quinta-feira, 29 de março de 2012

CASO POLICARPO-CACHOEIRA: SERÁ PIOR QUE MURDOCH?


do sítio Brasil 247:

Caso Policarpo-Cachoeira: será pior que Murdoch?Foto: Montagem/247

SILÊNCIO DE VEJA, QUE AINDA NÃO SE MANIFESTOU SOBRE AS DUZENTAS LIGAÇÕES GRAMPEADAS PELA POLÍCIA FEDERAL ENTRE O EDITOR-CHEFE POLICARPO JR. E O CONTRAVENTOR CARLINHOS CACHOEIRA, QUE ESTÁ PRESO, DESPERTA DÚVIDAS; O BRASIL ASSISTE A UM ESCÂNDALO DE TIPO SEMELHANTE AO QUE LEVOU AO FECHAMENTO DO THE NEWS OF THE WORLD, DE RUPERT MURDOCH? SERÁ POSSÍVEL ENCOBRI-LO?

247 – Relações incestuosas e, portanto, desvirtuadas entre jornalistas e fontes já causaram prisões e fecharam uma publicação secular. Na Inglaterra, ano passado. Diretora executiva da News Corp., o conglomerado de mídia do magnata Ruppert Murdoch, a jornalista Rebekah Brooks chegou a ser presa pela polícia inglesa, interrogada por 12 horas e libertada sob fiança somente após contar o que sabia a respeito do trabalho de apuração que incluía escutas ilegais sobre personalidades do país e aquisição de informações com policiais mediante pagamentos em dinheiro.
O jornal The News of the World, que veiculava o material obtido na maior parte das vezes por aqueles métodos, teve de ser fechado por Murdoch, depois de mais de cem anos de publicação, por força dos protestos dos leitores e do público em geral. Eles se sentiram ultrajados com o, digamos, jeitinho que a redação agia para obter seus furos. Os patrões Ruppert e seu filho James precisaram dar explicações formais ao Parlamento Britânico sobre as práticas obscuras. Ali, foram humilhados até mesmo por um banho de espuma a contragosto.
No Brasil, neste exato momento, a revista impressa de maior circulação do país está com seus métodos de apuração igualmente colocados em xeque. Afinal, o caso das duzentas ligações telefônicas grampeadas pela Polícia Federal, nas investigações da Operação Monte Carlo, envolve num circuito fechado, e privilegiado, um contraventor especializado em se infiltrar em grandes estruturas do establishment e o atual número dois da revista. O jornalista Policarpo Jr., que acumula o cargo de diretor da sucursal de Brasília, pode até ser visto como o número três ou quatro na hierarquia interna, à medida em que, em seu último arranjo de poder, o diretor de redação Eurípedes Alcântara estabeleceu o singular modelo de ter três editores-chefe na publicação. Mas com pelo menos quinze anos de serviços prestados à revista no coração do poder, Policarpo, reconhece-se, é “o cara”. Ele foi repórter especial e seu estilo agressivo de atuar influenciou a atual geração de profissionais de Veja. Eles são temidos por sua capacidade de levantar escândalos, promover julgamentos morais e decretar o destino de reputações. A revista, a cada semana, se coloca como uma espécie de certificadora da moral e dos bons costumes no País, sempre pronta a baixar a marreta sobre o que julga fora dos seus padrões.
O problema, para Veja, é que o jogo de mão entre Policarpo Jr. e Carlinhos Cachoeira pode ter sido pesado, apesar de ainda não estar claro. O silêncio da revista a respeito não contribui em nada para o seu esclarecimento. A aparente relação de intimidade pessoal entre editor-chefe e o contraventor não apenas não é um fato como outro qualquer, como pode ser a ponta do maior escândalo de mídia já visto no Brasil. A não publicação, na edição de Veja que está nas bancas, da surpreendente descoberta de ligações perigosas entre o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) – que na terça-feira 26, sob intensa pressão, renunciou ao posto de líder do partido no Senado – e Cachoeira acentuou a percepção generalizada de que o bicheiro e o jornalista tinham um ou alguns pactos de proteção e ajuda. Será?
O ex-governador José Serra, recentemente, foi apontado pelo ex-ministro em plena queda Wagner Rossi como um dos pauteiros (aquele que define os assuntos a serem abordados) de Veja. Pode ter sido um efeito de retórica do Rossi flagrado pela revista como dono de uma mansão incompatível com seu histórico de homem público. Mas jamais, como agora, houve a suspeita real de que um contraventor pudesse exercer o mesmo papel de, digamos, pauteiro externo da revista. A interrogação é procedente à medida em que, especialmente em Brasília, circulam rumores de que Policarpo comentaria abertamente com Cachoeira os assuntos que seriam abordados em edições futuras da revista e as angulações editoriais das reportagens.
Para qualquer um que trabalhe com informação, conhecer por antecipação o conteúdo de Veja é uma grande vantagem competitiva. Um assessor de imprensa, por exemplo. A posse desse tipo de ativo pode representar a diferença entre um bom contrato e nenhum contrato. Se se abre o espaço para a indicação de assuntos, então, ai o lobista entra no paraíso, passando a ter condições de posicionar seus interesses em espaços nobres que vão da capa à última folha do papel tipo bíblia de Veja, passando pela prestigiada sessão de entrevistas, as páginas amarelas. Será?
Na Inglaterra, em meio às primeiras informações sobre o real modo de agir dos jornalistas do The News of the World, a primeira reação da casa foi também a de silêncio. Em seguida, negativas. Mas os desdobramentos do caso, que incluíram o suicídio de um ex-alto funcionário do governo britânico, levantaram o véu da farsa e a verdade, finalmente, mostrou sua face. Na versão tupi, a suspeita é de que tenha ocorrido, entre Policarpo e Cachoeira, bem mais do que acontece num relacionamento normal entre jornalista e fonte de informação. Cachoeira, via Policarpo, talvez tenha se tornado um observador privilegiado da construção semanal da pauta política da revista, especialmente durante a eclosão do escândalo do mensalão, como afirmou ao 247 o ex-prefeito de Anápolis, Ernani de Paula.
Em nome de ter a notícia em primeira mão, é admissível, do ponto de vista ético, ao profissional da mídia manter relacionamentos privilegiados com quem ele considerar importante para este fim. Mas quase nunca é aceitável fazer com que esses relacionamentos derivem para a não publicação de notícias ou a divulgação parcial dos fatos.
Normalmente, o mundo político espera uma edição da revista Veja para conhecer o conteúdo que ela apresenta sobre os outros. Neste final de semana, o que se quer saber é o que Veja falará dela mesma.

