quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

DOSTOIÉVSKI E NIETZSCHE: ENTRE O SUPER-HOMEM E O HOMEM EXTRAORDINÁRIO


De autoria do estudante de filosofia da UNB João Victor, colhido no sítio Literatortura:

Fiódor Dostoiévski é considerado o escritor filósofo por excelência. Suas obras são um manancial de reflexão filosófica sobre diversos temas. Entre seus escritos, vários deles consagrados como clássicos da literatura universal, destaca-se aquele romance que é, para mim, seu maior trabalho: Crime e Castigo.
Crime e Castigo narra a história de um jovem estudante de Direito, Raskolnikov, que passa por severas dificuldades financeiras e comete um assassinato para supri-las. A investigação do assassinato e a reação de Raskolnikov ao próprio ato conduzem o enredo. Entretanto, o ponto mais interessante da obra é o que leva o jovem a cometer o crime. Raskolnikov havia publicado, algum tempo antes do assassinato, um artigo, em que expunha sua “teoria do homem extraordinário”. É essa teoria que pretendo analisar aqui.
Para Raskolnikov, o homem extraordinário é aquele que, tendo em si a capacidade de produzir obras de imenso valor para a humanidade, tem o direito de burlar as leis morais. Ou mais profundo ainda, de simplesmente ignorá-las, para conseguir realizar o que pretende. O homem extraordinário não se submete às leis que governam os outros homens, pois está acima delas. O exemplo repetidamente lembrado por Raskolnikov ao longo do romance é Napoleão, que não hesitou nem um momento em cometer todos os crimes que cometeu para chegar ao poder e governar. Essa ausência de remorso, esse sentimento de poder ser imoral e, ao mesmo tempo, de que não se é imoral, pois se está acima da moralidade, é o que caracteriza o homem extraordinário.
Raskolnikov pensou ser um homem extraordinário. Refletindo sobre sua mãe e irmã – esta última que iria se casar apenas para, com a proteção do marido rico, ajudar a mãe a viver e o irmão a concluir seus estudos – Raskolnikov pensou que não poderia esperar seus estudos terminarem, levar uma vida medíocre de professor enquanto ganhava alguns trocados. Precisava de dinheiro imediatamente, para poder realizar suas grandes obras. Por esse motivo, Raskolnikov planeja e executa o assassinato de uma agiota. No entanto, ele acaba matando, também, por acidente, a irmã da agiota, uma moça inocente e gentil. Raskolnikov, então, entra num circulo de insanidade e culpa crescente, enquanto tenta esconder tal sentimento de quem investiga o crime.
Não quero contar nada mais sobre a história, para não impedir que os leitores que não conhecem a obra queiram lê-la. No entanto, um ponto importantíssimo merece menção: Raskolnikov se culpa pelo assassinato.
Isso demonstra, de primeira, que Raskolnikov, embora tenha criado a ideia dos homens extraordinários, não poderia ser colocado entre eles, pelo simples motivo de que ele sente culpa pelo que fez, apesar de tê-lo feito por um motivo maior, grandioso.

A tese de Raskolnikov é muito interessante. E, agora que ela foi apresentada, tenho certeza que alguns dos leitores estão pensando sem parar no “Super-Homem” de Nietzsche. E estão corretos. Mas, não cometamos um erro. É Nietzsche que se inspira em Dostoiévski e não o contrário. O fervor de Nietzsche pelo gênio de Dostoiévski não era segredo (embora, é claro, houvesse ressalvas, como sempre havia com os elogios do filósofo dos Alpes).
O conceito de “Super-homem” que Nietzsche apresenta, no entanto, é um pouco diferente do homem extraordinário que Dostoiévski põe na boca de Raskolnikov. O Super-Homem é, para Nietzsche, o estágio final da humanidade, que não é, senão um preparo, para aquele. Esse super-homem também não se rende às leis morais, nem sente remorsos, mas por um motivo diferente. Para Nietzsche, o super-homem é o fim da luta entre a moral dos escravos (cristianismo) e a moral dos aristocratas. O ser humano deve, por força da sua vontade, elevar-se acima da humanidade. Deve desenvolver sua vontade de poder, vontade de descarregar suas forças e dar o maior alcance às próprias capacidades. Ele irá superar os velhos valores e criar novos, que lhe sirvam. O Super-Homem de Nietzsche rejeita tudo e fica apenas com sua própria vontade, sem aceitar nada que o impeça de ser aquilo que ele é.
A grande diferença, para mim, nas noções do “super-homem” e do “homem extraordinário”, é que Raskolnikov não nega que a moral seja aplicável aos que não são homens extraordinários. Mas apenas que ela não se aplica a estes, enquanto Nietzsche nega a moral de todos os modos, defendendo que é por fraqueza que aceitamos a moral. Além disso, o homem extraordinário, aparentemente, segue uma moral [mora, moral, moral haha], apenas deixa de segui-la quando ela entra em conflito com seus interesses. É uma diferença sutil, penso eu, pois parece que Raskolnikov também quer crer que a moral é uma fraqueza, o que me faz pensar, por vezes, que não haja grande diferença entre Nietzsche e Dostoiévski, nesse ponto específico. Mas Raskolnikov não pôde abandonar a moral. E isso merece destaque.
Ele não pôde, e, embora seja um personagem, isso mostra um aspecto interessante da teoria de Nietzsche: a sua aparente impossibilidade de realização. Não consigo ver um homem se tornar um Super-Homem nietzschiano de modo algum. Ou melhor, talvez eu consiga, mas esse seria um psicopata. Honestamente, o remorso não é propriedade absoluta do cristianismo, embora essa religião tenda a reforçá-lo. Temos outras explicações para o remorso, talvez até melhores (Darwin, por exemplo, fala do remorso advindo de não fazer o que seria melhor para a sobrevivência da espécie) que a de Nietzsche. Para que se configure um Super-Homem na Terra [um homem completamente sem remorsos e sem moral que não seja sua criação para extravasar sua vontade de poder], é preciso um psicopata, um homem que, devido a uma patologia, não sente remorso e somente se importa com o que diz respeito aos seus interesses. Podemos dar alguns exemplos, então, de super-homens que já existiram ou existem.
Temos, também, alguns exemplos do que Raskolnikov chamou de “homens extraordinários”. Mas esses, na minha opinião, não diriam que a moral não existe ou não seguiriam nenhuma moral, apenas a burlariam para seus próprios fins.
Se eu estiver certo, parece muito pouco desejável que existam super-homens. Na realidade, sempre me pareceu que a querela de Nietzsche com o cristianismo, acrescida do seu radicalismo extremo em tudo que falou, fez com que ele simplesmente descartasse a moral por não concordar com a moral cristã (e também budista, em vários pontos). Algo imprudente, na minha opinião.
Mas, Crime e Castigo é um romance extraordinário, eu diria.
E, então, o que acharam? Que tal o super-homem e o homem extraordinário? Concordam com a minha ideia? Não deixem de dar sua opinião e, claro, de curtir o post. Espero que tenham gostado do texto. Obrigado!

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

AS TENDÊNCIAS E O ATO: AS “REPÚBLICAS” IDEAIS E A REPÚBLICA REAL.

