sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

VOTO DISTRITAL: SOLUÇÃO OU PROBLEMA MAIOR?


            A tão esperada reforma política tem tudo pra sair do papel no início de 2012. As discussões estão avançadíssimas e propostas surgem de todos os lados. O interesse da maioria é buscar melhoras no processo eleitoral e no regime de representação que garantam o aperfeiçoamento do sistema democrático no Brasil. Uma das propostas que está fazendo mais sucesso hoje é a do voto distrital, defendida pela direita e por seus instrumentos de opinião como a única que pode garantir o avanço do país a um sistema democrático perfeito, imune à corrupção e mais próximo do eleitor.
            As justificativas para a defesa desse sistema, adotado na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, entre outros países, são várias, mas delas podemos tirar três principais. Primeiramente, o cidadão passaria a ter maior controle do Congresso, pois se lembraria daquele que foi eleito pelo seu distrito, mesmo sem ter votado nele. No sistema atual, ou mesmo em qualquer sistema proporcional, o candidato votado nem sempre é lembrado depois. Outro ponto é que com esse sistema, o parlamentar teria que prestar contas a um eleitorado mais plural, eliminando assim os representantes do que alguns chamam de lobbies (sindicatos, empresas, minorias, movimentos populares, etc.). Por fim, argumenta-se que o custo de campanha cairia, pois um candidato a deputado não teria que buscar eleitores no amplo espaço do estado, mas no pequeno espaço do distrito.
            Parece lindo, mas infelizmente não é. Nada no mundo pode provar que isso se daria de fato. Muito pelo contrário. Senão, vejamos. Todos sabem quem é o prefeito de sua cidade. Isso quer dizer que tenhamos mais controle sobre o que ele faz? Por ele ter sido eleito de forma majoritária, significa que ele defende ou busca representar a pluralidade? Por algum acaso uma eleição pra prefeito possui um custo assim tão baixo? E olhe que um município é, em tese, menor que um distrito estadual.
            O que se esquece de dizer é que, onde é aplicado, o voto distrital tende sempre a ser excludente e bipartidário. Isso jamais poderia ser sinônimo de pluralidade. Num sistema como esses as minorias (sociais, culturais, partidárias) não possuem espaço nenhum no parlamento. Um partido pode ter de 10 a 15% dos votos e não ter nenhuma cadeira. Isso obriga alguns partidos à inexistência ou à obsolescência. Não pela vontade popular, mas artificialmente. Afinal, 15% são 15%. Além do mais, achar que apenas dois partidos possam simbolizar todos os pressupostos políticos de um conjunto de eleitores é balela. Os matizes políticos são diversos (conservadores, liberais, social-democratas, progressistas, trabalhistas, socialistas, comunistas) e todos eles têm o direito de disputar a escolha livre do eleitor. Por ser assim, tendente ao bipartidarismo, o voto distrital leva ao voto útil, tirando a espontaneidade da escolha do eleitor, assim como a uma fabricação artificial de maioria, em que o partido mais votado (isso pode significar tanto 70 quanto 30%) recebe mais cadeiras que votos, como bem assinalou Alberto Carlos Almeida em artigo recente. Diz ele: “No voto distrital o vencedor leva tudo ("the winner takes all"). A nossa Câmara dos Deputados tem 513 representantes e o partido mais votado, o PT, ficou com 80 cadeiras. No voto distrital o PT teria ficado provavelmente com 280 cadeiras, isto é, mais do que 50% dos assentos. Hoje o primeiro-secretário da Câmara é o deputado Eduardo Gomes, do PSDB do Tocantins, um parlamentar da oposição. Isso jamais ocorreria se o PT tivesse 280 cadeiras. Ao contrário, toda a mesa da Câmara seria composta por deputados petistas. No sistema distrital, a maioria simplesmente manda e ocupa todos os espaços. Em todos os países com voto distrital, a mesa da câmara é 100% controlada pelo partido que tem a maioria, e o mesmo acontece para todas as comissões legislativas. Funciona novamente aqui o princípio do vencedor leva tudo.” (Alberto Carlos Almeida, disponível em http://www.valor.com.br/brasil/1001740/o-voto-distrital-e-excludente)
            No rastro de toda essa comédia de erros, vale salientar que o voto distrital, por eleger majoritariamente, incentiva ao conflito, e não ao consenso, como também destaca Almeida. Isso se dá por que o voto majoritário é próprio para cargos do poder executivo, onde tem que haver coesão ideológica para uma boa administração. O poder legislativo, pelo contrário caracteriza-se pela pluralidade de idéias. As palavras-chave são consenso, acordo, debate. Com o voto distrital e seu apelo ao conflito, o parlamento se torna um mini poder executivo, transformando a democracia numa espécie de ditadura legalizada, onde ou não há oposição, ou ela é tão minoritária que não tem poder nenhum.
            E há também problemas mais técnicos. Se a idéia vingar, quantos distritos haveria por cada estado? Eles teriam que ser diferentes para deputado estadual e federal? Como se resolveria isso? Parece fácil, mas não é. E ainda há o seguinte: o discurso do deputado tenderia a ser mais regional e menos ideológico. Sua postura quanto a problemas mais globais torna-se uma incógnita. E mais: se o indivíduo é eleito majoritariamente, o partido se torna obsoleto. O mandato é dele e ele pode fazer o que quiser depois. Toda a luta que se desenrola até hoje por fidelidade partidária ou coisas do gênero, que fortaleceriam a coerência de idéias e posturas de quem exerce um mandato, iria para o ralo. Problemas que se criariam e soluções que seriam deixadas para trás.
            Por fim, há um problema de ordem pessoal, que atinge a mim, e com certeza deve atingir um bom número de outros eleitores. Sou do interior do Ceará. Nunca votei para deputado em candidatos da minha cidade ou região. Primeiro, por não defenderem o povo da minha região. Segundo, porque isso não é o que se deve esperar de um deputado, principalmente federal: defender uma região. Ou um município. Para isso, elegemos prefeitos e vereadores. O que interessa de um candidato a deputado federal é sua postura quanto aos problemas de âmbito nacional e, por que não, internacional. Eleger para um cargo desses um indivíduo que só fala na sua região, mimando seus eleitores com palavras bonitas, é um completo desserviço à democracia e à dignidade do cargo que deve ocupar, de tanta relevância para a nação.  