A VERDADE SUFOCADA DO TORTURADOR USTRA

Colhido por mim no blog O Esquerdopata

quarta-feira, 28 de março de 2012

A VERGONHOSA VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS PALESTINAS


Por Paulo Moreira Leite:

Tempos atrás, fiz uma nota sobre os maus tratos sofridos por crianças palestinas que são presas pelas forças de segurança de Israel. É uma situação preocupante e vergonhosa, que, aos poucos, começa a se tornar debate internacional.
Não se trata de uma repressão destinada a impedir pequenos furtos e atos de violência. São medidas que visam punir adolescentes e crianças — o limite legal é 16 anos — que jogam pedras em soldados de Israel e também em colonos instalados, à revelia da lei internacional, na Cisjordânia, que é território palestino.
Minha primeira nota se baseava numa reportagem da correspondente do jornal inglês  Guardian, que conversou com crianças, advogados e famílias.
Agora, El País publica uma reportam sobre o assunto. Conforme o jornal, ”o tratamento que recebem os menores palestinos detidos pelas forças de segurança israelenses preocupa há tempos as chancelarias europeias e as organizações de defesa da infância. Preocupam-se de que os jovens sejam interrogados sem a presença de um advogado, que sejam encerrados em celas de isolamento e, sobretudo, que sofram maus-tratos.”
Segundo o jornal, a ONG Defense for Children International (DCI) compilou casos durante quatro anos. Numa investigação que tem apoio da União Européia, a DCI afirma que se encontrou um “padrão de abusos sistemáticos” e, pior ainda, “alguns casos de torturas praticadas em crianças encarceradas em centros militares”.
Todos os anos, diz a entidade, o exército israelense detém, interroga e encarcera entre 500 e 700 menores. Com base em 311 declarações juradas de menores palestinos detidos, 234 menores sofreram algum tipo de violência física durante ou depois da detenção; 57% dos detidos receberam ameaças e 12% foram encerrados em uma cela de isolamento.
Duas entidades israelenses, B’Tselem e Médicos pelos Direitos Humanos, costumam condenar o tratamento dado aos menores palestinos nos cárceres israelenses.
Mark Regev, porta-voz do governo israelense, afirma que, “quando as autoridades militares detêm menores, o fazem de acordo com os procedimentos específicos necessários”.
A lei militar considera menores apenas quem ainda não completou 16 anos de idade, o que significa que a partir daí mesmo quem ainda é considerado adolescente recebe o tratamento mais severo reservado a adultos — e não há mais um cuidado específico com sua situação. Os menores de 16 anos são tratados por tribunais especiais, cujo objetivo é adequar o tratamento às características do acusado.
Leia como El País descreve o padrão de trabalho das forças de segurança israelenses para capturar os menores: ”Costuma ocorrer durante a noite. Os blindados entram no povoado e tiram os menores de suas casas, algemados e com os olhos vendados. Levam-nos até um centro de detenção para interrogá-los, sem que possam acompanhá-los nenhum familiar e muitas vezes sem que haja um advogado presente durante o interrogatório.”
Conforme o DCI, “em quase um terço dos casos estudados, os menores são obrigados a assinar documentos em hebraico, que não compreendem. Em um prazo de oito dias, os menores comparecem, com correntes nos tornozelos, diante de um tribunal militar situado em Israel, em violação ao artigo 76 da quarta Convenção de Genebra, que proíbe tais transferências. É então que têm a oportunidade de ver pela primeira vez seus familiares, desde que estes consigam as permissões necessárias para entrar no país a tempo.”
Segundo o jornal, “cerca de dois terços dos menores detidos acabam em um presídio israelense, segundo dados da DCI. A organização explica que nos últimos anos, entretanto, houve uma melhora significativa no sistema penitenciário. Uma das novidades positivas que raramente as autoridades israelenses mantém menores e adultos em cárceres diferentes, o que antes ocorria com mais frequencia.