Hoje é o dia da Proclamação da República. Podemos ver, até hoje, que passados 123 anos, muita coisa ainda fica a desejar, quando se trata do verdadeiro trato com a "coisa pública". Em virtude disso, achei interessante destacar que os males vêm desde a origem. Publico aqui, então, um texto feito por mim em 2006, que foi avaliado para a obtenção de uma nota na disciplina História do Brasil II. Fala exatamente sobre os vencedores do 15 de novembro e, consequentemente, da desilusão de grupos que queriam uma coisa diferente. Se seria mesmo, não se sabe. Não cabe ao historiador dar essas respostas. Mas fica aqui como um registro interessante das ideias que permeavam o período, muitas vezes esquecidas nos livros, e das primeiras tentativas literárias desse humilde blogueiro.



As ideologias republicanas

               A propaganda republicana vem à tona no Brasil a partir de 1870, tendo como estopim três fatos ocorridos na capital do Império: a fundação do Clube Republicano, o lançamento do famoso Manifesto de 3 de dezembro e a 1ª edição do jornal A República. No entanto, é somente a partir do primeiro Congresso do Partido Republicano Paulista, em julho de 1873, que a ação se torna mais organizada.[1] O republicanismo ganha notoriedade por tratar principalmente de três questões: a campanha pela eleição direta, pela abolição, e também por darem suporte civil às reivindicações militares.[2] Cresce vertiginosamente nos anos finais do Império, penetrando em todo o país, passando a representar pela primeira vez uma preocupação para as autoridades locais e imperiais.
               No entanto, apesar do crescimento, a campanha republicana só se mostrou praticamente ativa na capital do Império, e nas províncias de São Paulo e do Rio Grande do Sul. E cada uma dessas unidades se mantinha sob a influência de uma determinada corrente política dentro do pensamento republicano. No Rio Grande predominou um forte cunho autoritário, baseado no pensamento positivista, tendo como liderança principal Júlio de Castilhos. A liderança mais proeminente desta tendência em âmbito nacional era Benjamim Constant.
Os sociocráticos, ou positivistas, eram inimigos abertos da democracia representativa, para eles característica do estado metafísico da humanidade. Em seu lugar deveria ser implantada a ditadura republicana, forma de governo inspirada tanto na tradição clássica romana como na figura de Danton (...). O ditador republicano governaria por toda a vida e escolheria seu sucessor.[3]

               Em São Paulo quem davam as cartas eram os moderados, que evitavam atacar acintosamente o problema da escravidão, preferindo solicitar reformas legislativas, decidindo inclusive, se aliar com os conservadores em algumas eleições. Já a capital do Império via-se dividida entre a corrente moderada, liderada por Saldanha Marinho e Quintino Bocaiúva, e a corrente dos radicais ou românticos, liderada por Aristides Lobo, Silva Jardim e Lopes Trovão.
As lideranças mais radicais que pregavam até mesmo a revolução, como Silva Jardim ou Lopes Trovão, vinham sendo sistematicamente neutralizadas pelos grupos mais conservadores.[4]

               Em 1889, o movimento republicano havia chegado ao auge. No entanto, como não havia possibilidade de mudança dentro da lei, a instauração da República só se faria através de um golpe ou de uma revolução.

Os militares e o golpe

               Os militares não possuíam nenhuma convicção política republicana. No entanto, foram os realizadores do golpe que pôs fim ao Império. As razões para isso devem ser buscadas no corporativismo e nos ressentimentos que os militares tinham para com o governo imperial. Diziam que este não os tratava com o devido merecimento. Merecimento esse que poderia ser traduzido em maior prestígio e poder, dado o enorme esforço de guerra empreendido no Paraguai.[5] Houve também o caso, conhecido como Questão Militar, que envolveu o ministro da Guerra e dois coronéis do Exército, que pode ser tomado como a gota d’água das tensões entre o governo e os militares, já que traduz a velha reivindicação militar contra a interferência política nos seus assuntos institucionais. Esse fato contagiou a baixa oficialidade e os cadetes, além de unir personalidades dos altos escalões militares.[6] Com a notícia de que o governo estava aparelhando a polícia e a Guarda Nacional e de que iria desmobilizar o Exército, este prontamente “pôs-se de pé” e deflagrou o golpe, apoiado tanto pela baixa oficialidade positivista de Benjamim Constant, quanto pelos civis, tanto pelos moderados, quanto pelos radicais, tanto pela classe dominante como pelos grupos representativos das tendências populares.
A classe dominante, acreditando no golpe saneador, via essa ação militar como uma atitude conservadora que evitaria um mal maior, possivelmente representado por uma rebelião que levantasse várias camadas da sociedade e cujas conseqüências poderiam ser imprevisíveis. Os grupos mais exaltados, representativos das tendências populares, viram-no como a possibilidade de exclusão definitiva das velhas oligarquias, do cenário político nacional.[7]


Vitórias e desilusões

               A República brasileira, instaurada em 15 de novembro de 1889, apresentou características próprias que fizeram valer, ou não, os ideais ou os interesses das correntes políticas republicanas. Vejamos os ganhos e as perdas políticas de cada grupo especificamente.
               Os radicais, ou românticos, ou exaltados (Lobo, Jardim, Trovão), foram os primeiros a sentir os impactos políticos do novo regime, a tão sonhada República, à qual dedicaram boa parte das suas vidas. Primeira desilusão: o governo instalado foi uma ditadura provisória, em que o Presidente tinha prerrogativas legislativas até a eleição de uma Assembléia Constituinte. Os privilégios de classe e a estrutura sócio-econômica continuaram os mesmos, até por que, o próprio ato não condisse com o ideário do grupo, que era o de uma República feita a partir de uma revolução popular. Outra desilusão: as eleições das constituintes estaduais e da federal reproduziram o mesmo sistema da época do Império, como a influência do poder local sobre os eleitores, como as fraudes, como o bico-de-pena, entre outras coisas.[8] Para resumir numa frase toda a desilusão sofrida pelos românticos, vem a calhar as palavras de Martinho Prado Júnior: “Esta não é a República dos meus sonhos”.[9]
               Os moderados, ou realistas (Bocaiúva, Marinho), foram a priori derrotados em razão de que a Proclamação teve origem numa quartelada militar. Sendo eles republicanos históricos, não aceitavam o fato de não terem liderado a deposição do antigo regime. Portanto, não puderam instalar nesse primeiro momento o seu ideário republicano, que era o modelo liberal e federalista. Eram contrários à ditadura militar, pois, como representavam a classe dominante, temiam Deodoro por suas posições autoritárias e militaristas, centralistas e anti-liberais. Ao fim, se tornariam os vencedores da luta política com a eleição de Prudente de Morais em 1º de março de 1894.
               Com os positivistas ocorre o contrário do que ocorreu com os realistas. Benjamim Constant, o grande líder do grupo, participou ativamente do golpe e sempre foi tido como um dos fundadores da República. Como Deodoro, os positivistas eram corporativistas (muitos eram militares), além de anti-liberais e defensores da ditadura republicana. No entanto, o próprio Benjamim Constant via o Exército mais como um instrumento do que como um fim,[10] o que não impedia que seu grupo divergisse mais dos históricos que do Marechal. Com a ascensão dos realistas ao poder em 1894, os comtianos brasileiros viram-se também politicamente derrotados. Tudo que lhes sobrou dessa vitória passageira, até os dias de hoje, foi a bandeira da República.