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

TOMÁS E FREDERICO PARTE 1: SAÚDE E EDUCAÇÃO


Tomás e Frederico são dois grandes amigos, que gostam muito de conversar. Conversam sobre qualquer assunto, esportes, política, arte, literatura, história, religião, etc.. Só que eles são meio diferentes. Tomás gosta muito de ler e estudar, tendo um conhecimento mais apurado das coisas. Frederico é mais relapso. A única coisa que ele lê são jornais e revistas, o que faz com que ele tenha uma visão mais enviesada do mundo. Às vezes eles discutem feio quando discordam de alguma coisa. Mas nada que abale muito a amizade entre eles.
Outro dia eles tiveram a seguinte conversa:
F: Os professores precisam ganhar mais dinheiro. Só assim a educação pública poderá melhorar.
T: Concordo com você, o salário do professor está muito aquém do esperado para o seu nível de formação. Mas, infelizmente, a educação pública não pode se resolver tão fácil assim. Se fosse assim a saúde pública seria uma beleza, visto o salário dos médicos. E no entanto?
F: Como assim Tomás?
T: Salário alto não garante, por si só, qualidade no serviço. As escolas particulares, aquelas em que todo mundo quer por os filhos, são as que, geralmente, pagam mal os professores. E mesmo assim são consideradas as melhores. O fato é que eles são desrespeitados de qualquer maneira.
F: No meu tempo os professores eram respeitados, mesmo ganhando pouco.
T: Pois é. Mas essa bomba estourou agora. A profissão do magistério passa hoje por um processo enorme de degradação e proletarização, que o torna indigno de respeito por todos, Estado, diretores, alunos e sociedade em geral. No Brasil, que nunca se preocupou com a educação primária no decorrer de sua história, e continua a não se preocupar, isso se torna extremamente gritante. E o intuito, com isso, é garantir a manteneção do status quo.
F: Manteneção do quê?
T: Manter tudo do mesmo jeito. Conservar a desigualdade social: pobres continuarem pobres e ricos continuarem ricos. Como a educação é a porta para a ascensão social e para o acesso à verdadeira cidadania, basta fechar essa porta e tudo continua na mesma. Além disso, pessoas pobres e deseducadas são, infelizmente, mais facilmente manipuladas e menos organizadas para reivindicar seus direitos. Por isso a educação e a saúde públicas, voltadas para esse grupo de pessoas, continuam a ser a desgraça que são hoje. Quem tem dinheiro paga plano de saúde e escola particular, e fica tudo resolvido. E os professores são considerados simples funcionários desse esquema.
F: Mas outro dia desses eu li que alguns professores, principalmente de história e geografia, estão tentando impor, à força, ideologias na cabeça dos alunos.
T: Você e suas revistas! Mas não é isso mesmo o que a sua revista faz com seus leitores? Essa questão de ideologia é falácia. Todo discurso é ideológico, pois parte de uma interpretação da realidade. Assim são os professores e assim também é a imprensa. Esta última se chateia porque os professores de humanas apresentam um contraponto fortíssimo ao que ela sempre pregou. Por isso todo esse discurso de que o nível da formação deles é baixo, de que seus livros didáticos são ideológicos e de que é necessário monitorar o que é dito em sala de aula, além da ênfase que se dá à formação técnica, sem necessidade das disciplinas de humanas. Tudo isso busca acabar com a autonomia do professor, tão necessária para uma nação desenvolvida e democrática quanto a liberdade de imprensa, inclusive de dizer essas besteiras. Transformar o professor em um mero reprodutor do discurso do sistema.
F: E o que você acha de acabar com a gratuidade nas universidades?
T: Isso é outra besteira, não dá certo no Brasil. Aliás, como muitas idéias importadas. Os caras vêem propostas que dão certo em países de uma cultura completamente diferente, como a Coréia e os Estados Unidos, por exemplo, e que são adequadas à mentalidade de lá, e querem impor à força ao Brasil. Na verdade, o que eles querem é acabar com a presença do Estado como gestor da educação e também da saúde. Daí esse discurso de acabar com a gratuidade. Daí também essa história de meritocracia, que não passa de picaretagem intelectual. Não existe meritocracia sem igualdade de oportunidades, para mostrar quem realmente merece.
F: Quer dizer que tudo não passa de um complô contra o Estado?
T: Eu não diria complô. Mas há um jogo de interesses. Como empresas que são, os órgãos de imprensa acham que tudo deveria ser entregue à iniciativa privada, sob a justificativa de que isso gera ganhos mais gerais e diminui os gastos do Estado. Só que na verdade ele continua gastando, mesmo com quem tem plano de saúde, pois estes são cheios de descontos em imposto de renda. As empresas gastam pouco e, consequentemente lucram mais. E como ficam os mais pobres, os que não podem pagar planos de saúde? Estando fora da lógica do mercado, não representam nada para as empresas. Só o Estado pode garantir o acesso deles.
F: E como solucionar o problema, então?
T: No caso da saúde, mais respeito com os pobres, maior acesso deles a bons hospitais no interior, maior conscientização dos médicos e maior ênfase na medicina preventiva. Essa última talvez seja a mais difícil, pois o Estado bateria de frente com as lojas de remédios. No caso da educação, não precisa muita inovação tecnológica, como muitos acreditam. Pegando os exemplos dos países onde ela funciona corretamente, podemos dizer que a solução passa pela valorização do professor, não somente na questão salarial, mas no respeito pela sua autonomia e por seu direito a condições de respeitabilidade no trabalho; elaboração de um currículo variado, com uma maior variedade de disciplinas que explorem as diversas potencialidades dos alunos e que não os formem apenas tecnicamente, mas humanamente; fazer com que os alunos aprendam, sem aprovação automática ou conteúdos que subestimem sua capacidade; e fazer com que eles se identifiquem melhor com o espaço escolar e tenham gosto por estar na escola, tirando do papel o projeto da escola integral. De resto, basta cumprir o que já existe na legislação referente ao tema, que por sinal, é ótima.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