sábado, 24 de março de 2012

MAIS UMA DE MARCO ANTÔNIO VILLA


            Alguém aí deve se lembrar de Marco Antônio Villa. Já escrevi um post sobre ele (A FALTA DE PERSPECTIVA DA DIREITA, de 11 de janeiro último), que mostra a sua fraqueza intelectual e o seu partidarismo panfletário. Eis que procurando na rede, encontrei outra pérola do ilustre historiador. O tema agora é a resistência armada à Ditadura Militar, assunto que tratei em minha primeira postagem (GUERRILHA: A VIOLÊNCIA COMO UM MAL NECESSÁRIO, de 18 de dezembro de 2011).
            Apesar de alguns poucos (bem poucos mesmo) trechos lúcidos, o texto (http://hadrielf.blogspot.com.br/2011/11/luta-armada-contra-ditadura-por-marco.html) é mal fundamentado do início ao fim. Vou expor aqui seus principais erros (em negrito) e comentá-los um por um:
·         Argumentam que não havia outro meio de resistir à ditadura, a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos dos grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados logo depois, quando ainda havia espaço democrático (basta ver a ampla atividade cultural de 1964-1968). (...) Quem contribuiu mais para a restauração da democracia: o articulador de um ato terrorista ou o deputado federal emedebista Lisâneas Maciel, defensor dos direitos humanos, que acabou sendo cassado pelo regime militar em 1976? A ação do MDB, especialmente dos parlamentares da "ala autêntica", precisa ser relembrada. Não foi nada fácil ser oposição nas eleições na década de 1970.” Não nego o papel dos outros tipos de resistência, como as do MDB, dos artistas, dos intelectuais e de alguns setores da imprensa. É o professor Villa quem pretende negar a legitimidade de quem pegou em armas. É fácil dizer, analisando a partir do presente, que deu errado. Mas na época não havia, para muita gente, outra saída, como já expliquei em meu primeiro post. Para alguns era melhor morrer do que se calar, ser cassado ou se exilar. E esse negócio de “espaço democrático” entre 1964 e 1968 é uma indesculpável desonestidade intelectual. Que o digam os parlamentares cassados e os presos torturados nesse período.
·         Ou seja, a opção pela luta armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político e a simpatia pelo foquismo guevarista antecedem o AI-5 (dezembro de 1968), quando, de fato, houve o fechamento do regime.” Já deixei claro: se aqueles que pegaram em armas tinham desprezo pela luta política, porque aderiram a ela após o fim da Ditadura? A verdade é que o que levou a esquerda às armas foi o seu alijamento (cassação do PCB em 1947) do processo político legal e a constatação de que na Ditadura, este processo sequer existia (fazer oposição de verdade, significava perda de mandato).
·         O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou usado pela extrema-direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva. (...) Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desconsideração dos sofrimentos da prisão. Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta armada não legitima o terrorismo de Estado.” Aqui Villa faz duas constatações, meio contraditórias entre si. Primeiro, e de forma implícita, ele joga a culpa pelo endurecimento do regime na esquerda radical, aquela que pegou em armas, num argumento um tanto sórdido. Depois, e para tentar esconder que defende abertamente a Ditadura, ele desdiz a primeira premissa. Agora, não existe mais relação entre luta armada e terrorismo de Estado.
·         Os militantes dos grupos de luta armada construíram um discurso eficaz. Quem questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim, a democracia.” Quem construiu um discurso desse naipe, na verdade, foi o próprio Regime Militar. Todo aquele que era contra a Ditadura era comunista, inclusive Ulysses Guimarães, dom Helder Câmara e Fernando Henrique Cardoso. Ademais, a esquerda não teme o debate e muito menos a democracia. Ela quer que sua versão, deturpada por anos de censura e por uma miríade de adjetivos pejorativos referentes aos seus membros (terrorista, bandido, assassino), seja também posta para a opinião pública. E finalmente, quanto a ser adepto da Ditadura, engraçado isso partir do professor Villa. Reitero o conselho para que leiam a resposta de Luís Nassif à fala de defesa da Ditadura do professor Villa: http://blogln.ning.com/forum/topics/marco-antonio-villa-e-a. O artigo sem “correções” pode ser encontrado em http://danilomarcolin.blogspot.com.br/2009/03/ditadura-brasileira-por-marco-antonio.html. Leiam e tirem as próprias conclusões do que estou dizendo.
·         Um bom caminho para o país seria a abertura dos arquivos do regime militar. Dessa forma, tanto a ação contrária ao regime como a dos "defensores da ordem" poderiam ser estudadas, debatidas e analisadas. Parece, porém, que o governo não quer. Optou por uma espécie de "cala-boca" financeiro. (...) Por que o governo teme a abertura dos arquivos? Abrir os arquivos não significa revanchismo ou coisa que o valha. O desinteresse do governo pelo tema é tão grande que nem sequer sabe onde estão os arquivos das Forças Armadas e dos órgãos civis de repressão. Mantê-los fechados só aumenta os boatos e as versões fantasiosas.” O governo não teme nada disso. Uma acusação dessas chega a ser ridícula, afinal é ele quem está promovendo a abertura dos arquivos, através da Comissão da Verdade. Ele quer saber onde estão esses arquivos, que os ex-agentes da repressão mantêm longe das vistas da opinião pública. Quem teme a abertura deles, e deixa isso bem claro, é a direita. Vide as últimas postagens do Reinaldo Azevedo e a inquietação dos reaças do Ternuma. O professor só acerta, felizmente, quando diz que “abrir os arquivos não significa revanchismo”. Afinal, e eu concordo plenamente, essa é a melhor forma de se evitar “os boatos e as versões fantasiosas”. É um fato que os torturadores e seus rábulas da mídia vão ter que aceitar e engolir.

quarta-feira, 21 de março de 2012

UM SOCIALISTA CONTRA O ABORTO

Colhido e traduzido por mim a partir de http://www.cope.es/29-12-08--un_socialista_aborto_bobbio,26229,1,noticia_ampliada

O filósofo socialista italiano Norberto Bobbio (1909-2004) deu uma entrevista ao jornal "Il Corriere della Sera" em 8 de maio de 1981, quando a Itália levantou a hipótese de legalização do aborto. Bobbio mostrou naquela época que se pode ser socialista e ser contra o aborto. Além disso, para ele, o irracional é ser a favor, seja qual for a escolha ideológica. Por seu extraordinário interesse no momento presente, reproduzimos a substância da entrevista. 

"Eu estou surpreso que os leigos deixem aos crentes o privilégio e a honra de dizer que não se deve matar", disse o filósofo socialista italiano Norberto Bobbio (1909-2004) em entrevista ao Il Corriere della Sera em maio de 1981, quando se pleiteou na Itália uma eventual legalização do aborto.
Bobbio demonstrou como se pode ser socialista e mesmo assim ser contra o aborto. Além disso, para ele, é irracional ser a favor do aborto, seja qual for a escolha ideológica. Por seu extraordinário interesse no momento presente, e o efeito de suas palavras, apesar da passagem do tempo, aqui reproduzimos o essencial dessa entrevista.

Norberto Bobbio: Eu não gosto de falar sobre este tema do aborto. É um problema muito difícil, um problema típico em que estamos diante de um conflito de direitos e deveres.


Corriere della Sera : Quais são os direitos e deveres que estão em conflito?



NB: Em primeiro lugar o direito fundamental do nascituro, o direito de nascer, sobre o qual, creio eu, não se pode transigir. É o mesmo direito em cujo nome sou contra a pena de morte. Você pode falar sobre descriminalização do aborto, mas não pode ser moralmente indiferente ao aborto.



CDS: Você fala de direitos e não de um único direito.



NB: Há também o direito da mulher a não ser sacrificada por uma criança que não quer. Mas há um terceiro direito: o da sociedade, o direito da sociedade em geral e das sociedades em particular a não se tornarem superpovoadas, a exercer o controle da natalidade.



CDS: Você não acha que, colocadas as coisas desta forma, o conflito entre esses direitos é inconciliável?



NB : Claro, são direitos incompatíveis. E quando se é confrontado com direitos incompatíveis, a escolha é sempre dolorosa.



CDS: Mas você tem que decidir.



NB : Eu falei de três direitos. O primeiro, o do nascituro, é o fundamental; os outros, o da mulher e o da sociedade, são diretos derivados. Por outro lado, e para mim este é o ponto central, o direito das mulheres e da sociedade, muitas vezes usado para justificar o aborto, pode ser atendido sem o recurso ao aborto, impedindo a concepção. Mas uma vez havida a concepção, o direito do feto só pode ser satisfeito deixando-o nascer.



CDS: Qual é a sua crítica à lei 194 [lei italiana sobre o aborto]?



NB :. O seu primeiro artigo diz que o Estado ", garante o direito à procriação consciente e responsável." Eu acho que, este direito só se justifica se se afirmar e se aceitar o dever de um relacionamento sexual consciente e responsável, isto é, entre pessoas que conhecem as conseqüências de suas ações e estão dispostas a assumir as obrigações delas decorrentes. Reenviar a solução para o momento em que a concepção já tenha ocorrido, isto é, quando as consequências que se podiam evitar não se evitaram, parece-me algo como fugir da profundidade do problema (...).



CDS: E se revogando a  lei, não voltarímos ao drama e à injustiça do aborto ilegal? O aborto é uma triste realidade, não pode ser negado.



