trabalho e encontra um índice de desemprego invejado no resto do mundo?
 
Mascarados que arrebentam vidraças, incendeiam ônibus e invadem edifícios trabalham contra a ordem democrática, onde os partidos são legítimos, as pessoas têm direitos iguais  – e  o poder, que emana do povo, não se resolve na arruaça, pelo sangue, mas pelo voto.
 
É óbvio que a baderna, em sua fase atual, não quer objetivos claros nem reivindicações específicas. Não quer negociações, não quer o funcionamento da democracia. Quer travá-la.  
 
Enquanto não avançar pela violência direta, fará o possível para criar pedidos difusos, que não sejam possíveis de avaliar nem responder.
 
O objetivo é manter a raiva, a febre, a multidão eletrizada.
 
É delírio enxergar o que está acontecendo no país como um conflito entre direita e esquerda. É uma luta muito maior, como aprenderam todas as pessoas que vivenciaram e estudaram as trevas de uma ditadura.
 
A questão colocada é a defesa da democracia, este regime insubstituível para a criação do bem-estar social e do progresso econômico.
 
O conflito é este: democracia ou fascismo. Não há alternativa no horizonte.
 
Quem não perceber isso está condenado a travar a luta errada, com métodos errados e chegar a um desfecho errado.