SERTANEJO NOVO. BESTEIRA ANTIGA


           A indústria do entretenimento, aquela que usa a arte, ou a falta dela, como forma de ganhar dinheiro, não deixa de nos surpreender. Principalmente quando se trata de música. Depois de Roberto Carlos, do forró estilizado, do sertanejo meloso, dos pagodeiros, do funk, do pancadão, das popozudas, das potrancas, das egüinhas e dos emos, a nova moda é o sertanejo “universitário”, também chamado do “novo sertanejo”. Esse “novo som”, na verdade não passa de um arremedo daquele mesmo estilo das duplas melosas da década de 90, como Zezé di Camargo & Luciano e Leandro & Leonardo, só que agora feito para um público novo, com novas temáticas, novos instrumentos, novo figurino, mas com a mesma mediocridade poética, melódica e artística. Novas formas para o mesmo conteúdo.
            Diz o senso comum que gosto não se discute. Parece uma questão de respeito à opinião do outro, mas não é. É, na verdade, um culto à ignorância. A pessoa abdica de sua racionalidade, um de seus bens mais preciosos, deixando de pensar sobre algo tão essencial na sua vida. Tratamos o gosto como se ele fosse algo inato, nascido espontaneamente em nossas cabeças. Esquecemos de que ele é condicionado pela sociedade, pelos contatos que temos com outras pessoas. O gosto é, muitas vezes, uma manipulação. Somos manipulados, como cachorros que gostam de ossos porque nunca lhes fizeram saber o que era um filé. Enchemos o bolso de pessoas que fazem coisas que qualquer um de nós pode fazer. E nos privamos de discutir isso. É muita pretensão do gosto. Num mundo onde até Deus é posto em xeque, alçamos o gosto pessoal à condição de algo intocável, isento de qualquer juízo. Além de pretensão, é muito autoritarismo. Quem não discute gosto está, de fato, se fechando na própria imbecilidade, incapaz que é de explicar porque aquilo de que gosta é tão bom. Incapaz que é de falar sobre o que quer que seja, vivendo como um cão que corre, contente e satisfeito, atrás de um pedaço de osso.
            Dito isto, voltemos ao sertanejo “universitário”. Quem começou foi a dupla João Bosco & Vinícius. Depois vieram outras, como Bruno & Marrone, Vítor & Léo e Fernando & Sorocaba, até a inovação dos cantores solos como Luan Santana e Michel Teló. A “nova roupagem” dada pelo novo estilo ao sertanejo clássico, vem no intuito de aproveitar um público mais urbano, mais classe média e de melhor escolaridade. Daí o nome universitário, que dá ao estilo um tom de bom gosto e de bom desenvolvimento cultural. Na verdade, com o nível atual dos estudantes universitários, que mal sabem interpretar ou elaborar um pequeno texto, e que não lêem nada além daquilo que está no programa das disciplinas, universidade deixou de ser sinônimo de cultivação estética. Senão, vejamos as frases do sertanojo universitrônico, como alguns chamam, que tocam nas festas universitárias:
·         Isso me irrita, isso me irrita, vazo pra gandaia e tô de novo na fita.
·         Me persegue quando vou sair, será que ela é do FBI, na internet ela vive a fuçar, desse jeito não da pra agüentar.
·         E daí se eu quiser farrear tomar todas num bar sair pra namorar, o que é que tem?
·         Todo dia seu teatro é exatamente igual, você finge que me odeia, mas no fundo paga pau.
·         Que pescar que nada, vou matar a fome, lá ninguém se mete lá vai ter sete pra cada homem.
·         Se a mulherada é de primeira, fico até segunda-feira, bebo até ficar tonto.
Alguns sítios, como o Manicômio S.A, criaram até algumas regrinhas para ser um autêntico cantor do sertanejo universitário. Aí vai:
1.      Mostre o quanto você é gostosão e pegador.
2.       Jogue na cara da sua ex que você está muito melhor sem ela. Ou não.
3.      Você pode ter sítio, mas você é um caubói moderno: nada de tirar leite, capar boi. Você é baladeiro.
4.      Beba, beba, beba, beba, beba, beba, beba e beba.