NB :. O fato de que o índice de abortos seja alto é um argumento debilíssimo do ponto de vista jurídico e moral. Me surpreende que seja adotado com tanta freqüência. Os homens são como são, mas é por isso que há a moral e o direito. O índice de roubo de carros, por exemplo, é muito alto e é algo já quase impune, mas isso legitima o roubo? (...). 



CDS: Existem ações moralmente ilícitas, mas que não são consideradas ilegítimas?



NB: Com certeza. Menciono sexo em várias formas, a infidelidade, a prostituição em si. Permita-me lembrar o Ensaio Sobre a Liberdade, de Stuart Mill. São palavras escritas há mais de cem anos, mas atualíssimas. O direito, segundo Stuart Mill, deve se preocupar com as ações que causam danos à sociedade: "O bem do indivíduo, seja física ou moral, não é justificativa suficiente."



CDS: Você pode aplicar isso também no caso do aborto?



NB: Também diz Stuart Mill: "Sobre si mesmo, sobre sua mente e corpo, o indivíduo é soberano". Agora as feministas dizem: "Meu corpo é meu e nele eu mando." Parece uma perfeita aplicação deste princípio. Mas eu digo para aplicar esse raciocínio para o aborto é abominável. O indivíduo é único, singular, mas no caso do aborto há um "outro" no corpo da mulher. O suicida dispõe de sua própria vida. Com o aborto se dispõe de uma vida alheia.



CdS : Toda a sua longa atividade, professor Bobbio, seus livros, seus ensinamentos, são o testemunho de um espírito fortemente secular. Você pode imaginar a surpresa no mundo secular por suas observações?



NB: Eu não vejo o que pode ser surpresa no fato de que um leigo considere como válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico, o "não matar". E eu também estou surpreso que os leigos deixem aos crentes o privilégio e a honra de dizer que não se deve matar.

segunda-feira, 19 de março de 2012

LUZ NO FIM DO TÚNEL: MILITARES LANÇAM MANIFESTO CONTRA A TORTURA E PELA COMISSÃO DA VERDADE

Do blog Limpinho e Cheiroso, via Vermelho:





Os defensores dos torturadores e dos agentes da repressão da ditadura militar de 1964 não falam pelos militares brasileiros. Um grupo de militares da reserva, entre eles um herói da 2ª Guerra Mundial, divulgou um manifestou em resposta ao documento dos clubes militares que atacou as ministras Maria do Rosário (Direitos Humanos) e Eleonora Menicucci (Mulheres), que criticaram a ação repressiva durante a ditadura militar e apoiaram a investigação daqueles crimes pela Comissão da Verdade.

O novo manifesto foi articulado pelos capitães de mar e guerra Luiz Carlos de Souza e Fernando Santa Rosa e tem o apoio de militares como o brigadeiro Rui Moreira Lima, de 93 anos de idade e herói da 2ª Guerra Mundial: ele é um dos dois únicos pilotos sobreviventes que participaram de ações da Força Aérea Brasileira (FAB) na Itália, tendo cumprido 94 missões de combate; ele foi condecorado com a Cruz de Combate (Brasil), a Croix de Guerre avec Palmes (França) e a Distinguished Flying Cross (EUA) por heroísmo.

Lima apoia a Comissão da Verdade. “Ela é necessária não para punir, mas para dar satisfação ao mundo e aos brasileiros sobre atos de pessoas que, pela prática da tortura, descumpriram normas e os mais altos valores militares”, disse. Embora defenda o direito dos militares da reserva de se manifestarem, Lima e os militares que assinam o novo manifesto não se sentem à vontade em endossar um documento na companhia de torturadores. “Eles citam o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra”, diz o pesquisador Paulo Cunha, da Unesp, para quem este novo manifesto “mostra que o Clube Militar não é uma entidade monolítica, que há vozes discordantes.” Os articuladores do documento dizem que seus colegas da reserva não falam pelos militares da ativa nem mesmo por muitos daqueles que estão na reserva. O capitão de mar e guerra Fernando Santa Rosa não escolhe as palavras: quem está por trás do documento são “os fascistas, os saudosos da ditadura”, disse.

Os apoiadores do novo manifesto reconhecem a necessidade da Comissão da Verdade. Para o brigadeiro Lima, “ela é necessária não para punir, mas para dar satisfação ao mundo e aos brasileiros sobre atos de pessoas que, pela prática de tortura, descumpriram normas e os mais altos valores militares. Segundo o manifesto, os “torturadores (militares e civis), que não responderam a nenhum processo, encontram-se 'anistiados', permaneceram em suas carreiras, e nunca precisaram requerer, administrativa ou judicialmente, o reconhecimento dessa condição, diferentemente de suas vítimas, que até hoje estão demandando junto aos tribunais para terem os seus direitos reconhecidos”. E pergunta: “Onde estão os corpos dos que foram mortos pelas agressões sofridas?”

sexta-feira, 16 de março de 2012

O MÉTODO PAULO FRANCIS

   Odeio o racismo. Por conseguinte, odeio aqueles que fazem vista grossa para esse problema, falam de patrulhamento politicamente correto, mas que pelo fato de isso ser um crime, sempre correm para acusar as escorregadelas de seus adversários, posando de arautos da igualdade e do respeito ao próximo. Pensando nisso fui pesquisar na rede sobre o notório racista, conhecido de todos, o já falecido Paulo Francis, ídolo de boa parte dos direitistas da mídia, como Arnaldo Jabor, Augusto Nunes, Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo.
     Ao escrever no Google "paulo francis racista", pouca coisa aparece que esclareça a questão. A maioria dos links é de fanáticos inveterados do Senhor Francis, elogiando seu brilhantismo literário e textual e seus iluminados intelecto e capacidade de avaliação da realidade. Pra minha sorte e de todos aqueles que precisam conhecer o verdadeiro legado, boçal e asqueroso, de determinados jornalistas, encontrei um texto primoroso do jornalista Bernardo Kucinski. O título é o mesmo desta postagem. Reproduzo aqui o trecho em que ele fala do lado racista do senhor Francis. Quem quiser ler o texto na íntegra, o link é http://kucinski.com.br/visualiza_noticia.php?id_noticia=407.

