terça-feira, 4 de abril de 2017

"BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO" À LUZ DO EVANGELHO

“Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito: ‘Minha é a vingança; eu retribuirei’, diz o Senhor. Ao contrário: ‘Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele’. Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem.” (Rm 12, 19-21)

                Estava assistindo à missa de Quarta-Feira de Cinzas, e o jovem padre escolhe como tema da homilia a misericórdia, e como exercê-la no período da Quaresma que se iniciava. A reflexão seguia normalmente, quando a certa altura ele diz mais ou menos o seguinte: “A pessoa que afirma BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO não está consciente do plano de Deus.” Nesse momento tive a impressão de ter visto um rapaz à minha frente balançar a cabeça desaprovando o que fora dito. Impressão ou não, aquilo me despertou para algo bem real: a quantidade considerável de pessoas que frequentam Igrejas, cantam hinos e são sempre cheios de palavras bíblicas de amor e misericórdia, e que defendem esse tipo de ideia, qual seja, a de que a solução para a violência generalizada seja um Estado violento e policialesco, que contra “vagabundos” (uma palavra cujo significado sempre depende de uma série de circunstâncias) atire primeiro e pergunte depois.
                Devo dizer que não sou um pacifista, embora admire em alto grau quem o seja. Não há nada mais nobre pra se defender que a paz. Acho a violência um mal necessário, como já coloquei naquele que foi o primeiro artigo de meu blog (http://blog1do1jorge1.blogspot.com.br/2011/12/guerrilha-violencia-como-um-mal.html), desde que orientada contra algo injusto, e que tenha um fim necessariamente bom. Isso é cristão inclusive: alguns santos católicos, como Joana D’Arc, eram guerreiros. Mas é importante reiterar: mesmo necessária, a violência é um mal. Para um bom cristão, ela deve ser evitada ao máximo. “A justiça se defende com a razão, e não com as armas. Não se perde nada com a paz, e pode-se perder tudo com a guerra.” Não são palavras minhas, mas do Papa João XXIII.
                Dito isso, é de causar espanto ver tanto cristão, não aqueles de boca, mas aqueles que o senso comum chamaria de “praticante”, seduzir-se tanto por ideias, e pessoas, violentas. A ideia de BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO não é evangélica. Isso é tão evidente, que nos aumenta o espanto. Ou Jesus não foi morto como bandido? O que dizer de São Dimas, São Paulo e São Longino (chamado comumente de Lunguinho, o dos “três pulinhos”)? O primeiro era um ladrão, e foi crucificado com Cristo; o segundo, um assassino e perseguidor de cristãos (colaborou na morte de Santo Estêvão); o terceiro, um dos carrascos de Jesus, mais especificamente o que lhe enfiou a lança quando já morto (Longino quer dizer “lança”). Onde ficaria a lógica de um cristão espantoso desses diante de exemplos de homens que “fizeram o diabo”, e se converteram? E que não só se salvaram, mas viraram santos? Exemplos como esses, que deveriam ser conhecidos por cristãos “praticantes” deveriam, no mínimo, acender o alerta: epa, vamos com calma!
                É costume do pessoal do BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO dizer que quem não pensa como eles defende bandidos. Esse é um argumento falso e asqueroso. Quando vem de um cristão “praticante”, mais ainda. Nunca vi ninguém dizer que bandido não deve ser punido. O que se defende, quando se pensa com o cérebro e não com o fígado, é que a punição deve vir como manda a lei, e respeitando coisas sagradas, como devido processo e direito de defesa. Todas as vezes que essas coisas não são respeitadas, todo mundo perde. Na Bíblia, até Sodoma e Gomorra mereceram a defesa de Abraão, como se dissesse: “Vamos com calma, e se tiver lá dez justos?” Um cristão que se preze reza, canta, participa de grupos, se exibe com camisetas e postagens, se revolta com a injustiça, mas sobretudo defende o que é justo com serenidade e razoabilidade. Não com ódio espumando pela boca. “Felizes os que promovem a paz, pois serão chamados Filhos de Deus”. (Mt 5, 9) Quem disse foi Nosso Senhor, não eu. Tá na Bíblia, não é invenção minha. Infelizmente, cristãos que deviam saber e propagar isso, não o fazem. Afinal foi uma jornalista dita “defensora dos valores cristãos” quem disse: “Adote um bandido”. Mal sabe a pobre de espírito que há quem adote mesmo. Que existem pastorais e grupos religiosos que cuidam do bem estar de presos, no espírito do Evangelho. E como ela, existem piores. O político xodó dos “defensores da família cristã”, o famigerado Bolsonaro (que Deus lhe dê a graça da conversão verdadeira), defende tortura, ditaduras militares, justiçamento e armamentismo. “Devolve a espada ao seu lugar, pois todos os que tomarem a espada perecerão pela espada.” (Mt 26, 52) De novo foi Jesus quem disse. Chegou a hora dos cristãos decidirem: seguir o Evangelho, ou os profetas do ódio. Não se pode seguir a ambos.