sábado, 24 de dezembro de 2011

ISRAEL: PAÍS DO TERROR E DA DESFAÇATEZ


O Estado de Israel é um dos países mais interessantes da atualidade. Ele foi criado para ser a pátria de um povo, os judeus, alijado do mesmo território dois mil anos antes, e que passou por enormes perseguições durante esse período, principalmente no continente europeu, desde aquelas justificadas por questões religiosas, e culminando com a mais recente, e mais conhecida, motivada por uma ideologia baseada no nacionalismo e na pureza racial, o nazismo alemão.  Mas o que o torna interessante são as suas contradições.
            O país foi criado artificialmente pela ONU, em 1948, tendo sido necessário para a sua instalação, fazer uma realocação na região, habitada, na época, majoritariamente, por um povo muçulmano que vivia ali desde as últimas cruzadas, o povo palestino. Esse povo teve de ser retirado da terra que habitavam a centenas de anos para dar lugar a outro, com o qual possuía gritantes divergências, principalmente religiosas.
Para obedecer aos ditames do Ocidente, que patrocinou, subscreveu e tornou possível sua criação, o novo país teria de ser laico e democrático. Primeira questão: onde se encontra o apregoado laicismo de Israel? Na verdade, ele não existe, é uma falsidade. Sua própria Declaração de Independência já assegura a idéia de que o novo país é para o povo judeu. A sociedade, a cultura e os feriados israelenses são judaicos. A bandeira traz um milenar símbolo da cultura e da religião judaica. O dito laicismo é somente uma máscara para o país parecer moderno diante da mentalidade ocidental.
            Assim como a questão da democracia. A nossa mídia sempre tenta passar que o Estado de Israel é uma ilha de democracia em meio a um mar de ditaduras no Oriente Médio. Tentam nos convencer que em todas as guerras em que se mete Israel tem sempre razão, por causa dessa sua “qualidade superior”. Mas será que o país judeu é realmente democrático? Se depender das eleições, o que para a nossa mídia já é muita coisa, sim. Mas democracia não significa somente eleições. Se fosse assim o Irã, tão odiado por essa mesma mídia, também seria uma democracia, pois lá existem eleições periódicas pra presidente. Mas o cidadão israelense não-judeu, ou mesmo aqueles que o são, mas que não apóiam a política militarista de seu país, não possuem seus direitos garantidos. Garantia de direitos é coisa imprescindível em qualquer democracia. Em nome de um “estado de necessidade”, o Estado pratica contra seus cidadãos e outras pessoas, desde torturas até execuções extrajudiciais. Esse “estado de necessidade” se justifica, em tese, pela luta constante do país contra supostos terroristas vindos dos inimigos da vizinhança. Digo em tese porque na verdade é somente uma desculpa para eliminar opositores sem que se responda por isso perante a comunidade internacional.
            Por falar nisso, imagine se o que acontece em Israel ocorresse em Cuba. Ou mesmo no Irã. Os jornalistas mercenários do Brasil iriam pronunciar inflamados discursos defendendo liberdades e direitos humanos. Como Israel está inserido no esquema comercial mundial, o que não acontece com os outros dois países citados, tudo é permitido a ele. Coisa similar acontece com a Arábia Saudita, um dos regimes mais autoritários do mundo, blindado pelo fato de ser aliado inconteste do Ocidente no Oriente Médio. Mas sobre isso, ninguém nunca irá ouvir falar na nossa mídia.
            Assim como ninguém ouvirá contrapontos quando o assunto for terrorismo. Terrorista, para a grande mídia, e para a direita em geral, é somente aquele que mata inocentes em nome de uma causa revolucionária. Quem mata inocentes em nome da segurança nacional, como os exércitos americano e israelense, estão defendendo os valores supremos da civilização ocidental. E em se tratando de judeus, a coisa se torna emblemática, já que a maioria dos historiadores considera os zelotas, grupo judeu nacionalista da época do Império Romano, do qual faziam parte inclusive dois dos apóstolos de Jesus, como o primeiro grupo terrorista da história. Aliás, o próprio Estado de Israel é fruto, entre outras coisas evidentemente, da pressão causada por atentados contra britânicos e árabes, promovidos por grupos terroristas judaicos, como o Irgun. Esse grupo, sob a liderança do futuro primeiro-ministro israelense, Menachem Begin, organizou, inclusive, um dos maiores atentados da história da região: a explosão de uma bomba no hotel King David, em Jerusalém, em 22 de julho de 1946, cujo saldo foi de 91 mortos, incluindo britânicos, árabes e até judeus, e 45 feridos. Mais intrigante é o fato do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em 2006, ter promovido um evento comemorativo do atentado, com placa e tudo.
            Por fim, os israelenses são mestres no que eu chamo de prostituir a história. Isso significa usar a história a seu bel-prazer, ressaltando os fatos que lhe interessam e escondendo os que lhe constrangem. O objetivo é, de um lado, se mostrar sempre como vítima, e de outro, buscar justificação para seus crimes. Com base nisso, qualquer pessoa que faça críticas ao país é considerado anti-semita e acusado de não respeitar o passado de sofrimento do povo judeu. Esse discurso é propagado por nossa mídia, apoiadora incondicional do estado judeu. Isso só mostra o tamanho da desfaçatez de ambos. O Holocausto, página podre da história da humanidade, não pode jamais ser usado por qualquer pessoa racional e decente, como justificativa para o que Israel faz com os palestinos. Quem passou por ele sabe disso. A grande maioria dos que apóiam ou praticam o assassinato de inocentes árabes, só sabem o que foi o Holocausto por relatos de sobreviventes ou outras fontes, como qualquer um de nós. Quem o sofreu na pele reconhece o horror que existe na intolerância, e se recusa a agir da mesma forma com seus semelhantes. Usar o anti-semitismo como blindagem para crimes é nivelar por baixo o povo judeu e desrespeitar a memória dos que foram vítimas desse preconceito. 