Conclusão: vitória dos grupos oligárquicos

               Como já foi dito, a vitória na luta política coube aos realistas, representantes das oligarquias defensoras do regime republicano.
Para fechar o círculo, havia necessidade de se estabelecer um pacto, que aglutinasse as várias oligarquias. Esse acordo começa a nascer no Congresso Nacional, à época de Deodoro, se fortalece no efêmero Partido Republicano Federal, por ocasião da eleição de Prudente de Morais, e se consolida na “política dos governadores”, ao tempo da presidência Campos Sales. Era uma composição que se baseava na aceitação da hegemonia paulista em nível nacional e, em troca, no reconhecimento da autonomia das oligarquias em nível local.[11]

               Foram instaurados afinal o liberalismo e o federalismo, de uma forma bem peculiar ao Brasil, tal como eram idealizados pelos republicanos históricos moderados de São Paulo. Mudou-se o regime político e manteve-se o status quo sócio-econômico. Nas palavras de Hamilton Monteiro: “(...) mudara-se o regime político porém continuava o velho “mandonismo” oligárquico.”[12]




BIBLIOGRAFIA:


CARVALHO, José Murilo de. As proclamações da República; in: A Formação das Almas: O imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso; in: História da Vida Privada no Brasil 3: República da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

MONTEIRO, Hamilton. Brasil República. São Paulo: Ática, 3 ed., 1994.


[1] MONTEIRO, Hamilton. Brasil República. p. 10.
[2] Ibidem. p. 11
[3] CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. p. 41.
[4] MONTEIRO. Op. cit.. p. 13.
[5] CARVALHO. Op. cit.. p. 39
[6] MONTEIRO. Op. cit.. pp. 18-19
[7] Ibidem. p. 16.
[8] Ibidem. p. 29.
[9] CARVALHO. Op. cit.. p. 52
[10] Ibidem. p. 41.
[11] MONTEIRO. Op. cit.. pp. 69-70.
[12] Ibidem. p. 68.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

A MORTE: NOSSA INCOMPREENDIDA AMIGA


                Hoje é o dia em que se recorda os que morreram. A Igreja Católica chama de Dia de Finados (ou dos Fiéis Defuntos). Mas não precisa ser religioso para vivenciar a data. Alguns não precisam nem de data, não é verdade? A questão é que hoje é o dia para, deliberadamente, parar e pensar nos que morreram, nossos parentes, amigos, ou qualquer outra pessoa importante. Deveria ser um dia, também, para se refletir sobre o significado da própria morte em si. A morte... companheira constante, e um tanto incompreendida, da raça humana.
                Pensar a morte pode parecer para alguns algo mórbido, de mau gosto. À primeira vista, até que sim, mas explorado em seus múltiplos vieses, o assunto pode ser extremamente instigante. Que o digam os artistas. No cinema, a morte pode ser tema, desde filmes de terror, aos dramas, filmes históricos, comédias (quem diria?), e até desenhos animados. Na música, vários de seus aspectos ressaltam, ajudando a compreendê-la melhor. Quem conhece boa música, sabe do que falo. Pode-se ironizá-la, temê-la, amá-la, mas não se pode escapar da sua inevitabilidade. Compreender isso é, sem dúvida, o ponto principal para inseri-la no cotidiano, destemê-la, e assim, torná-la palatável, transformá-la em nossa amiga.
                Amigo da morte? Sim, amigo da morte. E esse dia, mais do que nunca, pelo fato de ela quase materializar-se diante de nós, é o momento propício. E por que? Para criarmos uma ideia fixa doentia pela morte? Não. A questão vai mais além. No meu entender, só fazendo essa aproximação, banalizando-a (no bom sentido), é que podemos vê-la como ela é: algo que não é menos do que já tenhamos visto, que não é pior do que tudo que já passamos, e passaremos. Algo secreto, misterioso, insondável. A morte é o fim? O que há depois dela? Que mal, pior que os que a vida proporciona, ela pode nos fazer? Dependendo da crença religiosa, da situação que se vive, ou de qualquer outro ponto de vista, a morte pode significar passagem, pode significar descanso, pode significar liberdade. Alguns dizem que ela dá graça à vida, sustentando à ideia de que seria uma droga se nunca morrêssemos. Discordâncias à parte, isso só mostra que nem tudo é horrível assim na morte. Tanto que no inferno, não se morre.
Portanto, aproveitemos o ensejo para, mesmo querendo viver a vida em todas as suas possibilidades, melhorarmos nossa relação com a morte. Aceitá-la, como diz Gabriel O Pensador, pois ela “faz parte da vida”. Ela que está além da nossa vontade. Ela que nos iguala, como bem diz Ariano Suassuna. Ela que nos faz mais humanos, diferentes dos deuses, imortais, e dos animais, ignorantes de sua existência. E aproveitemos também para lembrarmos com carinho dos que já foram, seja chorando a eterna saudade, seja esperando o sublime reencontro.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O SENTIDO DA POLÍTICA: DA UTOPIA À REALIDADE, OU A REALIDADE CONTRA A UTOPIA?

O texto a seguir não é meu. É do meu compadre Ângelo Felipe Castro Varela, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É um texto lúcido e bem elaborado, publicado na página do Facebook onde discutimos política, principalmente na nossa cidade natal, Limoeiro do Norte, no interior do Ceará. Vale, entretanto, pra qualquer lugar. Fica também como um substituto ao texto que pretendi escrever, e não o fiz, no dia 22 de Junho, dia de São Thomas Morus, de quem sou devoto.


Opinião - O Sentido da Política: Da utopia a realidade, ou a realidade contra a utopia?

Thomas Morus (pode ser também, Thomas Moore, em tradução inglesa) é um santo, filósofo inglês, do século XVI, escritor de um livro interessantíssimo, chamado A Utopia, cujo enredo se passa em um lugar distante, pra ser mais exato em uma ilha, chamada Utopia (vale lembrar que Utopia é uma palavra, se não me engano, de origem grega, utopos e significa U- Ideal, sonho, e Topos-lugar). Portanto nesse lugar, ideal, Moore, imagina através de um estória, como deveria ser uma sociedade organizada, segundo as suas leis e seu governo, onde assim as pessoas poderiam melhor conviver. Fica fácil saber, como tudo o que não existe e que sonhamos, ou imaginamos, ganha o adjetivo de utópico. Aquilo que não está dado pela a realidade, imaginamos, ideal, utópico. Na verdade, tendemos a compreender e rotular que tudo aquilo que não é realizável com facilidade de utópico que ganha um significado de irrealizável, daí porque utopia passou a ser encarado como coisa, ou sonho irrealizável.

Thomas Moore em seu livro, cujo verniz literário, com personagens fictícios, é um panfleto político, uma vez que ele ataca a sociedade inglesa de seu tempo, principalmente o direito e o governo, onde ele critica a adoção da pena capital como sanção justificada para manter a ordem e a figura autoritária do monarca, cometia falhas e faltas graves, mesmo na defesa da ordem social que ele julgava fazer. Sugeria, Moore, que o governante deveria ter alguns conselheiros e que mesmo os súditos poderiam palpitar sobre a conduta do governante, a fim de melhorá-la. Claro, Moore sabia como ninguém, que o processo de pensar e reformar a sociedade, não aconteceria da noite pro dia. Ele mesmo, amigo pessoal do mornarca, fora perseguido por este e condenado, por criticá-lo e criticar o governo, quando discordava do seu imenso autoritarismo e arrogância, pela falta de liberdade para o pensamento, para a expressão de opiniões. Todavia, ainda assim, Moore não se omitiu diante dos infortúnios da política de seu tempo e reconheceu, em seu leito de morte, que a política também é a capacidade de fazer realizável, aquilo que ainda é irreal, dada a sua atividade criadora.