                Sugiro, portanto, aos ditos cristãos que propagam esse tipo de pensamento que revejam seus conceitos, ou que pelo menos parem de usar a religião cristã como justificativa para isso. Se dizer cristão, citar a Bíblia, é bonitinho. Mas o ataque ao que é injusto deve ser feito com calma. Cuidado com os falsos profetas! Com esse discurso, eles não vêm de Deus, pelo menos não dAquele dos Evangelhos. 

quinta-feira, 23 de março de 2017

A GREVE E OS "VAGABUNDOS"

As cabeças levantadas
Máquinas paradas
Dia de pescar
Pois quem toca o trem pra frente
Também de repente
Pode o trem parar
(Chico Buarque)

                É início de primavera em Chicago, mais precisamente 1º de maio. As flores brotam por conta das chuvas de abril (“April showers bring May flowers”). O ano é o longínquo 1886. Milhares de “vagabundos” saem às ruas por não aceitarem mais o regime de trabalho de 13 horas. Queriam reduzir para oito. Bando de preguiçosos! Suas indolentes reivindicações ainda incluíam absurdos como receber salários nas férias e dias de descanso, e a continuar recebendo mesmo depois de trabalhar, até a morte. Bando de vagabundos! A polícia, como não podia ser diferente, para defender a lei e a ordem que fazem o orgulho da democracia americana, terra de oportunidades e empreendedorismo, parte pra cima e mata dezenas de “vagabundos”. Tivessem trabalhando, isso não aconteceria. Mas o efeito não foi o esperado. No dia 5, outra baderna. Mas não adiantou. Os líderes foram presos e condenados à morte. Viva o progresso, e a ordem! Mas não foi só isso. Em 1889 um Congresso de comunistas e anarquistas (mais “vagabundos”), com certeza citado nos famigerados “livros do MEC”, estabeleceu a data mundial da vagabundagem, 1º de maio: dia do trabalho em que ninguém trabalha. Ainda mais no Brasil, cheio de “vagabundos remunerados”, no dizer de um deputado gaúcho, com certeza alguém que nem dormir dorme.
                De lá pra cá, muita coisa mudou. Ninguém mais é condenado à morte, e todas as legislações do mundo civilizado garantem o direito à greve, direito basilar de reivindicação pacífica e democrática. Como “vagabundo” que sou, já participei de algumas, inclusive como estudante. Mas algumas cabeças continuam enterradas, na verdade chumbadas no solo, daquele distante século XIX. O mundo caminha pra frente, mas essa gente insiste em puxar de volta. Com a justificativa de que a expectativa de vida aumentou (plausível até certo ponto), o governo quer obrigar o cidadão a receber aposentadoria integral apenas após 49 anos de serviço. Uma vida adulta inteira, praticamente. Alguém como eu, que começou a trabalhar aos 29, teria de esperar até os 78. Um “vagabundo”, ainda que “remunerado”, não aguenta tanto. Só nos resta isso: aproveitar que fazer greve hoje é legal e descontar na sociedade. Afinal, é isso mesmo que irão dizer os jornais. Do alto da consciência sacrifical do seu trabalho árduo e voluntário em prol do país, eles podem apontar o dedo na cara de nós, “vagabundos”. Eu sei que é absurdo querermos envelhecer em paz, e com remuneração, querermos melhorias nas condições de trabalho e salariais, querermos respeito pelo que fazemos, mas fazer o quê? Isso não justifica. Vejam os deputados, que mesmo não tendo o suficiente, trabalham diuturnamente pelo bem do país. Perguntam antes o que podem fazer, não o que podem receber. Ser grevista deveria nos envergonhar, mas “vagabundo” não tem consciência.

                Tanto assim, que ainda queremos tolher o direito heroico de alguns de furarem greve, direito sagrado de “ir e vir”, garantido pelo artigo 5º, inciso XV da Constituição de 88, a mesma que, ironicamente, garante o direito de greve como um direito coletivo (artigo 9º). Mas esses são, com certeza, subterfúgios para amparar a “vagabundagem”, que por isso mesmo, domina o país. O cara não é obrigado a participar de reuniões de sindicato, embora se beneficie dos ganhos que uma greve possa ter. Mas com certeza, teve essa graça por seu trabalho, não pela baderna de “vagabundos”. Ele pode até dizer que é proibido de participar das deliberações sindicais, o que, conhecendo como se conhece a “vagabundagem”, tem tudo pra ser verdade. Portanto, vale aqui isso como uma lição, principalmente pros mais jovens, os que foram atingidos em cheio pela “iluminação” que só um Bolsonaro ou um Luiz Carlos Prates, ou um Olavo (“cu da sua mãe”) podem oferecer, em meio ao esquerdismo “vagabundo” reinante: esculhambemos os “vagabundos” que fazem greve, pois são eles que atrasam o Brasil. Não sejam como eles. Trabalhem pensando somente no bem do país, não reclamem do que ganham, não prejudiquem os outros, e por fim, saibam que terão a honra de um dia entrar no mercado de trabalho, de onde nenhum “vagabundo” os tirará, a não ser morto. Viva o trabalho! Morte aos “vagabundos”! E sem feriado desta vez, odiamos feriado e dia santo. É coisa de... “vagabundo”!