Racismo e preconceito
Paulo Francis tornou-se cada vez mais racista. Essa atitude preconceituosa pode ter nascido, segundo seu pequeno livro de memórias, na viagem pelo Brasil na década de 50, ainda jovem como ator do Teatro de Estudante, dirigido por Paschoal Carlos Magno. Foi a experiência de vida que marcou sua passagem pela adolescência, assim como o golpe de 64 marcaria sua passagem para a maturidade e sua visão de uni Brasil com o qual não podia se identificar. “Nunca imaginei que existisse algo igual na face da terra. A subnutrição, a miséria, o atraso, a inconsciência quase absoluta do que é bem-estar, do que é uma sociedade civil, o atordoamento do ser humano bestializado por um clima...” Garoto da classe média carioca, depois protegido pelos muros de um colégio de padres, ficou assustado. E enojado. Nunca havia estado perto da miséria, nem mesmo nos subúrbios do Rio, em Bangu ou Bonsucesso. “O mundo da classe média, no Rio, era uni mundo fechado.” 
O racismo de Paulo Francis atingiu povos mediterrâneos, negros e pobres de todos os tipos. Nordestinos. Tinha um forte conteúdo anglosaxônico, ou talvez calvinista. “Os portugas são mestres do ócio e da burrice”, disse dos portugueses. “Raça que ...se não fazia jus a um forno crematório, certamente mereceria uma lixeira.”(...) “Deixei (que os japoneses me apertassem a mão) mas com leve repulsa.” (...) “É pouco provável que um filho do Nordeste, região mais pobre do país, vergonha nacional, saiba alguma coisa, pois vive no século XVI”. Em junho de 1994, descreveu o senador Ronaldo Aragão como um ...mulato, feijão mulatinho... que parece descender do macaco certo (isto é, não de Lula). 
Na descrição do senador e na referência ao forno crematório, a arte de insultar de Paulo Francis sofistica-se: inclui um xingamento dentro de outro. Por ser gratuita, essa inclusão torna o segundo insulto ainda mais ofensivo. Assim é a insinuação de que certos povos podem fazer jus a fornos crematórios, inclusive, talvez os portugueses, certamente os judeus, para quem foram inventados. Lula é chamado de macaco, en passant. Esses exemplos, em sua maioria já da década de 90, revelam não apenas um Paulo Francis doentio, mas um país doentio e uma grande imprensa carente de qualquer referencial ético. Os insultos de Paulo Francis eram passíveis de processos na Justiça, inclusive pela implacável lei Afonso Arinos. O fato de que poucas vezes tenha sido processado denota a descrença do brasileiro na Justiça, em especial quando se trata de crimes de imprensa, injúria, calúnia e difamação.
Seu anglo-saxonismo levou-o a escrever: “A descoberta do clarinete por Mozart foi uma contribuição maior do que toda a África nos deu até hoje”. Essa frase sintetiza o método Paulo Francis. Primeiro, pela displicência com o idioma, pois ele deveria ter escrito: “maior do que tudo o que a África nos deu”, e não “maior do que toda a África nos deu”. Segundo, pelo reducionismo de seu “chute” de erudição, pois apesar da indiscutível valoração do clarinete por Mozart, Haydn, antes de Mozart, e Rameau, antes de Haydn, já haviam incluído o clarinete em suas composições. Terceiro, pela depreciação preconceituosa da África, desconhecendo que é do Egito, e portanto da África, o instrumento de sopro considerado precursor do clarinete. Sua frase também não faz justiça ao lugar do clarinete no jazz tocado pelos negros de New Orleans.

quarta-feira, 14 de março de 2012

A FAVOR DO ESTADO LAICO. CONTRA O OPORTUNISMO


A recente questão sobre a retirada dos crucifixos dos tribunais reacende um antigo debate: quais são os limites do assim chamado laicismo? Em nome da defesa do Estado laico, o que se pode e o que não se pode fazer? É uma questão que, apesar de possuir não poucos pontos positivos, como mostrarei aqui, por vezes incorre em exageros, equívocos e oportunismos pedantes. Devemos, todos nós, ser muito cuidadosos, para não agredirmos a Constituição e os direitos humanos, em nome de um pretenso zelo iluminista pela tolerância. Por outro lado, não podemos esquecer que devemos também usar de cautela ao misturar o espaço estatal com o espaço religioso.
Antes de qualquer consideração, o que devemos ter muito em mente é o verdadeiro significado de Estado laico. Nesse tipo de Estado, as religiões não possuem privilégios, nem tampouco representação do Estado. Este, por seu lado, não deve perseguir ou constranger nenhuma delas. Para que todo mundo entenda: o Estado representa uma Nação. Esta é formada por vários indivíduos. Se ele for laico, e às vezes mesmo não sendo, esses indivíduos possuem as mais variadas crenças. O pleno exercício delas é garantido por esse Estado, tendo por princípio os direitos básicos das mesmas à livre reunião e à livre expressão pública. Ocorre que muitos indivíduos dessa Nação, podem estar inseridos na estrutura estatal. E mesmo assim, eles, enquanto indivíduos, possuem o direito de ostentar sua crença. Quem não pode fazê-lo é o Estado. Tá, mas qual a diferença, então? Não é fácil discernir de primeira, mas vamos tentar outro exemplo: eu, como professor, não devo ser obrigado a, mesmo trabalhando numa escola pública, deixar de usar símbolos religiosos que uso no dia-a-dia, como meu escapulário, ou mesmo minha aliança de casamento. Impor isso seria uma agressão ao meu direito de expressão e à minha liberdade religiosa. Eu, por conseguinte, não posso fazer proselitismo religioso na sala de aula, pois além de estar abusando da natureza da minha função, estaria atentando contra o direito à pluralidade ideológica dos meus alunos. Entender que essa pluralidade existe e respeitá-la em qualquer indivíduo, talvez seja o princípio mais completo do laicismo. Não perseguir, não privilegiar, deixar cada um à sua própria consciência.
Voltando à questão inicial, as imagens e símbolos religiosos em repartições públicas, principalmente em sedes de poderes da República, como o STF e o Congresso Nacional, não se tratam de externação de crença pessoal, que é um direito do indivíduo, mas de confessionalidade estatal. Ou seja, infelizmente para alguns, é sim um atentado à laicidade do Estado. O interessante é que não chegam a ser tão fortes quanto os feriados religiosos (Nossa Senhora Aparecida, Corpus Christi, Natal). Surprendentemente, nunca se viu, eu pelo menos nunca vi, nenhum outro laicista defendendo a hipótese de aboli-los, o que deixa meio implícito um oportunismo pedante dessas pessoas. Parece faltar-lhes coragem para um embate mais radical. Convido os laicistas ateus ou sem religião (eu sou talvez um dos poucos católicos laicistas do mundo) a serem coerentes com suas ideias e a comparecerem ao trabalho nos feriados religiosos. E a terem a coragem de defender, como eu faço aqui, a abolição do feriado religioso. Se não for pra ser laicista de verdade, então seria melhor deixarem os crucifixos, que não fazem mal a ninguém, em paz.

sexta-feira, 9 de março de 2012

DEMÓSTENES: O IMPORTANTE É A CAUSA


Do sítio da Carta Maior 

Mais um torquemada da moralidade pública tem sua natureza inflamável exposta às labaredas da santa inquisição que tantas vezes ajudou a atiçar. Nada incomum. A qualidade ética dos nossos savonarolas, justiça seja feita, estampa-se na face.