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A FALÁCIA MERCADOPATA


Quando a senadora Kátia Abreu, eleita por Tocantins com um discurso de apoio ao agronegócio e ao latifúndio, decidiu deixar o Democratas, lançou um manifesto, propalado de forma entusiástica por setores da grande mídia, em que apresentava suas principais bandeiras. Uma delas me chamou fortemente a atenção, não pela bandeira, mas pelo argumento: a senadora disse ser defensora intransigente da economia de mercado, pois ela é a única capaz de erradicar a pobreza pelo fato de ser a única a produzir riqueza. Uma afirmação, no mínimo, interessante, pois trás à tona algo que nunca imaginei possível: o liberalismo econômico possui profundos interesses pela justiça social.
Pra começar, quero dizer que acho bastante interessante quando vejo um político dizendo que as soluções para os problemas dependem do sistema econômico. Principalmente quando esse sistema defende a não interferência da esfera política na gestão econômica, caso do liberalismo. É absurdo achar que um sistema econômico por si só é capaz de erradicar a pobreza. Isso vai depender de uma outra gama de fatores, que vão depender irremediavelmente do fator político. O que erradica a pobreza, ou a diminui consideravelmente, são políticas públicas de qualidade, coisa que só pode ser oferecida por um governo e por uma legislação que proteja as pessoas da exploração, causa primordial da pobreza. Ao se ter isso, qualquer sistema econômico pode ser usado. Afinal, os países comunistas, de economia planificada (planejada e com total interferência do Estado), conseguiram fazer isso. Além do mais, como um sistema econômico como o liberal pode achar que erradica a pobreza se ele por si só já pressupõe a existência dela? É um tremendo paradoxo.
Logo depois a senadora justifica sua tese ao dizer que a economia de mercado é a única que gera riqueza. Primeira questão: riqueza para quem? Para um grupo pequeno de indivíduos, que muitas vezes enriquecem sem produzir nada, como os especuladores financeiros. Como isso vai erradicar a pobreza? Segunda questão: o sistema escravista ou feudal não produziam riqueza? Produziam, e mesmo assim não erradicaram a pobreza, considerada necessária em todos eles dentro da lógica da divisão do trabalho, em que uns detêm os meios, enquanto outros exercem a força de produção. O sistema econômico, principalmente o de mercado, precisa dos pobres para consumir e trabalhar. Não pode erradicar essa situação sob o risco de deixar de existir ou se tornar outra coisa.
Outra questão importante é notar que as grandes crises do capitalismo, como a de 1929, são causadas pela anarquia econômica, dogma irrefutável da economia de mercado, que pressupõe que a circulação das riquezas deve ser gerida pelos seus próprios agentes, o comprador e o vendedor, de acordo com seus interesses particulares. É um sistema baseado nas ambições, vantagens, e na falta de benevolência (palavras de Adam Smith, seu ideólogo principal). E depois que esse sistema acéfalo e caótico produz a crise e a tragédia, eis que o Estado, o grande mal, aparece para salvar o sistema e garantir que nada saia do lugar. Inclusive, claro, os pobres.
Na sua ignorância ideológica, ou esperteza prática, a senadora ignora o fato de que sem a interferência do Estado, ou seja, sem leis intervencionistas que coíbam abusos, o caos econômico gera caos social. O Estado se torna assim necessário, por exemplo, para proibir a venda de bebidas a menores, para reprimir o comércio de drogas e para impedir a cartelização de empresas. Não pode existir um sistema econômico sem regulação externa, ou então o planeta fica inabitável. Mas para o puro liberal, isso não tem importância. O que importa é a lei do mercado livre. Daí a ênfase dada à palavra liberdade, entendida aqui como a liberdade do capitalista de conseguir seu lucro, e nada mais. Daí também porque em vários lugares onde se instalou, o (neo)liberalismo, ao invés de erradicar a pobreza, coisa de que só esse sistema seria capaz, segundo a ilustre Kátia, aprofundou a dependência, a miserabilidade, a concentração de renda, o subemprego e a marginalização. Devem existir alternativas, e elas existem, à pura economia de mercado, desregularizada e libertina. Alternativas mais humanas e responsáveis, que dêem uma real solução ao problema da miséria e da pobreza extrema, assim como de seus subprodutos, a fome, a indignidade, a marginalidade e a violência.
***
Finalizo com uma frase do economista estadunidense Joseph Stiglitz, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001, contida no seu artigo O Fim do Neoliberalismo?, publicado em 16 de julho de 2008 no jornal O Globo: “O mercado neoliberal fundamentalista foi sempre uma doutrina política a serviço de certos interesses. Nunca recebeu o apoio da teoria econômica. Nem, agora fica claro, recebeu o endosso da experiência histórica. Aprender essa lição pode ser a nesga de sol nas nuvens que hoje pairam sobre a economia global.”

