quinta-feira, 15 de novembro de 2012

AS TENDÊNCIAS E O ATO: AS “REPÚBLICAS” IDEAIS E A REPÚBLICA REAL.

Hoje é o dia da Proclamação da República. Podemos ver, até hoje, que passados 123 anos, muita coisa ainda fica a desejar, quando se trata do verdadeiro trato com a "coisa pública". Em virtude disso, achei interessante destacar que os males vêm desde a origem. Publico aqui, então, um texto feito por mim em 2006, que foi avaliado para a obtenção de uma nota na disciplina História do Brasil II. Fala exatamente sobre os vencedores do 15 de novembro e, consequentemente, da desilusão de grupos que queriam uma coisa diferente. Se seria mesmo, não se sabe. Não cabe ao historiador dar essas respostas. Mas fica aqui como um registro interessante das ideias que permeavam o período, muitas vezes esquecidas nos livros, e das primeiras tentativas literárias desse humilde blogueiro.



As ideologias republicanas

               A propaganda republicana vem à tona no Brasil a partir de 1870, tendo como estopim três fatos ocorridos na capital do Império: a fundação do Clube Republicano, o lançamento do famoso Manifesto de 3 de dezembro e a 1ª edição do jornal A República. No entanto, é somente a partir do primeiro Congresso do Partido Republicano Paulista, em julho de 1873, que a ação se torna mais organizada.[1] O republicanismo ganha notoriedade por tratar principalmente de três questões: a campanha pela eleição direta, pela abolição, e também por darem suporte civil às reivindicações militares.[2] Cresce vertiginosamente nos anos finais do Império, penetrando em todo o país, passando a representar pela primeira vez uma preocupação para as autoridades locais e imperiais.
               No entanto, apesar do crescimento, a campanha republicana só se mostrou praticamente ativa na capital do Império, e nas províncias de São Paulo e do Rio Grande do Sul. E cada uma dessas unidades se mantinha sob a influência de uma determinada corrente política dentro do pensamento republicano. No Rio Grande predominou um forte cunho autoritário, baseado no pensamento positivista, tendo como liderança principal Júlio de Castilhos. A liderança mais proeminente desta tendência em âmbito nacional era Benjamim Constant.
Os sociocráticos, ou positivistas, eram inimigos abertos da democracia representativa, para eles característica do estado metafísico da humanidade. Em seu lugar deveria ser implantada a ditadura republicana, forma de governo inspirada tanto na tradição clássica romana como na figura de Danton (...). O ditador republicano governaria por toda a vida e escolheria seu sucessor.[3]

               Em São Paulo quem davam as cartas eram os moderados, que evitavam atacar acintosamente o problema da escravidão, preferindo solicitar reformas legislativas, decidindo inclusive, se aliar com os conservadores em algumas eleições. Já a capital do Império via-se dividida entre a corrente moderada, liderada por Saldanha Marinho e Quintino Bocaiúva, e a corrente dos radicais ou românticos, liderada por Aristides Lobo, Silva Jardim e Lopes Trovão.
As lideranças mais radicais que pregavam até mesmo a revolução, como Silva Jardim ou Lopes Trovão, vinham sendo sistematicamente neutralizadas pelos grupos mais conservadores.[4]

               Em 1889, o movimento republicano havia chegado ao auge. No entanto, como não havia possibilidade de mudança dentro da lei, a instauração da República só se faria através de um golpe ou de uma revolução.