Ora, se o pobre Moore, não desfrutou de maior liberdade civil e política, os seus anseios e visões, foram suficientes para que a Inglaterra, dezenas de anos mais tarde, pusesse fim a monarquia absolutista, ao direito divino dos reis e promovesse da liberdades civis, do direito a opinião, da expressão, da religiosidade e abolisse a pena de morte, entre outras sanções repressoras e ineficazes. Tornou real, aquilo que era utópico. E assim vale pra a nossa sociedade. As garantias a que temos direito hoje não se edificaram da noite pro dia. As mulheres, nem humanas eram consideradas na Grécia Antiga. No século XIX, aquelas que propunham uma legislação de amparo a direitos de gênero, foram perseguidas, presas, torturadas, mortas. Hoje quem ousa dizer que mulher deve ser mandada e é inferior ao homem? O que pode acontecer se forem agredidas e tratadas com discriminação em seleções de emprego? Foi, ou não, a custo de muita luta e de muitas vidas, que hoje as mulheres desfrutam de melhor condição social e individual? E ainda assim, está longe, do que deveria, pois apesar de tanta legislação, defesa, luta, conquistas, as mulheres ainda sofrem mais com o subemprego e com a violência sexista. Sua luta política, trouxe a utopia feminista para a realidade das políticas de gênero.

E nós, que agora disputamos e conversamos, na realidade virtual, e onde ja sabemos dos resultados das eleições últimas, fazemos e traçamos prognósticos sobre os futuros governos eleitos, que utopia carregamos? Acaso carregamos mesmo alguma? Ora tendemos a julgar e taxar infantil, ingênuo, bobo, idealista aqueles que escrevem e importunam, com idéias, "nada realistas" acerca de como deveria ser uma gestão, no que consideramos pertinente ao ideário democrático. Achamos que essas pessoas escrevem no vazio, não sabem o que é a realidade, vivem a sonhar com o melhor e mais, ainda dizem que estes não se enganjam em nada, pois perdem tempo com seus sonhos e a propor algo que jamais será viável. Muitas pessoas acham que os "idealistas" ignoram a mecânica existente na organização do poder. Engano. Tanto conhecem, que tanto sonham. Tanto sabem, que criticam, que questionam. E estão cansados de tanto saberem, por exemplo, que os novos gestores vão seguir com a mesma liturgia, de indicar, lotear a máquina, assediar funcionários, personalizar e não planejar as ações governamentais. 

Amigos realistas, não pensem que todos os sonhadores não sabem o que se passa em uma sociedade. Não é porque eles escrevem e arriscam a pensar e propor, o que deveria ser feito, que eles ignoram o que continua a ser. Muito longe de ser um Moore, eu sei, como ele, que mudanças não acontecem de uma hora pra outra, sei como se dá a dinâmica da política, ainda mais na realidade tão brasileira que é Limoeiro do Norte. Contudo já aprendi com Moore, que insistindo com as mesmas práticas, o mesmo comportamento, do gestor, do eleitor, do vereador, de todos nós, não haverá mudança. Mesmo Maquiavel, que tanto escreveu sobre os bastidores do poder, tão objetivo como se fala, preferiu omitir suas convicções republicanas, para melhor escrever e descrever a realidade dos principados e a figura do governante. Mas Maquiavel não aceitava aquilo, ele não era maquiavélico. Como bem, comentou Rousseau sobre o filósofo italiano: "Maquiavel fingindo dar lições aos príncipes, deu grandes lições ao povo, que agora pode saber como age o governante somente preocupado com o poder e tão só contigo"

Portanto, ousemos, além dos esquemas reais, não nos resignemos a pensar política somente com o que já é, com os esquemas já pensados e repetidos, como os únicos possíveis. Não há mudança nisso. Não julguem o inconformado, o utópico, como alguém indiferente, ou um ignorante diante do real, Ele, assim como todos nós, também sabe o que a realidade é, por isso que a desafia. O sentido da política parte daquilo que não é, e é bom, para aquilo que é, e que não é, não é eficaz. Todos nós sabemos o que é o melhor. Se não sabemos, ao menos percebemos que repetir a mesma fórmula, e recusar a utopia, e portanto recusar real melhora. Ignorar uma ideia, ou opinião tão contrária à realidade existente é ignorar uma propositura, ou até mesmo alternativa de mudança. Salvemos a política, assumamos seu caráter de arte como bem Platão identificou há milênios, paremos de "celebrar a estupidez humana" como alertou Renato Russo. Vamos recomeçar, fazer da Política sempre a promessa da perfeição.

Atenciosamente,

Ângelo Felipe Castro Varela

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

INCONGRUÊNCIAS NO JULGAMENTO DO MENSALÃO

O julgamento do mensalão está prestes a terminar, possivelmente com a condenação dos réus mais importantes. Seria bom e salutar, se não deixasse nas pessoas uma boa dose de insegurança jurídica. É o julgamento do "ouvi dizer", do plausível, da presunção de culpa. E quem diz tudo isso é um dos jornalistas mais respeitados do país, Paulo Moreira Leite, da insuspeita revista Época. Seu artigo é o que segue. Trata da condenação de José Genoíno, ao qual eu, e acredito que nem ele, não morremos de amor. Mas a questão não é essa. É muito maior. Vale a pena ler atentamente