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

PEDRO BIAL E A FILOSOFIA


Palavras de Pedro Bial na final do Big Bhother Brasil 11: ‘’Olha só! Nós achamos que os gregos antigos eram mais inteligentes do que a gente, porque eles iam à Ágora. Ágora era a praça central das cidades gregas. Os filósofos, iam para a Ágora pensar sobre a vida. Quer dizer, filosofar. Quem já pensou, já se perguntou sobre a vida uma vez, já fez filosofia. Se foi boa filosofia ou não é outro papo. O filósofo Mark Rowlands acha uma bobagem a gente se considerar inferior aos gregos antigos, só porque a gente fica que nem batata no sofá vendo o Big Bhother, em fez de filosofar na Ágora.  E aí ele pergunta, matando a pau: porque os gregos antigos iam pra praça, para a Ágora? Ora, é claro, porque eles não tinham televisão. A televisão é a Ágora contemporânea, onde a gente discute e pensa a vida.’’
As palavras do “gênio” encheram de entusiasmo os fãs e participantes do programa, pois deu a eles um ar de importância e de intelectualidade. Acontece que as coisas não são bem assim. Infelizmente são poucos os que podem perceber o tamanho da imbecilidade dita pelo nada senhor Pedro Bial. Trata-se de mais uma forma do queridinho da Globo transformar telespectadores em toupeiras, como aliás já está acostumado a fazer há muito tempo.
O tal Mark Rowlands é um insosso filósofo estadunidense, que escreveu Tudo que Sei Aprendi com a TV, livro do qual Bial retirou sua pérola. A frase sobre os gregos está na Introdução do livro. O engraçado é que durante os oito capítulos restantes o autor vai simplesmente provar que tudo que sabe aprendeu com... os filósofos. Platão, Aristóteles, Zenão, Epicuro (todos gregos, quem diria), Schopenhauer, Nietzsche, Freud e Sartre são algumas de suas influências. As séries são simples acessórios para a explanação filosófica. Substituídas por outra coisa, dariam o mesmo sentido à explanação. O que isso significa, pra tristeza dos fãs “intelectuais” do BBB, é que o conteúdo do livro contradiz redondamente seu título. O autor, aliás, é bastante contraditório. Na mesma Introdução ele diz (página 9) que não vê televisão com intenções intelectualizadas, que não tem “pretensões cerebrais”. Santa filosofia de botequim!
Vamos agora às palavras de Pedro Bial. Os gregos não iam para a Ágora filosofar propriamente, pensar sobre a vida. Isso eles podiam fazer em casa. Eles iam lá tomar decisões políticas, o que, em essência, não quer dizer a mesma coisa. E os que praticavam filosofia, não o faziam por não terem televisão. Se fosse assim todos os antigos gregos eram filósofos. Ou então, por causa da televisão, ninguém hoje pensaria sobre a vida, faria filosofia. Nada disso é verdade. Rowlands e Bial se esquecem, quando falam essas baboseiras, que o ato de assistir preguiçosamente a televisão, não possui consonância nenhuma com o ato de filosofar. Filosofar é discutir, debater, questionar, usar a razão, sintetizar idéias. O BBB é capaz disso? Duvido muito. Programas de televisão desse estilo não discutem. Representam o mais puro entretenimento. Eles não nos dão respostas para os questionamentos da nossa vida. Se dessem, não seria preciso discuti-los. Isso tudo não passa de lobby dos profissionais da televisão (Bial), ou de quem quer aparecer de forma esdrúxula (Rowlands). Mesmo com a televisão, a internet, o rádio, ou qualquer outra coisa que possa vir a ser inventada, pessoas incomuns irão sempre trazer às outras a necessidade de filosofar, ou seja, de discutir as coisas da vida. A TV pode fazer isso até um determinado limite, pois necessita da ignorância alheia pra sobreviver, como diz o próprio Rowlands na página 164: “Há um ingrediente para a boa vida que falta a Homer (Simpson). E não é de surpreender, considerada sua predisposição para a cerveja Duff e a televisão: o pensamento. Em particular, o pensamento sobre a vida.” (negrito meu)