Os militares e o golpe

               Os militares não possuíam nenhuma convicção política republicana. No entanto, foram os realizadores do golpe que pôs fim ao Império. As razões para isso devem ser buscadas no corporativismo e nos ressentimentos que os militares tinham para com o governo imperial. Diziam que este não os tratava com o devido merecimento. Merecimento esse que poderia ser traduzido em maior prestígio e poder, dado o enorme esforço de guerra empreendido no Paraguai.[5] Houve também o caso, conhecido como Questão Militar, que envolveu o ministro da Guerra e dois coronéis do Exército, que pode ser tomado como a gota d’água das tensões entre o governo e os militares, já que traduz a velha reivindicação militar contra a interferência política nos seus assuntos institucionais. Esse fato contagiou a baixa oficialidade e os cadetes, além de unir personalidades dos altos escalões militares.[6] Com a notícia de que o governo estava aparelhando a polícia e a Guarda Nacional e de que iria desmobilizar o Exército, este prontamente “pôs-se de pé” e deflagrou o golpe, apoiado tanto pela baixa oficialidade positivista de Benjamim Constant, quanto pelos civis, tanto pelos moderados, quanto pelos radicais, tanto pela classe dominante como pelos grupos representativos das tendências populares.
A classe dominante, acreditando no golpe saneador, via essa ação militar como uma atitude conservadora que evitaria um mal maior, possivelmente representado por uma rebelião que levantasse várias camadas da sociedade e cujas conseqüências poderiam ser imprevisíveis. Os grupos mais exaltados, representativos das tendências populares, viram-no como a possibilidade de exclusão definitiva das velhas oligarquias, do cenário político nacional.[7]


Vitórias e desilusões

               A República brasileira, instaurada em 15 de novembro de 1889, apresentou características próprias que fizeram valer, ou não, os ideais ou os interesses das correntes políticas republicanas. Vejamos os ganhos e as perdas políticas de cada grupo especificamente.
               Os radicais, ou românticos, ou exaltados (Lobo, Jardim, Trovão), foram os primeiros a sentir os impactos políticos do novo regime, a tão sonhada República, à qual dedicaram boa parte das suas vidas. Primeira desilusão: o governo instalado foi uma ditadura provisória, em que o Presidente tinha prerrogativas legislativas até a eleição de uma Assembléia Constituinte. Os privilégios de classe e a estrutura sócio-econômica continuaram os mesmos, até por que, o próprio ato não condisse com o ideário do grupo, que era o de uma República feita a partir de uma revolução popular. Outra desilusão: as eleições das constituintes estaduais e da federal reproduziram o mesmo sistema da época do Império, como a influência do poder local sobre os eleitores, como as fraudes, como o bico-de-pena, entre outras coisas.[8] Para resumir numa frase toda a desilusão sofrida pelos românticos, vem a calhar as palavras de Martinho Prado Júnior: “Esta não é a República dos meus sonhos”.[9]
               Os moderados, ou realistas (Bocaiúva, Marinho), foram a priori derrotados em razão de que a Proclamação teve origem numa quartelada militar. Sendo eles republicanos históricos, não aceitavam o fato de não terem liderado a deposição do antigo regime. Portanto, não puderam instalar nesse primeiro momento o seu ideário republicano, que era o modelo liberal e federalista. Eram contrários à ditadura militar, pois, como representavam a classe dominante, temiam Deodoro por suas posições autoritárias e militaristas, centralistas e anti-liberais. Ao fim, se tornariam os vencedores da luta política com a eleição de Prudente de Morais em 1º de março de 1894.
               Com os positivistas ocorre o contrário do que ocorreu com os realistas. Benjamim Constant, o grande líder do grupo, participou ativamente do golpe e sempre foi tido como um dos fundadores da República. Como Deodoro, os positivistas eram corporativistas (muitos eram militares), além de anti-liberais e defensores da ditadura republicana. No entanto, o próprio Benjamim Constant via o Exército mais como um instrumento do que como um fim,[10] o que não impedia que seu grupo divergisse mais dos históricos que do Marechal. Com a ascensão dos realistas ao poder em 1894, os comtianos brasileiros viram-se também politicamente derrotados. Tudo que lhes sobrou dessa vitória passageira, até os dias de hoje, foi a bandeira da República.

Conclusão: vitória dos grupos oligárquicos

               Como já foi dito, a vitória na luta política coube aos realistas, representantes das oligarquias defensoras do regime republicano.
Para fechar o círculo, havia necessidade de se estabelecer um pacto, que aglutinasse as várias oligarquias. Esse acordo começa a nascer no Congresso Nacional, à época de Deodoro, se fortalece no efêmero Partido Republicano Federal, por ocasião da eleição de Prudente de Morais, e se consolida na “política dos governadores”, ao tempo da presidência Campos Sales. Era uma composição que se baseava na aceitação da hegemonia paulista em nível nacional e, em troca, no reconhecimento da autonomia das oligarquias em nível local.[11]

