Hoje é o dia da Proclamação da República. Podemos ver, até hoje, que passados 123 anos, muita coisa ainda fica a desejar, quando se trata do verdadeiro trato com a "coisa pública". Em virtude disso, achei interessante destacar que os males vêm desde a origem. Publico aqui, então, um texto feito por mim em 2006, que foi avaliado para a obtenção de uma nota na disciplina História do Brasil II. Fala exatamente sobre os vencedores do 15 de novembro e, consequentemente, da desilusão de grupos que queriam uma coisa diferente. Se seria mesmo, não se sabe. Não cabe ao historiador dar essas respostas. Mas fica aqui como um registro interessante das ideias que permeavam o período, muitas vezes esquecidas nos livros, e das primeiras tentativas literárias desse humilde blogueiro.
As
ideologias republicanas
A
propaganda republicana vem à tona no Brasil a partir de 1870, tendo como
estopim três fatos ocorridos na capital do Império: a fundação do Clube
Republicano, o lançamento do famoso Manifesto de 3 de dezembro e a 1ª edição do
jornal A República. No entanto, é
somente a partir do primeiro Congresso do Partido Republicano Paulista, em
julho de 1873, que a ação se torna mais organizada.[1] O
republicanismo ganha notoriedade por tratar principalmente de três questões: a
campanha pela eleição direta, pela abolição, e também por darem suporte civil às
reivindicações militares.[2]
Cresce vertiginosamente nos anos finais do Império, penetrando em todo o país,
passando a representar pela primeira vez uma preocupação para as autoridades
locais e imperiais.
No
entanto, apesar do crescimento, a campanha republicana só se mostrou
praticamente ativa na capital do Império, e nas províncias de São Paulo e do
Rio Grande do Sul. E cada uma dessas unidades se mantinha sob a influência de
uma determinada corrente política dentro do pensamento republicano. No Rio
Grande predominou um forte cunho autoritário, baseado no pensamento
positivista, tendo como liderança principal Júlio de Castilhos. A liderança
mais proeminente desta tendência em âmbito nacional era Benjamim Constant.
Os sociocráticos, ou
positivistas, eram inimigos abertos da democracia representativa, para eles
característica do estado metafísico da humanidade. Em seu lugar deveria ser
implantada a ditadura republicana, forma de governo inspirada tanto na tradição
clássica romana como na figura de Danton (...). O ditador republicano
governaria por toda a vida e escolheria seu sucessor.[3]
As lideranças mais
radicais que pregavam até mesmo a revolução, como Silva Jardim ou Lopes Trovão,
vinham sendo sistematicamente neutralizadas pelos grupos mais conservadores.[4]
Em
1889, o movimento republicano havia chegado ao auge. No entanto, como não havia
possibilidade de mudança dentro da lei, a instauração da República só se faria
através de um golpe ou de uma revolução.
Os militares e o golpe
Os
militares não possuíam nenhuma convicção política republicana. No entanto,
foram os realizadores do golpe que pôs fim ao Império. As razões para isso
devem ser buscadas no corporativismo e nos ressentimentos que os militares
tinham para com o governo imperial. Diziam que este não os tratava com o devido
merecimento. Merecimento esse que poderia ser traduzido em maior prestígio e
poder, dado o enorme esforço de guerra empreendido no Paraguai.[5]
Houve também o caso, conhecido como Questão Militar, que envolveu o ministro da
Guerra e dois coronéis do Exército, que pode ser tomado como a gota d’água das
tensões entre o governo e os militares, já que traduz a velha reivindicação
militar contra a interferência política nos seus assuntos institucionais. Esse
fato contagiou a baixa oficialidade e os cadetes, além de unir personalidades dos
altos escalões militares.[6]
Com a notícia de que o governo estava aparelhando a polícia e a Guarda Nacional
e de que iria desmobilizar o Exército, este prontamente “pôs-se de pé” e
deflagrou o golpe, apoiado tanto pela baixa oficialidade positivista de
Benjamim Constant, quanto pelos civis, tanto pelos moderados, quanto pelos
radicais, tanto pela classe dominante como pelos grupos representativos das
tendências populares.
A classe dominante, acreditando no golpe saneador, via essa ação
militar como uma atitude conservadora que evitaria um mal maior, possivelmente
representado por uma rebelião que levantasse várias camadas da sociedade e
cujas conseqüências poderiam ser imprevisíveis. Os grupos mais exaltados,
representativos das tendências populares, viram-no como a possibilidade de exclusão
definitiva das velhas oligarquias, do cenário político nacional.[7]
Vitórias e desilusões
A
República brasileira, instaurada em 15 de novembro de 1889, apresentou
características próprias que fizeram valer, ou não, os ideais ou os interesses
das correntes políticas republicanas. Vejamos os ganhos e as perdas políticas
de cada grupo especificamente.
