“Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está
escrito: ‘Minha é a vingança; eu retribuirei’, diz o Senhor. Ao contrário: ‘Se
o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber.
Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele’. Não se deixem
vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem.” (Rm 12, 19-21)
Estava
assistindo à missa de Quarta-Feira de Cinzas, e o jovem padre escolhe como tema
da homilia a misericórdia, e como exercê-la no período da Quaresma que se
iniciava. A reflexão seguia normalmente, quando a certa altura ele diz mais ou
menos o seguinte: “A pessoa que afirma BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO não está
consciente do plano de Deus.” Nesse momento tive a impressão de ter visto um
rapaz à minha frente balançar a cabeça desaprovando o que fora dito. Impressão
ou não, aquilo me despertou para algo bem real: a quantidade considerável de
pessoas que frequentam Igrejas, cantam hinos e são sempre cheios de palavras
bíblicas de amor e misericórdia, e que defendem esse tipo de ideia, qual seja,
a de que a solução para a violência generalizada seja um Estado violento e
policialesco, que contra “vagabundos” (uma palavra cujo significado sempre
depende de uma série de circunstâncias) atire primeiro e pergunte depois.
Devo
dizer que não sou um pacifista, embora admire em alto grau quem o seja. Não há
nada mais nobre pra se defender que a paz. Acho a violência um mal necessário,
como já coloquei naquele que foi o primeiro artigo de meu blog (http://blog1do1jorge1.blogspot.com.br/2011/12/guerrilha-violencia-como-um-mal.html),
desde que orientada contra algo injusto, e que tenha um fim necessariamente
bom. Isso é cristão inclusive: alguns santos católicos, como Joana D’Arc, eram
guerreiros. Mas é importante reiterar: mesmo necessária, a violência é um mal.
Para um bom cristão, ela deve ser evitada ao máximo. “A justiça se defende com
a razão, e não com as armas. Não se perde nada com a paz, e pode-se perder tudo
com a guerra.” Não são palavras minhas, mas do Papa João XXIII.
Dito
isso, é de causar espanto ver tanto cristão, não aqueles de boca, mas aqueles
que o senso comum chamaria de “praticante”, seduzir-se tanto por ideias, e
pessoas, violentas. A ideia de BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO não é evangélica.
Isso é tão evidente, que nos aumenta o espanto. Ou Jesus não foi morto como
bandido? O que dizer de São Dimas, São Paulo e São Longino (chamado comumente
de Lunguinho, o dos “três pulinhos”)? O primeiro era um ladrão, e foi
crucificado com Cristo; o segundo, um assassino e perseguidor de cristãos
(colaborou na morte de Santo Estêvão); o terceiro, um dos carrascos de Jesus,
mais especificamente o que lhe enfiou a lança quando já morto (Longino quer
dizer “lança”). Onde ficaria a lógica de um cristão espantoso desses diante de
exemplos de homens que “fizeram o diabo”, e se converteram? E que não só se
salvaram, mas viraram santos? Exemplos como esses, que deveriam ser conhecidos
por cristãos “praticantes” deveriam, no mínimo, acender o alerta: epa, vamos com
calma!
É
costume do pessoal do BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO dizer que quem não pensa como
eles defende bandidos. Esse é um argumento falso e asqueroso. Quando vem de um
cristão “praticante”, mais ainda. Nunca vi ninguém dizer que bandido não deve
ser punido. O que se defende, quando se pensa com o cérebro e não com o fígado,
é que a punição deve vir como manda a lei, e respeitando coisas sagradas, como
devido processo e direito de defesa. Todas as vezes que essas coisas não são
respeitadas, todo mundo perde. Na Bíblia, até Sodoma e Gomorra mereceram a
defesa de Abraão, como se dissesse: “Vamos com calma, e se tiver lá dez
justos?” Um cristão que se preze reza, canta, participa de grupos, se exibe com
camisetas e postagens, se revolta com a injustiça, mas sobretudo defende o que
é justo com serenidade e razoabilidade. Não com ódio espumando pela boca.
“Felizes os que promovem a paz, pois serão chamados Filhos de Deus”. (Mt 5, 9)
Quem disse foi Nosso Senhor, não eu. Tá na Bíblia, não é invenção minha.
Infelizmente, cristãos que deviam saber e propagar isso, não o fazem. Afinal
foi uma jornalista dita “defensora dos valores cristãos” quem disse: “Adote um
bandido”. Mal sabe a pobre de espírito que há quem adote mesmo. Que existem
pastorais e grupos religiosos que cuidam do bem estar de presos, no espírito do
Evangelho. E como ela, existem piores. O político xodó dos “defensores da
família cristã”, o famigerado Bolsonaro (que Deus lhe dê a graça da conversão
verdadeira), defende tortura, ditaduras militares, justiçamento e armamentismo.
“Devolve a espada ao seu lugar, pois todos os que tomarem a espada perecerão
pela espada.” (Mt 26, 52) De novo foi Jesus quem disse. Chegou a hora dos
cristãos decidirem: seguir o Evangelho, ou os profetas do ódio. Não se pode
seguir a ambos.
Sugiro,
portanto, aos ditos cristãos que propagam esse tipo de pensamento que revejam
seus conceitos, ou que pelo menos parem de usar a religião cristã como
justificativa para isso. Se dizer cristão, citar a Bíblia, é bonitinho. Mas o
ataque ao que é injusto deve ser feito com calma. Cuidado com os falsos
profetas! Com esse discurso, eles não vêm de Deus, pelo menos não dAquele dos
Evangelhos.