               Foram instaurados afinal o liberalismo e o federalismo, de uma forma bem peculiar ao Brasil, tal como eram idealizados pelos republicanos históricos moderados de São Paulo. Mudou-se o regime político e manteve-se o status quo sócio-econômico. Nas palavras de Hamilton Monteiro: “(...) mudara-se o regime político porém continuava o velho “mandonismo” oligárquico.”[12]




BIBLIOGRAFIA:


CARVALHO, José Murilo de. As proclamações da República; in: A Formação das Almas: O imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso; in: História da Vida Privada no Brasil 3: República da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

MONTEIRO, Hamilton. Brasil República. São Paulo: Ática, 3 ed., 1994.


[1] MONTEIRO, Hamilton. Brasil República. p. 10.
[2] Ibidem. p. 11
[3] CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. p. 41.
[4] MONTEIRO. Op. cit.. p. 13.
[5] CARVALHO. Op. cit.. p. 39
[6] MONTEIRO. Op. cit.. pp. 18-19
[7] Ibidem. p. 16.
[8] Ibidem. p. 29.
[9] CARVALHO. Op. cit.. p. 52
[10] Ibidem. p. 41.
[11] MONTEIRO. Op. cit.. pp. 69-70.
[12] Ibidem. p. 68.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

A MORTE: NOSSA INCOMPREENDIDA AMIGA


                Hoje é o dia em que se recorda os que morreram. A Igreja Católica chama de Dia de Finados (ou dos Fiéis Defuntos). Mas não precisa ser religioso para vivenciar a data. Alguns não precisam nem de data, não é verdade? A questão é que hoje é o dia para, deliberadamente, parar e pensar nos que morreram, nossos parentes, amigos, ou qualquer outra pessoa importante. Deveria ser um dia, também, para se refletir sobre o significado da própria morte em si. A morte... companheira constante, e um tanto incompreendida, da raça humana.
                Pensar a morte pode parecer para alguns algo mórbido, de mau gosto. À primeira vista, até que sim, mas explorado em seus múltiplos vieses, o assunto pode ser extremamente instigante. Que o digam os artistas. No cinema, a morte pode ser tema, desde filmes de terror, aos dramas, filmes históricos, comédias (quem diria?), e até desenhos animados. Na música, vários de seus aspectos ressaltam, ajudando a compreendê-la melhor. Quem conhece boa música, sabe do que falo. Pode-se ironizá-la, temê-la, amá-la, mas não se pode escapar da sua inevitabilidade. Compreender isso é, sem dúvida, o ponto principal para inseri-la no cotidiano, destemê-la, e assim, torná-la palatável, transformá-la em nossa amiga.
                Amigo da morte? Sim, amigo da morte. E esse dia, mais do que nunca, pelo fato de ela quase materializar-se diante de nós, é o momento propício. E por que? Para criarmos uma ideia fixa doentia pela morte? Não. A questão vai mais além. No meu entender, só fazendo essa aproximação, banalizando-a (no bom sentido), é que podemos vê-la como ela é: algo que não é menos do que já tenhamos visto, que não é pior do que tudo que já passamos, e passaremos. Algo secreto, misterioso, insondável. A morte é o fim? O que há depois dela? Que mal, pior que os que a vida proporciona, ela pode nos fazer? Dependendo da crença religiosa, da situação que se vive, ou de qualquer outro ponto de vista, a morte pode significar passagem, pode significar descanso, pode significar liberdade. Alguns dizem que ela dá graça à vida, sustentando à ideia de que seria uma droga se nunca morrêssemos. Discordâncias à parte, isso só mostra que nem tudo é horrível assim na morte. Tanto que no inferno, não se morre.
Portanto, aproveitemos o ensejo para, mesmo querendo viver a vida em todas as suas possibilidades, melhorarmos nossa relação com a morte. Aceitá-la, como diz Gabriel O Pensador, pois ela “faz parte da vida”. Ela que está além da nossa vontade. Ela que nos iguala, como bem diz Ariano Suassuna. Ela que nos faz mais humanos, diferentes dos deuses, imortais, e dos animais, ignorantes de sua existência. E aproveitemos também para lembrarmos com carinho dos que já foram, seja chorando a eterna saudade, seja esperando o sublime reencontro.