O lugar de Genoino

Nossos crocodilos ficaram sentimentais. Em toda parte vejo lágrimas que acompanham os votos que condenam José Genoino.
Na imprensa, em conversas com amigos, ouço o comentário, em tom de solidariedade. Parece consciência pesada, em alguns casos.
Não estamos diante de um melodrama mas de uma tragédia.
Genoino está sendo condenado num julgamento marcado por incongruências, denuncias incompletas e presunções de culpa que começam a incomodar estudiosos e acadêmicos. Foi isso que  explicou Margarida Lacombe, professora de Direito da UFRJ, em comentário na Globo News. Sem perder suavidade na voz,  a professora  falou sobre necessidade de provas contundentes quando se pretende privar a liberdade de uma pessoa. Não falou de casos concretos, não criticou. Fez o melhor: informou.  Lembrou como esse ponto – a liberdade – é importante.
Vamos começar.
O STF que está condenando Genoino absolveu Fernando Collor com o argumento de “falta de provas.”
É o mesmo STF que, em tempos muito mais recentes, impediu que o país apurasse, investigasse e punisse a tortura ocorrida no regime militar.
Então ficamos assim. José Genoino, vítima da tortura que o STF impediu que fosse apurada, será condenado por corrupção, ao contrário de Fernando Collor.
Parece o Samba do Crioulo Doido do Stanislaw Ponte Preta. É. Mas não é o texto. E a “realidade brasileira”, como se dizia no tempo em que a polícia política perseguia militantes como Genoino.
Não há provas materiais contra Genoino e tudo que se pode alegar contra ele é menos consistente do que se poderia alegar contra Collor. Mas as provas da  tortura são abundantes. Estão nos arquivos do Brasil Nunca Mais e em outros trabalhos. Foram arrancadas na dor, no sofrimento, na porrada, no sangue e, algumas vezes, na morte. Em plena ditadura, 1918 vítimas da tortura deixaram registros dessa violência nos arquivos da Justiça Militar.  Nenhuma foi apurada e, se depender da decisão do STF, nunca será.
Collor foi beneficiado porque  provas muito contundentes  contra ele foram anuladas. Considerou-se, na época,  que a privacidade do tesoureiro PC Farias havia sido violada quando a Polícia Federal quebrou o sigilo de um computador que servia ao esquema. Essa decisão – em nome da privacidade — salvou Collor.
Você pode dizer que os tempos eram outros e que agora não se aceita mais tanta impunidade. Aceita-se. Basta lembrar que, na mesma época, o mensalão do PSDB-MG virou fumaça na Justiça Comum. E quando Márcio Thomaz Bastos tentou mudar o julgamento do mensalão federal, alegou-se que era no STF que os crimes graves são punidos.
Vamos continuar.
Genoino está sendo condenado  porque “não é plausível” que não soubesse do esquema. “Plausível”, informa o Houaiss,  é sinônimo de aceitável, razoável. Olha o tamanho da subjetividade, da incerteza.
Isso porque ele assinou o pedido de empréstimo de R$ 3,5 milhões para o Banco Rural e por dez vezes refez o pedido.  Não é plausível imaginar que um presidente do PT fizesse tudo isso sem saber de nada, acreditam três ministros do Supremo.
Mas fatos que são líquidos e certos não comoveram a acusação com a mesma clareza.
O empresário Daniel Dantas deu R$ 3,5 milhões para amolecer Delúbio Soares e Marcos Valério e cair nas graças do esquema.  Não foram R$ 3,5 milhões subjetivos mas inteiramente objetivos.
Um pouco mais tarde, seu braço direito Carla Cicco assinou um contrato de R$ 50 milhões com as agências de Marcos Valério para transformar a turma do PT em geléia. Chegaram tarde. Depois de pagar a primeira prestação, a casa caiu e eles suspenderam o pagamento.
Como não gosto de pré-julgar, não acho que Daniel Dantas seja culpado por antecipação. Não acho mesmo. Vai ver que estava tudo lá, bonitinho. Também podia ser ajuda para o Fome Zero rsrsrsrsrs
Ou quem sabe fosse tudo para Valubio.
Mas não teria sido melhor que ele fosse ouvido no tribunal, para mostrar sua inocência?
Não teria sido uma forma de mostrar que a Justiça é cega?
Mas ela não foi.
O esquema privado do mensalão, informa a CPMI, chegou a R$ 200 milhões. Quantos empresários foram lá, dar explicações? Nenhum.
Alguém acha plausível, aceitável, razoável, que fossem inocentados por antecipação?
Não há nada “plausível” que se possa fazer com R$ 200 milhões?
Só a Telemig, que pertencia ao grupo Opportunity, de Daniel Dantas, entregou mais dinheiro às agências de Valério do que o Visanet, que jogou o petista Henrique Pizzolato na vala dos condenados logo nos primeiros dias.
O que é plausível, neste caso?
Nós sabemos – e ninguém duvida disso – que Genoino fazia política o tempo inteiro. Fez isso a vida toda, com tamanha inquietação que,  numa fase andou pela guerrilha do Araguaia e, em outra, ficou tão moderado que parecia que ia preencher ficha de ingresso no PSDB.
Chegou a liderar um partido revolucionário à esquerda do PC do B e depois integrou as correntes mais à direita do PT.
Então vamos lá. É plausível imaginar que Genoino tenha ido atrás de recursos de campanha? Sim. É plausível e até natural. Basta deixar de ser hipócrita para compreender. Política se faz com quadros, imprensa, propaganda, funcionários. Isso custa dinheiro.
Isso fez dele um dirigente que subornava  adversários para convencê-los a mudar de lado, como quer a acusação? Não.
Eu não acho plausível, nem aceitável nem razoável. Duvido inteiramente, aliás.
E se eu tiver errado, quero que me provem – de forma clara, contundente. Sem essas suposições, sem um quebra-cabeças que joga com a liberdade humana.
Sem fogueira de tantas vaidades.
Não chore por nós Genoino.
Alegou-se que a tortura não poderia ser apurada para preservar a transicão democrática.
A democracia avançou, as conquistas foram imensas. Mas os perseguidos, no fundo, bem no fundo, são os mesmos.
Não é um melodrama. É uma tragédia.

GLOBO INVERTE PRINCÍPIO BÁSICO DO DIREITO

Do Brasil 247:


Pilar do direito penal, a expressão latina “in dubio pro reo” é o princípio que assegura, em todas as constituições democráticas, a “presunção de inocência”. Ou seja: se determinado juiz tem dúvidas sobre a culpabilidade de determinado réu, deve absolvê-lo.
Na sessão de ontem, Ricardo Lewandowski disse que as provas apresentadas por Joaquim Barbosa e Roberto Gurgel contra José Dirceu não o convenceram. Direito seu. E foi justamente a sua dúvida que garantiu o primeiro voto a favor do ex-ministro da Casa Civil. Rosa Weber e Luiz Fux, ao contrário, aceitaram os argumentos da acusação. Por isso mesmo, o placar até agora está 3 a 1 pela condenação.
Julgar os votos de cada juiz é algo que vai além da capacidade da maioria dos mortais. Cada um deles julgou de acordo com o que leu nos autos e com a sua própria consciência. O erro, no entanto, está na manchete desta sexta-feira do Globo, em sua notícia de maior destaque sobre o mensalão. “Pode ser, mas absolvo”, informa o jornal, resumindo o pensamento de Lewandowski, quando o correto seria “Pode ser e, por isso mesmo, absolvo”.
Se há dúvida, a única hipótese, prevista em lei, é a absolvição. Ocorre que, no Brasil, com um julgamento sendo insuflado pelas torcidas organizadas nos meios de comunicação, o princípio “in dubio pro reo” foi convertido em “in dubio pau no réu”. E também no juiz.
"Votei de acordo com minha consciência e com meu compromisso com a Constituição, não tenho por que estar constrangido", disse Lewandowski à coluna Painel, da Folha de S.Paulo, sobre as intervenções dos colegas durante seu voto. "Enunciei meu voto com base em preceitos legais, doutrinários e jurisprudenciais".
José Dirceu será condenado e Lewandowski também.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

MORRE O INTÉRPRETE DA "ERAS", ERIC HOBSBAWN


              