domingo, 18 de dezembro de 2011

GUERRILHA: A VIOLÊNCIA COMO UM MAL NECESSÁRIO

        Se existe um período da história que fascina a todos os brasileiros hoje, esse período é a Ditadura Militar. É um período cheio de mistérios, onde a história se fazia em porões, aparelhos, gabinetes fechados ou em matas obscuras, sem falar na censura, que impunha um silêncio sobre tudo o que acontecia à imprensa, fazendo com que as narrativas fossem sempre enviesadas, embaraçando a verdadeira realidade. Além disso, a Ditadura espelha de forma gritante e violenta toda a luta política vista ainda hoje. 
            Boa parte dos personagens da Ditadura ainda está aí, desde aqueles que a apoiaram até aqueles que se opuseram a ela, o que torna o assunto, além de fascinante, extremamente atual. A guerra ideológica continua, com outros nomes, outras máscaras, mas com o mesmo objetivo. A direita não possui mais o pleno poder nem a prerrogativa de, através da já citada censura, impor o discurso único. Nem precisa disso. A imprensa, excetuando-se alguns poucos corajosos profissionais, continua, mesmo sem a mordaça legal, proliferando o discurso único, principalmente quando o assunto são os movimentos sociais, os partidos e governos de esquerda e os grupos armados de resistência, estes últimos, o alvo preferencial da crítica anti-esquerdista quando se fala no período supra-citado.
            Há algum tempo vem se tentando desmoralizar esses grupos, criticando-os por optarem pela violência e por utilizarem-na de forma indiscriminada e desumana. São chamados de terroristas, termo um tanto complexo para ser utilizado de forma tão definitiva. A questão é que a mídia hoje simplesmente repete o que dizia no período de exceção, com a diferença que não é mais possível esconder as barbaridades cometidas nos porões.
            Como querem ser considerados democratas, velam o seu apoio à Ditadura, quando nas entrelinhas chegam quase a justificá-la como algo necessário a reagir contra a violência dos terroristas subversivos e contra o ainda hoje temido “perigo comunista”. Conversa mole de quem não tem coragem de dizer o que realmente pensa. Pode-se dizer que o auge disso foi a publicação pelo jornalista Reinaldo Azevedo, no seu famigerado blog, hospedado no sítio da revista Veja (veja.abril.com.br/blog/reinaldo/), da lista de pessoas mortas pelos “terroristas de esquerda” no Regime Militar (publicada em quatro partes no dia 12 de janeiro de 2010), lista essa que ele foi buscar no sítio do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma). Esse grupo, cujo patrono é o ex-presidente Emílio Médici, se formou como uma reação à publicação do livro Brasil: Nunca Mais, organizado por uma equipe liderada pelo Arcebispo Emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Cardeal Arns, e pelo pastor presbiteriano paranaense Jaime Wright, e que contava em pormenores as atrocidades cometidas pelos órgãos de segurança, muitas vezes contra pessoas que faziam oposição pacífica ou mesmo contra aqueles que não tinham nenhum vínculo político.
            Ao fazer uma análise minuciosa desta lista, logo percebemos algumas incongruências, que corrompem horrorosamente o texto e que induzem leitores mais incautos ao erro. A primeira refere-se ao fato de a lista ter sido colhida num sítio (ternuma.com) formado por um grupo de pessoas extremamente interessadas em justificar a Ditadura e encobrir os crimes cometidos em nome e com a conivência dos governos militares, alegando que a força da ação subversiva obrigou as Forças Armadas a quebrar a legalidade e a mergulhar o Brasil na tragédia em que o mergulharam. Ora, qualquer pessoa sabe que quem subverteu a ordem constitucional não foi a esquerda. Sabe também que os comunistas tinham que trabalhar na clandestinidade já desde 1947, quando o registro do PCB foi cassado “democraticamente”, e que após 1964 nem o movimento estudantil, nem os sindicatos, nem os partidos, possuíam mais liberdade para atuar dentro da legalidade, dando a seus integrantes três opções: baixar a cabeça e aceitar as novas regras, se tornar indiferente e não se meter mais em questões políticas ou partir para formas de luta mais agressivas visando chegar ao poder e por em prática suas idéias. Os que defendem a ditadura têm que aceitar que foi ela quem criou a chamada “subversão”, e não o contrário.
