Se a
tarefa do historiador é contar a História sem ser um simples contador, como na
analogia machadiana, exerceu-a com esmero o judeu britânico nascido no Egito,
com antepassados austríacos (puxa vida), Eric Hobsbawn, morto nessa segunda
feira em Londres, aos 85 anos. Digo isso porque, apesar de adotar o estilo
narrativo para tratar da História, coisa um tanto quanto execrada nos meios
acadêmicos atuais, Hobsbawn soube interpretar como poucos, por exemplo, a
dinâmica factual da Europa na chamada Idade Contemporânea, separando a mesma
nas famosas “eras”(das revoluções, do capital, dos impérios e dos extremos).
Hobsbawn
não foi o melhor historiador de seu tempo. Nem mesmo entre os marxistas
ingleses. Um professor meu, possivelmente com razão, o pôs em quinto lugar
nesse quesito, numa lista encabeçada por Edward Thompson, e logo atrás do meu
preferido Perry Anderson, que ficou em quarto. Mas sua produção não pode ser em
nenhum momento descartada. Ainda mais por ser um sujeito sui generis. Além de condensar narrativa e análise, como
explicitado acima, ele quebrou outro tabu da academia: escrevia livros para
leigos. Aliás, era lido por eles, o que é muito mais significante. Eu,
pessoalmente, acho isso um serviço de monta que um intelectual pode prestar para
o resto da humanidade.
Outro
ponto que se distinguia nele, e que sempre vinha a baila quando ele era o
assunto, era a sua extrema lucidez, mesmo na idade avançada. Vi hoje uma
entrevista sua na Globo News, gravada a pouco tempo, em que destrincha os assuntos
com leveza e maturidade surpreendentes. O momento que achei mais interessante
foi quando o interlocutor perguntou, baseado numa frase de um livro que dizia
algo como um temor do futuro, o que é que ele mais temia nos anos vindouros. A
resposta foi simples e objetiva: “o enfraquecimento do Estado”. Segundo ele
isso geraria, na teoria e na prática, a ideia de mercado totalmente, e
ilimitadamente, livre, que por sua vez só poderia trazer desigualdade, e sua
filha e neta, qual sejam, instabilidade social e violência. Todo esse pano de
fundo só tenderia a fortalecer, no campo político, ideias como xenofobia,
racismo, guetismo, e a extrema-direita seria a maior beneficiada. E por fim, ao
invés de resolver a questão, essas ideias, como já mostrou a própria História,
causariam novas e mais vorazes tragédias, muito mais difíceis de remediar que
as anteriores. Uma análise e tanto, não?
Pra
finalizar, uma frase dita por ele na mesma entrevista. Apesar da aparente
obviedade, tem uma mensagem singular para todos nós, seres humanos
progressistas: “O mundo não vai melhorar se não lutarmos por um mundo melhor”.
Simples, quase redundante. Mas é um alerta contra o indiferentismo, contra
aquela ideia de esperar que as coisas caiam do céu. É um tapa em nós,
progressistas de qualquer religião, doutrina ideológica, partido político ou
matiz intelectual, para nos engajarmos na luta, seja na arte, no trabalho, na
universidade, na internet, nos
templos ou nos movimentos sociais. Ajamos, pois a democracia, a igualdade, a
justiça social, não vão cair no nosso colo. Podemos considerar isso, inclusive,
como uma última lição do eminente professor. E que lição!
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