Registre-se, no entanto, para o bem da memória nacional, esta passagem na vida do senador Demóstenes Torres (Demo-GO), pré-cozido nas chamas purificadoras do incinerador de reputações ao qual tantas vezes serviu e do qual não raro se aproveitou: a revista semanal que melhor representa seus valores e os de seus pares e que, às vezes, devora um deles por razões que o tempo dirá .

Revelações publicadas pelo mencionado veículo, derivadas de uma operação da PF, Monte Cassino, dão conta de abundante intimidade telefônica contabilizada em centenas de ligações, do referido torquemada com o bicheiro e contraventor Carlinhos Cachoeira, de quem recebeu uma geladeira e um fogão, por ocasião do casamento, em 2011.

Sobre as gentilezas de Carlinhos -- importadas, da mesmo fabricante que abastece a Casa Branca-- o demo explicou que: 'Por educação, não pergunta o preço do presente, nem o devolve". Amplia a compreensão dos fatos recordar que o nobre senador foi um dos baluartes da campanha pelo impeachment de Lula, em 2005, perfilando entre os mais assanhados apetites da coalizão demotucana e do dispositivo midiático acionado para esse fim --do qual a revista que ora o flamba foi um expoente exemplar.

Recorde-se ademais, que o amigo do peito contraventor priva de suas relações desde quando Demóstenes ocupou a secretaria de segurança de Goiás, entre 1999 e 202, no governo Marconi Perillo, este também listado entre os amigos longevos de Cachoeira. Coincidentemente, em 2004, Cachoeira foi, digamos assim, o visgo que atraiu Waldomiro Diniz, ex-dirigente da Loterj e então assessor do ministro José Dirceu, na Casa Civil, para um encontro filmado, em que negociava propina com o bicheiro. O vídeo resultou na demissão de Waldomiro do governo e na espiral de ataques contra o governo do PT que, a depender dos Demos e tucanos, teria culminado, em 2005, durante o episódio cunhado como 'mensalão', em um processo de impeachment. Coube à resistência popular liderada por movimentos sociais, sindicatos e CUT frustrá-lo.

Hoje, Demóstenes acusa os que, no seu entender, estão politizando suas amizades e presentes. O senador cultiva ostentar-se como um linha dura que coloca valores acima de amizades e miudezas. Como tal reagiu , por exemplo, ao lançamento tardio da candidatura municipal de Serra em São Paulo, que desagradou setores do seu partido: "O importante é a causa, e a causa é o Serra ganhar a eleição contra esse ideário maluco do PT".

Em nome da mesma causa, especula-se, o senador --que inclui em sua ficha de valores uma acirrada campanha contra as cotas para negros em universidades públicas-- acalentaria o sonho de se candidatar à Presidência da República em 2014. O candidato de uma causa: a da direita linha dura, mas que , 'por educação', não dispensa mimos de amigos contraventores.

quarta-feira, 7 de março de 2012

QUEM TEM MEDO DA VERDADE?

“...os homens preferiram as trevas ao invés da luz porque suas obras eram más. Todo aquele que pratica o mal odeia a luz e se mantém longe dela, pois tem medo que suas obras sejam expostas.” 
Evangelho segundo São João 3, 19-20.

            O Brasil tem sua história moldada pelo autoritarismo. Desde 1500, quando nos tornamos colônia de uma das monarquias mais fechadas da Europa, passando pelo absolutista Pedro I, pelo escravocrata Pedro II, pelos desmandos de Deodoro e Floriano, pelos “estados de sítio” da República Velha, pelo Estado Novo, e culminando com a Ditadura Militar de 64, a força e a tirania foram se tornando parte intrínseca da mentalidade política nacional. Os últimos 25 anos, com o Brasil regido por uma Constituição e com eleições livres e diretas pra presidente, representam expressivamente uma guinada importante em busca de uma nova realidade política, com liberdade e democracia permanentes.
            Para tornar real essa permanência, no entanto, são necessárias duas coisas: memória e vigilância. Grande exemplo do bom uso das duas coisas são os alemães. Depois de uma história marcada pelo autoritarismo dos kaisers, de Bismarck e, por fim, do nazismo de Hitler, resolveram pôr tudo em pratos limpos. Hoje a Alemanha é uma democracia sólida, que não permite, em nome do respeito à memória, nem manifestações de nacionalismo xenófobo e nem o revisionismo fajuto da sua história, como no caso do Holocausto.
            No Brasil, essa busca pela memória encontra enormes entraves. Sob o pretexto de evitar ideologização do debate sobre a Ditadura Militar, a direita, tanto os apoiadores explícitos quanto os pretensos contrários ao referido regime, cerram fileiras contra a Comissão da Verdade. Argumentam da seguinte forma: “E a Lei da Anistia? Se for pra punir vai ter que punir os dois lados.” Mas não se trata necessariamente de punir, o que, aliás, não seria tão ruim. Se trata de mostrar ao país sua história, sem equívocos ou discursos falsificados. E nesse ponto, a esquerda nada tem a temer, visto que todos os assim chamados “terroristas” sempre estiveram aí dando a cara à tapa. Como disse uma vez Franklin Martins: “Eu conto pros meus filhos o que eu fiz na ditadura. Os sequestros e tudo o mais. Mas será que quem torturou no pau-de-arara faz isso? Claro que não. Ele continua no porão.” São esses caras que temem a verdade. São eles que continuam dizendo que os governos militares reguardaram a democracia, que não houveram torturas, que os presos se auto-mutilavam e cometiam suicídio. E a imprensa é parte integrante desse jogo de mentiras. Jonalistas pseudo-democratas, aqueles mesmos que apoiaram o golpe em Honduras em 2009, defendem torturadores usando o aberrativo argumento de defender a anistia, colocando mais uma vez o legalismo, quando lhes interessa, acima da justiça e da verdade.
            Democratas de verdade não devem aceitar a tentativa asquerosa de revisionismo por parte de grupos como o Ternuma, já citado por mim na primeira postagem deste blog (GUERRILHA: A VIOLÊNCIA COMO UM MAL NECESSÁRIO, 18 de dezembro de 2011). Já existe até um livro, chamado Orvil (livro, ao contrário), que expõe, com detalhismo cansativo, a nova versão da história, na qual não existiram torturas, o governo militar era democrático e os comunistas (englobam-se nesse conceito qualquer membro ou simpatizante da esquerda) são os vilões e culpados por todas as desgraças. Para quem tiver saco para lê-lo, e olhe que eu o fiz de cabo a rabo, e quiser conferir o que estou dizendo, pode-se fazer o download em PDF, em http://www.averdadesufocada.com/index.php?option=com_content&task=view&id=737&Itemid=78.
            O povo brasileiro tem o direito de não ser ludibriado por tamanha farsa. Se não temos coragem de pôr torturadores e assassinos na cadeia, como foi feito com Videla, Pinochet, Milosevic, Eichmann, Goering et caterva, devemos pelo menos respeitar nosso passado e as vítimas dos bandidos da ditadura. É a verdade, que nos liberta dos fantasmas do passado, para que não voltem a nos assombrar. 