             Se a tarefa do historiador é contar a História sem ser um simples contador, como na analogia machadiana, exerceu-a com esmero o judeu britânico nascido no Egito, com antepassados austríacos (puxa vida), Eric Hobsbawn, morto nessa segunda feira em Londres, aos 85 anos. Digo isso porque, apesar de adotar o estilo narrativo para tratar da História, coisa um tanto quanto execrada nos meios acadêmicos atuais, Hobsbawn soube interpretar como poucos, por exemplo, a dinâmica factual da Europa na chamada Idade Contemporânea, separando a mesma nas famosas “eras”(das revoluções, do capital, dos impérios e dos extremos).
                Hobsbawn não foi o melhor historiador de seu tempo. Nem mesmo entre os marxistas ingleses. Um professor meu, possivelmente com razão, o pôs em quinto lugar nesse quesito, numa lista encabeçada por Edward Thompson, e logo atrás do meu preferido Perry Anderson, que ficou em quarto. Mas sua produção não pode ser em nenhum momento descartada. Ainda mais por ser um sujeito sui generis. Além de condensar narrativa e análise, como explicitado acima, ele quebrou outro tabu da academia: escrevia livros para leigos. Aliás, era lido por eles, o que é muito mais significante. Eu, pessoalmente, acho isso um serviço de monta que um intelectual pode prestar para o resto da humanidade.
                Outro ponto que se distinguia nele, e que sempre vinha a baila quando ele era o assunto, era a sua extrema lucidez, mesmo na idade avançada. Vi hoje uma entrevista sua na Globo News, gravada a pouco tempo, em que destrincha os assuntos com leveza e maturidade surpreendentes. O momento que achei mais interessante foi quando o interlocutor perguntou, baseado numa frase de um livro que dizia algo como um temor do futuro, o que é que ele mais temia nos anos vindouros. A resposta foi simples e objetiva: “o enfraquecimento do Estado”. Segundo ele isso geraria, na teoria e na prática, a ideia de mercado totalmente, e ilimitadamente, livre, que por sua vez só poderia trazer desigualdade, e sua filha e neta, qual sejam, instabilidade social e violência. Todo esse pano de fundo só tenderia a fortalecer, no campo político, ideias como xenofobia, racismo, guetismo, e a extrema-direita seria a maior beneficiada. E por fim, ao invés de resolver a questão, essas ideias, como já mostrou a própria História, causariam novas e mais vorazes tragédias, muito mais difíceis de remediar que as anteriores. Uma análise e tanto, não?
                Pra finalizar, uma frase dita por ele na mesma entrevista. Apesar da aparente obviedade, tem uma mensagem singular para todos nós, seres humanos progressistas: “O mundo não vai melhorar se não lutarmos por um mundo melhor”. Simples, quase redundante. Mas é um alerta contra o indiferentismo, contra aquela ideia de esperar que as coisas caiam do céu. É um tapa em nós, progressistas de qualquer religião, doutrina ideológica, partido político ou matiz intelectual, para nos engajarmos na luta, seja na arte, no trabalho, na universidade, na internet, nos templos ou nos movimentos sociais. Ajamos, pois a democracia, a igualdade, a justiça social, não vão cair no nosso colo. Podemos considerar isso, inclusive, como uma última lição do eminente professor. E que lição! 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

LIBERDADE PARA INSULTAR? O DIREITO DE BLASFEMAR 2


                Eu, como todo mundo, gosto de defender o que é bom pra mim. Gosto de defender os meus amigos e minha família. Mas acima de tudo, gosto de defender o que acredito ser correto, mesmo que isso vá de encontro ao que é melhor e conveniente para mim e para os meus. Ou mesmo que isso não diga respeito a mim diretamente. É o paradigma deontológico: deve-se fazer e defender o que é certo, doa a quem doer.
                O assunto de hoje é liberdade religiosa e liberdade de expressão. E venho de novo para criticar a anomalia ética e intelectual, que se costuma chamar de “direito de blasfemar”. Já me pronunciei sobre isso em outra oportunidade (O DIREITO DE BLASFEMAR, de 13 de janeiro).  Na verdade, essa anomalia baseia-se em outra, muito mais nociva: a crença de que liberdade é sinônimo de vale-tudo.
                Mas do que esse cara tá falando? Bem, recentemente foi lançado, ou estar para ser, um filme sobre a vida do profeta Maomé, intitulado, no original, Innocence of Muslims (Inocência dos Muçulmanos, creio). A obra tem gerado confusões em todo o mundo islâmico, pois os maometanos a veem, pelo seu conteúdo contundente e satírico, como um insulto à sua crença. Se eles têm razão, não sei, mas pelo que vejo, a coisa é escabrosa.
                Como deixei claro na outra postagem, há uma tendência em achar que criticar a religião é algo moderno e progressista. Aquele que faz isso sente-se a lançar luzes à humanidade, a considerá-la acossada por séculos de obscurantismo religioso. Vide os sucessos de Deus, um Delírio, das Fitas do Ateísmo, do filme Zeitgeist, e de humoristas como George Carlin e o grupo Monty Python. A religião está na berlinda nos últimos anos, e qualquer defesa a ela ou a algo que ela encarne ferozmente (a luta contra o aborto é um exemplo claríssimo) ou é replicado brutalmente, sem argumentação, ou é sumariamente eliminado. Ou seja, contra a religião, e porque não dizer contra os religiosos, tudo vale a causa. Parodiando Voltaire, o iluminista: “O homem que me diz ‘não creia, como eu, ou serás sempre um iludido, ou um delirante’, amanhã me dirá ‘não creia, como eu, ou serás excluído da sociedade.” Sei que é exagero, mas em alguns meios, como o acadêmico, a coisa vai por aí.  
                Quero deixar claro, como deixei na outra postagem, que não acho que os religiosos tenham o monopólio da bondade e da justiça, vide os crimes cometidos em nome de Deus em toda a história. Mas também não acho que ateus, agnósticos, laicistas, ou quaisquer outros inimigos da crença no sobrenatural o tenham, vide também os crimes cometidos pelas revoluções Francesa, Russa e Chinesa, entre outras, contra religiosos, pelo simples fato de serem religiosos. Acontece o mesmo no caso do filme supracitado. Não acho que a melhor maneira de se reagir às ofensas (e símbolos e personalidades religiosas são coisas caras a seus adeptos, sendo portanto uma ofensa vil atacá-los gratuitamente)  seja o uso da violência. Assim como não acho que a agressão à crença alheia seja uma forma legítima de discutir a questão. Ah, quer dizer que não posso fazer críticas a personalidades religiosas? Não é isso. Quem argumenta dessa forma desvirtua o ponto importante da questão. O que não se pode fazer, sob o risco de perder respaldo intelectual e argumentativo, é ofender, xingar, atacar, por pura canalhice, o que o semelhante tem como um valor sem medida, como suas crenças. Se eu, como católico, tenho que respeitar umbandistas, protestantes e ateus, entre outros, estes também me devem respeito. RESPEITO, palavra que abunda nas bocas, mas que é escassa nas práticas. Só tendo isso bem claro se é capaz de dar sentido verdadeiro à palavra liberdade.

