quinta-feira, 23 de março de 2017

A GREVE E OS "VAGABUNDOS"

As cabeças levantadas
Máquinas paradas
Dia de pescar
Pois quem toca o trem pra frente
Também de repente
Pode o trem parar
(Chico Buarque)

                É início de primavera em Chicago, mais precisamente 1º de maio. As flores brotam por conta das chuvas de abril (“April showers bring May flowers”). O ano é o longínquo 1886. Milhares de “vagabundos” saem às ruas por não aceitarem mais o regime de trabalho de 13 horas. Queriam reduzir para oito. Bando de preguiçosos! Suas indolentes reivindicações ainda incluíam absurdos como receber salários nas férias e dias de descanso, e a continuar recebendo mesmo depois de trabalhar, até a morte. Bando de vagabundos! A polícia, como não podia ser diferente, para defender a lei e a ordem que fazem o orgulho da democracia americana, terra de oportunidades e empreendedorismo, parte pra cima e mata dezenas de “vagabundos”. Tivessem trabalhando, isso não aconteceria. Mas o efeito não foi o esperado. No dia 5, outra baderna. Mas não adiantou. Os líderes foram presos e condenados à morte. Viva o progresso, e a ordem! Mas não foi só isso. Em 1889 um Congresso de comunistas e anarquistas (mais “vagabundos”), com certeza citado nos famigerados “livros do MEC”, estabeleceu a data mundial da vagabundagem, 1º de maio: dia do trabalho em que ninguém trabalha. Ainda mais no Brasil, cheio de “vagabundos remunerados”, no dizer de um deputado gaúcho, com certeza alguém que nem dormir dorme.
                De lá pra cá, muita coisa mudou. Ninguém mais é condenado à morte, e todas as legislações do mundo civilizado garantem o direito à greve, direito basilar de reivindicação pacífica e democrática. Como “vagabundo” que sou, já participei de algumas, inclusive como estudante. Mas algumas cabeças continuam enterradas, na verdade chumbadas no solo, daquele distante século XIX. O mundo caminha pra frente, mas essa gente insiste em puxar de volta. Com a justificativa de que a expectativa de vida aumentou (plausível até certo ponto), o governo quer obrigar o cidadão a receber aposentadoria integral apenas após 49 anos de serviço. Uma vida adulta inteira, praticamente. Alguém como eu, que começou a trabalhar aos 29, teria de esperar até os 78. Um “vagabundo”, ainda que “remunerado”, não aguenta tanto. Só nos resta isso: aproveitar que fazer greve hoje é legal e descontar na sociedade. Afinal, é isso mesmo que irão dizer os jornais. Do alto da consciência sacrifical do seu trabalho árduo e voluntário em prol do país, eles podem apontar o dedo na cara de nós, “vagabundos”. Eu sei que é absurdo querermos envelhecer em paz, e com remuneração, querermos melhorias nas condições de trabalho e salariais, querermos respeito pelo que fazemos, mas fazer o quê? Isso não justifica. Vejam os deputados, que mesmo não tendo o suficiente, trabalham diuturnamente pelo bem do país. Perguntam antes o que podem fazer, não o que podem receber. Ser grevista deveria nos envergonhar, mas “vagabundo” não tem consciência.

                Tanto assim, que ainda queremos tolher o direito heroico de alguns de furarem greve, direito sagrado de “ir e vir”, garantido pelo artigo 5º, inciso XV da Constituição de 88, a mesma que, ironicamente, garante o direito de greve como um direito coletivo (artigo 9º). Mas esses são, com certeza, subterfúgios para amparar a “vagabundagem”, que por isso mesmo, domina o país. O cara não é obrigado a participar de reuniões de sindicato, embora se beneficie dos ganhos que uma greve possa ter. Mas com certeza, teve essa graça por seu trabalho, não pela baderna de “vagabundos”. Ele pode até dizer que é proibido de participar das deliberações sindicais, o que, conhecendo como se conhece a “vagabundagem”, tem tudo pra ser verdade. Portanto, vale aqui isso como uma lição, principalmente pros mais jovens, os que foram atingidos em cheio pela “iluminação” que só um Bolsonaro ou um Luiz Carlos Prates, ou um Olavo (“cu da sua mãe”) podem oferecer, em meio ao esquerdismo “vagabundo” reinante: esculhambemos os “vagabundos” que fazem greve, pois são eles que atrasam o Brasil. Não sejam como eles. Trabalhem pensando somente no bem do país, não reclamem do que ganham, não prejudiquem os outros, e por fim, saibam que terão a honra de um dia entrar no mercado de trabalho, de onde nenhum “vagabundo” os tirará, a não ser morto. Viva o trabalho! Morte aos “vagabundos”! E sem feriado desta vez, odiamos feriado e dia santo. É coisa de... “vagabundo”!