domingo, 4 de março de 2012

AS DÚVIDAS SOBRE A BLOGUEIRA CUBANA


Quem está por trás de Yoani Sánchez?
Yoani Sánchez, famosa blogueira cubana, é uma personagem peculiar no universo da dissidência cubana. Nenhum opositor foi beneficiado a exposição midiática tão massiva, nem de um reconhecimento internacional semelhante em tão pouco tempo. Após emigrar para a Suíça em 2002, ela decidiu retornar a Cuba dois anos depois, em 2004. Em 2007, integrou o universo de opositores a Cuba ao criar seu blog “Generación Y”, e se torna uma crítica feroz ao governo de Havana.
Nunca um dissidente cubano – muito menos no mundo – conseguiu tantos prêmios internacionais em tão pouco tempo e com uma característica particular: deram a Yoani Sánchez dinheiro suficiente para viver tranquilamente em Cuba até o resto de sua vida. Na realidade, a blogueira tem retribuído à altura os 250 mil euros que recebeu, o que equivale a mais de 20 anos do salário mínimo em um país como a França, a quinta potência mundial. O salário mínimo em Cuba é de 420 pesos, o equivalente a 18 dólares ou 14 euros. Isto é, Yoani Sánchez recebeu 1.488 anos de salários mínimos cubanos por sua atividade opositora.
Yoani Sánchez tem estreita relação com a diplomacia estadunidense em Cuba, como demonstra um documento “secreto”, por seu conteúdo sensível, emitido pela Seção de Interesses Norteamericanos (Sina). Michael Parmly, ex-chefe da Sina em Havana, que se reunia regularmente com Yoani Sánchez em sua residência diplomática pessoal como indicam os documentos confidenciais da Sina, manifestou a sua preocupação em relação à publicação dos documentos diplomáticos dos EUA pelo WikiLeaks: “Ficaria muito incomodado se as numerosas conversações que tive com Yoani Sánchez fossem publicadas. Ela poderia pagar as consequências por toda a sua vida”. A pergunta que vem imediatamente à mente é a seguinte: por quais razões Yoani Sánchez estaria em perigo se a sua atuação, como afirma, respeita o marco da legalidade?
Em 2009, a imprensa ocidental divulgou massivamente a entrevista que o presidente Barack Obama havia concedido à Yoani Sánchez, e que foi considerado um fato excepcional. Yoani também afirmou que enviou um questionário similar ao presidente cubano Raúl Castro e que o mesmo não se dignou a respondê-lo. No entanto, os documentos confidenciais da Sina, publicados por WikiLeaks contradizem essas declarações. Foi descoberto que foi um funcionário da representação diplomática estadunidense, em Havana, quem, de fato, redigiu as respostas à dissidente e não o presidente Obama.
Mais grave ainda, Wikileaks revelou que Yoani, diferente de suas afirmações, jamais enviou um questionário a Raúl Castro. O chefe da Sina, Jonathan D. Farrar, confirmou a informação através de um e-mail enviado ao Departamento de Estado: “Ela não esperava uma resposta dele, pois confessou que nunca enviou (as perguntas) ao presidente cubano”.
A conta de Yoani Sánchez no twitter
Além do sítio Generación Y, Yoani Sánchez tem uma conta no twitter com mais de 214 mil seguidores (registrados até 12 de fevereiro de 2012). Somente 32 deles moram em Cuba. Por outro lado, a dissidente cubana segue a mais de 80 mil pessoas. Em seu perfil, Yoani se apresenta da seguinte maneira: “Blogger, moro em Havana e conto a minha realidade através de 140 caracteres. Tuito, via sms sem acesso à web”. No entanto, a versão de Yoani Sánchez merece pouco crédito. Na realidade é absolutamente impossível seguir mais de 80 mil pessoas apenas por sms, a partir de uma conexão semanal em um hotel. É indispensável um acesso diário para isso na rede.
A popularidade na rede social twitter depende do número de seguidores. Quanto mais numerosos, maior a exposição da conta. Da mesma maneira, existe uma correlação entre o número de pessoas seguidas e a visibilidade da própria conta. A técnica que consiste em seguir diversas contas é utilizada para fins comerciais, assim como para a política durante as campanhas eleitorais.
O sítio www.followerwonk.com permite analisar o perfil dos seguidores de qualquer membro da comunidade do twitter. O estudo do caso Yoani Sánchez é revelador em vários aspectos. Uma análise dos dados da conta do twitter da blogueira cubana, realizada através de seu sítio, revela que a partir de 2010 houve uma atividade impressionante de sua conta. A partir de junho de 2010, ela se inscreveu em mais de 200 contas por dia, em uma velocidade que poderia alcançar até 700 contas em 24 horas. Isto é, passar 24 horas diretas fazendo isto – o que parece improvável. O resultado é que é impossível ter acesso a tantas contas em tão pouco tempo. Então, parece que isto só é possível através de um robô.
Da mesma maneira, descobrimos que cerca de 50 mil seguidores de Yoani são, na realidade, contas fantasmas ou inativas, que criam a ilusão de que a blogueira cubana goza de uma grande popularidade nas redes sociais. Na realidade, dos 214.062 perfis da conta @yoanisanchez, 27.012 são novos (e sem fotos) e 20.600 são de características de contas fantasmas com atividades inexistentes na rede (de 0 a 3 mensagens enviadas desde a criação da conta). Entre estes fantasmas que seguem Yoani no twitter, 3.363 não têm nenhum seguidor e 2.897 seguem somente a blogueira, assim como a uma ou duas contas. Algumas apresentam características bastante estranhas: não têm nenhum seguidor, seguem apenas Yoani e emitiram mais de duas mil mensagens.
Esta operação destinada a criar uma popularidade fictícia, via twitter, é impossível de ser realizada sem acesso à internet. Necessita de um apoio tecnológico e um orçamento consequente. Segundo uma investigação realizada pelo diário La Jornada, com o título “El ciberacarreo, la nueva estrategia de los políticos en Twitter”, sobre operações que envolviam os presidenciáveis mexicanos, diversas empresas dos Estados Unidos, Ásia e América Latina oferecem este serviço de popularidade fictícia (“ciberacarreo” ou em português ciber transporte) por elevados preços. “Por um exército de 25 mil seguidores inventados no twitter , escreveu o jornal, pagam até dois mil dólares, e por 500 perfis manejados para 50 pessoas é possível gastar entre 12 mil a 15 mil dólares”.
Yoani Sánchez emite, em média, 9,3 mensagens por dia. Em 2011, a blogueira publicou uma média de 400 mensagens por mês, O preço de uma mensagem em Cuba é de um peso convertido (CUC), o que representa um total de 400 CUC mensais. O salário mínimo em Cuba é de 420 pesos cubanos, ao redor de 16 CUC. Yoani Sánchez gasta, por mês, o equivalente a dois anos de salários mínimos em Cuba. Assim, a blogueira gasta em Cuba com o twitter, um valor correspondente, caso fosse francesa, a 25 mil euros mensais ou 300 mil euros por ano. Qual a procedência desses recursos para estas atividades?
Outras perguntas surgem de maneiras inevitáveis. Como Yoani Sánchez pode seguir a mais de 80 mil contas sem acesso permanente a internet? Como conseguiu se inscrever em 200 contas diferentes por dia, desde de junho de 2010, com índices que superam até 700 contas/dia? Quantas pessoas seguem realmente as atividades da opositora cubana na rede social? Quem financia a criação das contas fictícias? Qual o objetivo? Quais os interesses escusos detrás da figura de Yoani Sánchez?

