quarta-feira, 3 de outubro de 2012

MORRE O INTÉRPRETE DA "ERAS", ERIC HOBSBAWN


              


             Se a tarefa do historiador é contar a História sem ser um simples contador, como na analogia machadiana, exerceu-a com esmero o judeu britânico nascido no Egito, com antepassados austríacos (puxa vida), Eric Hobsbawn, morto nessa segunda feira em Londres, aos 85 anos. Digo isso porque, apesar de adotar o estilo narrativo para tratar da História, coisa um tanto quanto execrada nos meios acadêmicos atuais, Hobsbawn soube interpretar como poucos, por exemplo, a dinâmica factual da Europa na chamada Idade Contemporânea, separando a mesma nas famosas “eras”(das revoluções, do capital, dos impérios e dos extremos).
                Hobsbawn não foi o melhor historiador de seu tempo. Nem mesmo entre os marxistas ingleses. Um professor meu, possivelmente com razão, o pôs em quinto lugar nesse quesito, numa lista encabeçada por Edward Thompson, e logo atrás do meu preferido Perry Anderson, que ficou em quarto. Mas sua produção não pode ser em nenhum momento descartada. Ainda mais por ser um sujeito sui generis. Além de condensar narrativa e análise, como explicitado acima, ele quebrou outro tabu da academia: escrevia livros para leigos. Aliás, era lido por eles, o que é muito mais significante. Eu, pessoalmente, acho isso um serviço de monta que um intelectual pode prestar para o resto da humanidade.
                Outro ponto que se distinguia nele, e que sempre vinha a baila quando ele era o assunto, era a sua extrema lucidez, mesmo na idade avançada. Vi hoje uma entrevista sua na Globo News, gravada a pouco tempo, em que destrincha os assuntos com leveza e maturidade surpreendentes. O momento que achei mais interessante foi quando o interlocutor perguntou, baseado numa frase de um livro que dizia algo como um temor do futuro, o que é que ele mais temia nos anos vindouros. A resposta foi simples e objetiva: “o enfraquecimento do Estado”. Segundo ele isso geraria, na teoria e na prática, a ideia de mercado totalmente, e ilimitadamente, livre, que por sua vez só poderia trazer desigualdade, e sua filha e neta, qual sejam, instabilidade social e violência. Todo esse pano de fundo só tenderia a fortalecer, no campo político, ideias como xenofobia, racismo, guetismo, e a extrema-direita seria a maior beneficiada. E por fim, ao invés de resolver a questão, essas ideias, como já mostrou a própria História, causariam novas e mais vorazes tragédias, muito mais difíceis de remediar que as anteriores. Uma análise e tanto, não?
                Pra finalizar, uma frase dita por ele na mesma entrevista. Apesar da aparente obviedade, tem uma mensagem singular para todos nós, seres humanos progressistas: “O mundo não vai melhorar se não lutarmos por um mundo melhor”. Simples, quase redundante. Mas é um alerta contra o indiferentismo, contra aquela ideia de esperar que as coisas caiam do céu. É um tapa em nós, progressistas de qualquer religião, doutrina ideológica, partido político ou matiz intelectual, para nos engajarmos na luta, seja na arte, no trabalho, na universidade, na internet, nos templos ou nos movimentos sociais. Ajamos, pois a democracia, a igualdade, a justiça social, não vão cair no nosso colo. Podemos considerar isso, inclusive, como uma última lição do eminente professor. E que lição! 

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