            A segunda incongruência refere-se ao fato de que a lista é apresentada como sendo “a verdade”, ou seja, não haveria por trás do artigo, carregado de ódio e de revanchismo, nenhum viés ideológico, nenhum interesse. Ele seria neutro, objetivo. Essa neutralidade não existe em nenhum tipo de texto, nem os do Reinaldo, nem os do Ternuma, nem os meus, ou de qualquer outra pessoa. O artigo dele é político tanto quanto este que estou escrevendo. Apresentar, portanto, versões com sendo “a verdade”, sem o devido senso crítico, é uma descarada desonestidade intelectual. Induzem o leitor ao erro. Podemos citar como exemplo da falibilidade desta “verdade”, o fato de a lista apresentar como sendo obra dos “terroristas” os assassinatos da policial Estela Borges Morato e do protético Friederich Adolf Rohmann, ocorridos durante a operação que matou Carlos Marighella. Sabe-se hoje que a tal operação não encontrou a menor resistência e que, ao contrário do que foi passado à imprensa na época, o líder comunista não disparou um só tiro naquela ocasião, como comprovam os laudos dos peritos Nelson Massini e Wilson Ferreira, constados no livro Marighella: o homem por trás do mito, de Cristiane Nova e Jorge Nóvoa (1999, pp. 195-197).
            A terceira incongruência, que complementa a segunda, é o fato de que o autor apresenta a lista como de inocentes mortos pelos grupos de esquerda. Boa parte dessas vítimas são militares ou agentes policiais, em serviço ativo, muitos deles trabalhando em estabelecimentos nos quais se praticava tortura. Não são inocentes, portanto. Mesmo alguns civis, como o industrial dinamarquês Henning Boilesen, foram mortos por financiarem o esquema clandestino de seqüestro e tortura de inimigos do governo, conhecido como Operação Bandeirantes (Oban).
            A quarta incongruência consiste em que o autor não contextualiza historicamente a violência dos grupos de esquerda, alijados do processo político convencional e tendo que escolher entre o silêncio ou a luta. Quem optou por esta última, sabia o que o estava esperando. Se fosse preso, seria morto na prisão, não antes de passar pelos mais bárbaros tormentos. O temor de que isso acontecesse tornava os militantes mais aguerridos em resistir à prisão. Quem não o faria contra um torturador? Qualquer pessoa em sã consciência sabe que é melhor a morte que a tortura.
            Outro exemplo dessa falta de contextualização é quando o autor conta, em riqueza de detalhes e com inflamação retórica, o assassinato do tenente da PMSP Alberto Mendes Júnior a coronhadas de fuzil, perpetrado a mando de Carlos Lamarca em maio de 1970. O ato, que foi classificado como covarde e próprio de um assassino frio e perverso, foi, na verdade, um ato estratégico de defesa. Sua feiúra é a feiúra própria da guerra, nada mais que isso. Se o tenente fosse entregue vivo, entregaria todos os detalhes do cotidiano da tropa. Não poderia nem ser morto por tiro, pois o barulho poderia fazer com que os inimigos os localizassem. Foi algo necessário no momento, dentro do contexto da guerra que se travava. Além disso, se o Lamarca fosse assim tão perverso teria feito o mesmo com os soldados que prendeu para escapar do cerco da operação militar no Vale da Ribeira, ou então, como muitos achavam que era o que devia ser feito, contra o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, ao qual a ditadura não dava a mínima e cuja vida foi salva pelo capitão.
            O último ponto de incongruência do artigo é meta-textual, pois ele parte da análise sobre o autor, Reinaldo Azevedo. Como jornalista assumidamente conservador, Azevedo defende, entre outras coisas, a violência do Estado de Israel contra os palestinos e a violência do BOPE como a melhor forma de se combater o crime organizado. Tudo bem, é a opinião dele! O problema é o paradoxo que isso nos apresenta. Ou a violência é absolutamente abominável, ou ela é um mal necessário em determinados momentos. Azevedo, assim como eu, concorda com a segunda proposição. Só que ele, como já é de praxe, vê somente um lado da questão e comete esses erros infantis. A violência contra a Ditadura Militar é legítima, pois vai de encontro a um governo ilegítimo. E se os grupos de esquerda são terroristas, que dirá dos sionistas, tão aclamados pelo jornalista da Veja, que usurparam território alheio e que também mataram várias pessoas, como no atentado ao hotel King David, em Jerusalém, em 22 de julho de 1946, no qual morreram 91 pessoas, quase a quantidade de mortos da lista do Ternuma? Pergunta que nem Azevedo ousa responder.
            E para completar, existem os comentários dos leitores do blog, com muito mais barbaridades, como a defesa escancarada da Ditadura, exaltação ufana dos seus agentes, apologia da desigualdade social e criminalização dos movimentos sociais atuais.
            Por fim, devo dizer que o objetivo deste texto não é defender a violência pela violência. É mostrar que ela, infelizmente, às vezes é um mal necessário contra a tirania e a opressão. É uma atitude emergencial, que deve ser tomada quando todas as outras possibilidades não têm mais valia. Foi o que fez a esquerda nas décadas de 1960 e 1970. Hoje em dia, com a volta da legalidade democrática, os antigos guerrilheiros penduraram as chuteiras, ou melhor, os fuzis, e aceitaram as regras do jogo. Prova de que teriam feito o mesmo se não tivessem sido alijados do processo em 1964.