quinta-feira, 1 de março de 2012

OS PADRES E A POLÍTICA


            É lugar comum entre muitos formadores de opinião, a ideia de que padres não devem se meter em política. O principal argumento, existem outros, para se justificar essa ideia é que, enquanto a religião diz respeito aos aspectos particulares e introspectivos, à esfera individual portanto, a preocupação da política é com o público, com o externo, ou seja, com o coletivo. Esse pensamento ganha força, tanto na esquerda quanto na direita, quando a opinião do padre entra em conflito com interesses político-ideológicos pré-estabelecidos de qualquer das correntes. Os primeiros horrorizam-se quando vêem um bispo falando contra o aborto. Os segundos, quando o vêem defendendo os movimentos sociais ou a reforma agrária. Ambos, ao buscarem alijar alguém da esfera política, usando para isso o fato de esse alguém representar uma religião, cometem grave erro, tanto do ponto de vista político, quanto do ponto de vista técnico, e até mesmo, quando é o caso, do ponto de vista teológico-filosófico, que explicarei no final.
            Primeiramente, e partindo da premissa de que vivemos e defendemos o sistema democrático, as igrejas, como agrupamentos sociais que são, possuem sim espaço para a exposição das suas opiniões. Quem nega isso reproduz um conhecido erro, infelizmente muito comum: confunde Estado laico com Estado ateu. O fato de nenhuma religião possuir privilégios (premissa do primeiro), não significa que elas não valham nada (premissa do segundo). Como um sindicato, um partido, uma associação de empresas, ou uma ONG, uma igreja também é parte integrante da sociedade. Elas congregam pessoas e formam opiniões. Negar a elas o direito de participação democrática dentro do debate político, de exercer a sua liberdade de expressão, é uma atitude extremamente autoritária, digna de qualquer ditadura.
            Em segundo lugar, mesmo resguardado o seu caráter particular e introspecivo, o ponto de vista religioso é pressuposto para determinadas práticas em sociedade. As ideias políticas são a mesma coisa. Nesse ponto, os conjuntos ideológicos, sejam eles religiosos (cristianismo), políticos (socialismo), ou econômicos (liberalismo), têm o valor de pressupostos, de guias pessoais de ação. E isso nem é um problema e nem mesmo desfundamenta argumentos. Quando um cristão fala sobre aborto, está tratando de um assunto que, embora não pareça, é político. Quando argumenta, com base em dados concretos, científicos ou não, está participando do debate, e não simplesmente fazendo proselitismo religioso. Isso desmistifica aquele argumento de que “ah, ele é católico!” Se fosse assim, nenhum argumento valeria, visto o fato de ninguém ser neutro. Sendo assim, um padre, um bispo, o Papa, ou mesmo um leigo militante do catolicismo merecem, como todas as outras pessoas, ter o direito de expor suas opiniões. Se a argumentação for fraca, rebate-se como se deve. Combate-se os erros com o uso racional da argumentação, e não com um cala-boca autoritário.
            Por último, existe também o erro do ponto de vista teológico. Consiste em dizer que a função do padre é cuidar das “coisas de Deus”, não devendo ele se imiscuir na política. Alguns até dizem que a própria Igreja determina isso. Na verdade, confundem politizar com partidarizar. O que os padres não devem é adentrar em partidos. Mas mesmo assim, deve-se levar em conta que um padre não está isolado da sua sociedade e, enquanto pessoa, possui uma história pessoal relacionada intimamente ao seu meio social. A militância anticomunista de João Paulo II tem raízes nas relações pouco amistosas dele com o governo socialista de seu país. Leonardo Boff é amigo de Lula. Dom Eugênio Sales foi amigo de ACM. Querer confinar o padre na sacristia é falácia, teologicamente também. Como pastor, líder de uma comunidade, de um grupo de pessoas, ele possui papel relevante no campo da ação política.* POLÍTICA, não politicagem partidária. Sem fazer campanha pra ninguém usando o púlpito, como infelizmente fazem muitos pastores protestantes, isso sim um grande desvio, na minha opinião, ele deve sim participar ativamente da vida política, dentro do seu campo de atuação, visando sempre, claro, o bem comum. Afinal, para fazer isso não precisa necessariamente exercer mandato ou fazer parte de um partido.

*”A Igreja critica aqueles que tendem a reduzir o espaço da fé à vida pessoas ou familiar, excluindo a ordem profissional, econômica, social e política, como se o pecado, o amor, a oração e o perdão não tivessem importância aí. (...) Há instrumentalização da Igreja que pode provir dos próprios cristãos, sacerdotes, e religiosos quando anunciam um Evangelho sem conexões econômicas, sociais, culturais e políticas. Na prática, esta mutilação equivale a certo conluio – embora inconsciente – com a ordem estabelecida.” (Documento da Conferência dos Bispos Latino-Americanos em Puebla, nn. 515 e 558, extraído por mim do livro Igreja: Carisma e Poder, de Leonardo Boff. Os grifos estão no livro.