PS: Para uma análise mais aprofundada e fundamentada da questão específica do filme, estou tentando fazer download do mesmo, pelo Ares. Após assisti-lo, escreverei outra postagem, desta vez com conhecimento de causa e análise dos detalhes. 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

É TEMPO DE (DES)POLÍTICA: AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS


                Para aqueles que, como eu, pensam a política como algo importante, e que sua ação deve se pautar por ideias e princípios, a eleição municipal é um tremendo desapontamento. Ocorre de tudo nos pleitos locais: xingamentos, fanatismo, proselitismo exacerbado. O que menos ocorre é política.
                Não que com o nível de consciência do nosso eleitorado, isso não aconteça nas eleições estaduais e nacionais, mas no município a coisa é endêmica, quase estrutural, principalmente nos do interior, como o meu. Observe qualquer fórum de discussão nas redes sociais, converse com qualquer pessoa numa calçada, e você irá confirmar o que estou dizendo. As pessoas não votam naqueles que acham mais honesto, mais preparado, com as melhores ideias. Quase ninguém pensa a sua cidade no conjunto, globalmente, com o mínimo de espírito cívico. Vota-se em quem é parente. Vota-se em quem garante empregos fáceis aos amigos. Vota-se em “quem papai vota”. Enfim, vota-se num prefeito, ou num vereador, como quem escolhe a cor da camisa que se usa. O cara não vota naquele que vai cuidar da cidade, mas naquele que vai cuidar dos seus interesses particulares. Muitos não vão assumir isso, principalmente os pedantes com ar de politizado, mas quase todo mundo age assim. Claro que há os convictos, esclarecidos, mas representam tanto a minoria, que seus apelos por uma análise mais consciente chegam a agredir a maioria.
                Sendo assim, eleições municipais, no mais das vezes, se configuram como momentos de despolítica. São momentos em que o ataque e o insulto, valem mais que o argumento. Em que o parentesco com alguém importante é uma qualidade. Em que a filiação partidária, pouco ou nada importa, sendo praticamente um acessório obsoleto. Em que todas as práticas feias da política (clientelismo, nepotismo, fisiologismo) são assumidas a plenos pulmões, sem constrangimentos, e alçadas a qualidades de um homem prático e preparado para o poder. São momentos decepcionantes, mas que nos motivam para continuar a luta, a nós, homens conscientes e politizados. Façamos então do nosso pequeno gesto, umas dedadinhas numa urna, algo como que um protesto contra todo esse horrível atraso. Quem sabe com o tempo, as pessoas se conscientizem do valor que ele tem para o bem da cidade e para a saúde da democracia. 

sábado, 18 de agosto de 2012

A ARROGÂNCIA DO EX-IMPÉRIO

Depois de uma cansativa semana de trabalho, estava eu lendo alguns blogs na rede, me preparando para escrever sobre a ameaça, por parte do governo britânico, aquele mesmo que deu asilo a Pinochet, contra a embaixada do Equador em Londres, quando me deparei com este belo artigo de Paulo Moreira Leite, que trata sobre o mesmo assunto. Apesar de trabalhar num órgão da mídia manipuladora, a revista Época, Paulo merece toda a nossa admiração, pois sempre trata os assuntos com o máximo possível de razão e imparcialidade. Segue o artigo, que pode ser lido também em http://colunas.revistaepoca.globo.com/paulomoreiraleite/

LIBERDADES SELETIVAS


Pois é, meus amigos. Coube ao governo de Rafael Correa, apontado como inimigo da liberdade de imprensa, acusado de ser um candidato a ditador latino-americano, boliviariano de carteirinha, a primeira e até agora única iniciativa para defender os direitos de Julian Assange, o patrono do Wikileaks, responsável pelas mais importantes revelações sobre a diplomacia norte-americana desde a a liberação dos papéis do Pentágono, durante a Guerra do Vietnã.
Você sabe a história. Com auxílio de fontes militares, Assange divulgou pelos principais jornais do planeta um pacote de documentos internos do Departamento de Estado. Mostrou políticos locais bajulando embaixadores. Desmascarou demagogos e revelou pilantras sempre a postos a prestar favores a Washington, contrariando os interesses de seus países.
Graças a Assange, fomos informados de que a embaixada dos EUA em Tegucigalpa sempre soube que a queda de Manoel Zelaya, em 2009, foi um golpe de Estado – e não uma ação em defesa da democracia, como Washington passou a acreditar quando se constatou que seus aliados de sempre haviam se livrado de um adversário bolivariano para governar o país com os métodos reacionários de sempre.
Não é qualquer coisa, quando se sabe que, três anos mais tarde, outro elo fraco da democracia no continente – o Paraguai – seria derrubado num golpe instantâneo, desta vez com apoio de Washington desde o primeiro minuto.
As informações divulgadas por Assange não têm aquela função de entretenimento cotidiano, que alimenta a indústria de comunicação com sua carga regular de fofocas, escândalos, e vez por outra,  grandes reportagens – relevantes ou não.
Ele também não é uma Yaoni Sanchez, a dissidente cubana que faz oposição ao regime de Fidel Castro. Yaoni deveria ter todo o direito de trabalhar em paz, ninguém discute.
Num período de Murdoch na Inglaterra e jornalismo cachoeira no Brasil, Assange atua em outra esfera e assumiu relevância mundial.
Veicula informações de interesse público, confiáveis e fidedignas, que nos ajudam a entender como o mundo funciona nos bastidores da vida real e não nos coquetéis promovidos por empresas de relações públicas. Seu trabalho contribui, efetivamente, para elevar a consciência de nossa época. E é por isso que incomoda tanto. Pressionadas, até corporações financeiras gigantescas, como Visa e Master Cards, deixaram de receber as contribuições que sustentavam o Wikileaks.
Num mundo em que tantos pilantras e delinquentes se enrolam na bandeira da liberdade de expressão para aplicar golpes e divulgar mentiras, Assange recoloca em termos atuais o debate sobre sigilo da fonte. Defender o sigilo da fonte, muitas vezes, é apenas uma obrigação em nome de um direito maior, que envolve uma proteção universal.
A defesa da liberdade de imprensa, muitas vezes, é feita apesar da imprensa. APESAR de seus erros, apesar de seus desvios, não se pode aceitar  a censura e por isso defendemos o direito da imprensa errar. É essa situação que leva muitas pessoas a defender – com indignação risível – profissionais e veículos que cometem grandes barbaridades e veiculam delinquências em letras de forma só porque tem certeza da própria impunidade.
Julian Assange provocou escândalos porque não precisava ser tolerado nem defendido. Jamais publicou uma informação errada. Jamais pode ser acusado de falsificar um único dado. E, em nova ironia da história, o soldado  que é apontado como  sua fonte permanece preso, incomunicável, há quase 3 anos, num quartel dos Estados Unidos.
Com tais antecedentes, você não teria receio de ser raptado e levado sem julgamento para uma prisão nos EUA?
Estamos assim. Libera-se a fonte dos picaretas e malandros. Prende-se  a fonte do Wikileaks. Murdoch e seus empregados que espionavam famílias e cidadãos inocentes, corrompendo policiais para conseguir segredinhos e ganhar dinheiro, tem direito a constituir advogado, comparecem a julgamento, se defendem. Já o Wikileaks é tratado na força bruta.
Há outra ironia, porém. Abrigado na representação do Equador em Londres, Assange precisa de um salvo conduto para deixar o país. O governo Cameron  se recusa a fornecer o documento. Conforme notícia dos jornais, até ameaça invadir a embaixada, o que seria, vamos combinar, um escândalo dentro de outro. Assim, o governo  que protegeu e alimentou tantos empregados de Rupert Murdoch e sua fábrica de mentiras, resolve jogar duro contra uma organização que até agora só publicou verdades indesmentíveis.
Tempos estranhos, não?