Os
radicais, ou românticos, ou exaltados (Lobo, Jardim, Trovão), foram os
primeiros a sentir os impactos políticos do novo regime, a tão sonhada República,
à qual dedicaram boa parte das suas vidas. Primeira desilusão: o governo
instalado foi uma ditadura provisória, em que o Presidente tinha prerrogativas
legislativas até a eleição de uma Assembléia Constituinte. Os privilégios de
classe e a estrutura sócio-econômica continuaram os mesmos, até por que, o
próprio ato não condisse com o ideário do grupo, que era o de uma República
feita a partir de uma revolução popular. Outra desilusão: as eleições das
constituintes estaduais e da federal reproduziram o mesmo sistema da época do
Império, como a influência do poder local sobre os eleitores, como as fraudes,
como o bico-de-pena, entre outras coisas.[8]
Para resumir numa frase toda a desilusão sofrida pelos românticos, vem a calhar
as palavras de Martinho Prado Júnior: “Esta não é a República dos meus sonhos”.[9]
Os
moderados, ou realistas (Bocaiúva, Marinho), foram a priori derrotados em razão de que a Proclamação teve origem numa
quartelada militar. Sendo eles republicanos históricos, não aceitavam o fato de
não terem liderado a deposição do antigo regime. Portanto, não puderam instalar
nesse primeiro momento o seu ideário republicano, que era o modelo liberal e
federalista. Eram contrários à ditadura militar, pois, como representavam a
classe dominante, temiam Deodoro por suas posições autoritárias e militaristas,
centralistas e anti-liberais. Ao fim, se tornariam os vencedores da luta
política com a eleição de Prudente de Morais em 1º de março de 1894.
Com
os positivistas ocorre o contrário do que ocorreu com os realistas. Benjamim
Constant, o grande líder do grupo, participou ativamente do golpe e sempre foi
tido como um dos fundadores da República. Como Deodoro, os positivistas eram
corporativistas (muitos eram militares), além de anti-liberais e defensores da
ditadura republicana. No entanto, o próprio Benjamim Constant via o Exército
mais como um instrumento do que como um fim,[10] o
que não impedia que seu grupo divergisse mais dos históricos que do Marechal.
Com a ascensão dos realistas ao poder em 1894, os comtianos brasileiros
viram-se também politicamente derrotados. Tudo que lhes sobrou dessa vitória
passageira, até os dias de hoje, foi a bandeira da República.
Conclusão: vitória dos grupos
oligárquicos
Como
já foi dito, a vitória na luta política coube aos realistas, representantes das
oligarquias defensoras do regime republicano.
Para fechar o
círculo, havia necessidade de se estabelecer um pacto, que aglutinasse as
várias oligarquias. Esse acordo começa a nascer no Congresso Nacional, à época
de Deodoro, se fortalece no efêmero Partido Republicano Federal, por ocasião da
eleição de Prudente de Morais, e se consolida na “política dos governadores”,
ao tempo da presidência Campos Sales. Era uma composição que se baseava na
aceitação da hegemonia paulista em nível nacional e, em troca, no
reconhecimento da autonomia das oligarquias em nível local.[11]
Foram
instaurados afinal o liberalismo e o federalismo, de uma forma bem peculiar ao
Brasil, tal como eram idealizados pelos republicanos históricos moderados de
São Paulo. Mudou-se o regime político e manteve-se o status quo sócio-econômico. Nas palavras de Hamilton Monteiro: “(...)
mudara-se o regime
político porém continuava o velho “mandonismo” oligárquico.”[12]
BIBLIOGRAFIA:
CARVALHO, José Murilo de. As
proclamações da República; in: A
Formação das Almas: O imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.
SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio
republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso; in: História da Vida Privada no Brasil 3:
República da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
MONTEIRO, Hamilton. Brasil República. São Paulo: Ática, 3
ed., 1994.
[1]
MONTEIRO, Hamilton. Brasil República.
p. 10.
[2] Ibidem. p. 11
[3]
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das
Almas: O Imaginário da República no Brasil. p. 41.
[4]
MONTEIRO. Op. cit.. p. 13.
[5]
CARVALHO. Op. cit.. p. 39
[6]
MONTEIRO. Op. cit.. pp. 18-19
[7] Ibidem. p. 16.
[8] Ibidem. p. 29.
[9]
CARVALHO. Op. cit.. p. 52
[10] Ibidem. p. 41.
[11]
MONTEIRO. Op. cit.. pp. 69-70.
[12] Ibidem. p. 68.