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

ESTAMOS DE VOLTA


            Todo aquele que escreve, pode fazê-lo pelos mais variados motivos. Há quem o faça comercialmente. Há quem o faça por dever profissional. Pode-se escrever por passatempo, para documentar um momento ou para informar os outros. No meu caso, não sei por que o faço. Será por vaidade? Ou será para buscar espaço? Será por achar que tenho algo importante para dizer? Talvez. Não sei. O que sei é que acho necessário fazer isso, nem que seja pra ficar em paz comigo mesmo.
            Foi partindo dessa premissa, que decidi reativar o blog, que estava parado desde abril, primeiro por falta de acesso meu à rede, e depois porque voltei a trabalhar, após dois anos praticamente parado, o que me tomou toda a concentração. Nesse meio tempo, no entanto, senti falta desse espaço. Percebi que precisava expor opiniões, defender e criticar ideias. E que escrever é uma boa maneira de colocar tudo pra fora. Percebi também que precisava fazer alguns ajustes, para melhorar o conteúdo do blog, a periodicidade das postagens, e o número de leitores:
1.      Para manter os textos de forma que não atrapalhe meu tempo de trabalho, será publicado, no mínimo, um texto de minha autoria por semana, mais especificamente nos sábados. Isso não quer dizer que não possam surgir outras eventuais postagens, ou postagens de outros autores. Significa que, com a menor tiragem, os textos serão maiores e mais bem trabalhados. E há assuntos de sobra para serem tratados, como o julgamento do mensalão ou o novo programa do Pedro Bial.
2.                                 O blog terá uma nova página, a ser produzida com o tempo, em que serão publicados textos longos, de muitas páginas, como minha monografia, e de outras pesquisas que estou fazendo, sobre teologia da libertação, intolerância religiosa, racismo e sexismo, aborto, história das Copas do Mundo e jornalismo na era Lula, entre outras coisas, como alguns romances que já estou preparando. Isso levará tempo, mas já adiantarei espaço para ler no blog.
3.                                  Estou também tentando aumentar o número de leitores. Esse é um ponto importante, porque são os leitores que fazem a dinâmica do negócio, principalmente os que comentam e, dentre estes, principalmente os que discordam. Esse blog pode funcionar sem leitores, e funcionará, como já vem fazendo, mas não tem a mesma graça. Se tiver de ser assim, no entanto, paciência! Já tentei Orkut e Twitter, mas acho que o Facebook é o melhor instrumento para publicizar o blog. Vou manter o meu (http://www.facebook.com/jorgeluiz.maiadefreitas.7) sempre atualizado e informado sobre novidades. Espero sinceramente que surta efeito. Se não, tentaremos outros caminhos no futuro.
4.      Alguns coisas mantêm-se, como as páginas “Você Sabia? Para Formadores de Opinião”, que tentarei rechear com mais informações, e “Música Imprescindível”. No último caso, será mantida a de abril (a ótima Jardim das Acácias, de Zé Ramalho), reestreando a partir de setembro.
No mais, os assuntos e as ideias são as mesmas. Agradeço àqueles que continuaram lendo o blog, mesmo parado, e aos meus distintos seis seguidores. E antecipo meus agradecimentos àqueles que vierem a visitá-lo e, principalmente, comentá-lo, nem que seja pra fazer críticas. Meu interesse é colaborar com os debates. Quem quiser colaborar também, o espaço está aberto. Até porque, aqui nada é censurado. Obrigado!
Estamos de volta!!! 

quarta-feira, 11 de abril de 2012

DEMÓSTENES E A FATALIDADE CONSERVADORA


Por Paulo Moreira Leite:

Confesso que nada era tão previsível quanto o destino de Demóstenes Torres. Como até os petistas aprenderam com a própria pele, nada é tão enganoso nem tão pode ser tão autodestrutivo como o discurso moralista.
A experiência ensina que o moralismo é um texto falso, porque tem como base uma visão fantasiosa das sociedades humanas.
Considera que há pessoas de carater límpido e sem manchas de nenhuma espécie, incapazes de mentir, de fazer mal ao próximo, de ter segredos inconfessáveis e ambições que condenam em público mas cultivam na vida privada.
Como a vida real não é assim, cedo ou tarde os moralistas são desmentidos pelos fatos e desmascarados pelas próprias atitudes.
Claro que nem sempre é necessário um grampo da Polícia Federal para apanhar um falso moralista mas vamos combinar que, neste caso, estávamos diante de um profissional da categoria.
O que sobra?
Depende.  Apesar do mensalão,  o PT e Lula tinham onde pisar,  como um movimento contra  desigualdade, a favor dos direitos dos trabalhadores e dos mais humildes, pelo fortalecimento da ação social do Estado, pelo crescimento e pelo emprego.
O problema de seus adversários é mais profundo. Quando perdem a superfície moralista, não resta muita coisa. Por que?
Porque o conservadorismo, particularmente nos países menos desenvolvidos — ou emergentes, ou Brics, ou dependentes, ou semi-atrasados  – não tem uma perspectiva de melhoria de vida dos mais pobres e menos protegidos.

Lembra de 1989, quando os conservadores quiseram colocar uma fantasia moderna no senador Mário Covas? Deu o “choque de capitalismo” que acabou com sua projeção nacional.
O silêncio tucano sobre a sorte dos mais humildes é absoluto depois que o Plano Real derrubou a inflação.
Já o DEM de Demóstenes sequer foi capaz de abrir a boca nessas questões. Até porque, às vezes, um movimento mais brusco pode exibir um laço com o passado do regime militar que é preferível manter esquecido.
A perspectiva história do conservadorismo é diminuir o Estado. Quer tirá-lo da economia, se possível da educação e também da saúde. Concorda em privatizar até mesmo uma parte da segurança pública e é claro que sonha em transformar nossa sociedade de cabelos brancos num mercado cativo para a previdência privada.
Se isso é difícil mesmo nos países avançados, que assiste hoje ao doloross ajuste de contas da desregulamentação e do fim dos empregos produtivos, imagine no Brasil, este país onde o salário médio gira em trono de R$ 1500 mensais.
Saúde privada? Escola particular? Segurança privada?
Não tem como. Não tem renda suficiente e aquela que está aí continua difícil de distribuir na base da caridade.
Este é o problema. Após três derrotas nas eleições presidenciais, o conservadorismo brasileiro segue sem um programa para melhorar as condições de vida da maioria população.

Só lhe resta torcer contra. O discurso do moralista é um pega-ladrão permanente.
Imagine como seria difícil o mundo do moralista se não tivesse pecados alheios para denunciar.

Iria  oferecer o quê a quem tem frio, fome e sede?
Por essa razão o moralismo evita discutir, concretamente, medidas que possam contribuir para diminuir os abusos, desvios e irregularidades que marcam o cotidiano do Estado brasileiro.
Seu segredo é despolitizar a política, esconder o debate por trás de muita histeria.
Finge que não há um problema com uma legislação que transformou a campanha eleitoral numa corrida por verbas privadas — e o ato de governar numa prestação de contas pelos favores recebidos.
Dá a impressão de que não há uma preferência política pela manutenção do sistema que aí está, onde o poder econômico cria duas classes de eleitores, os privilegiados que compram influência com seu dinheiro, e o homem comum, indignado com a própria impotência.

Num sistema mais transparente, capaz de distribuir recursos à vista de todos, o moralista não tem o que fazer — nem o que dizer. Sequer poderia fingir que sente raiva para obter alguma identificação com os eleitores.
Este é o ponto. Condenados a pregar a moralidade, cedo ou tarde os moralistas acabam destruídos por ela. E não sobra nada. Nada. Nada mesmo.