As cabeças levantadas
Máquinas paradas
Dia de pescar
Pois quem toca o trem pra frente
Também de repente
Pode o trem parar
(Chico Buarque)
É
início de primavera em Chicago, mais precisamente 1º de maio. As flores brotam
por conta das chuvas de abril (“April
showers bring May flowers”). O ano é o longínquo 1886. Milhares de “vagabundos”
saem às ruas por não aceitarem mais o regime de trabalho de 13 horas. Queriam
reduzir para oito. Bando de preguiçosos! Suas indolentes reivindicações ainda
incluíam absurdos como receber salários nas férias e dias de descanso, e a
continuar recebendo mesmo depois de trabalhar, até a morte. Bando de
vagabundos! A polícia, como não podia ser diferente, para defender a lei e a
ordem que fazem o orgulho da democracia americana, terra de oportunidades e
empreendedorismo, parte pra cima e mata dezenas de “vagabundos”. Tivessem
trabalhando, isso não aconteceria. Mas o efeito não foi o esperado. No dia 5,
outra baderna. Mas não adiantou. Os líderes foram presos e condenados à morte.
Viva o progresso, e a ordem! Mas não foi só isso. Em 1889 um Congresso de
comunistas e anarquistas (mais “vagabundos”), com certeza citado nos famigerados
“livros do MEC”, estabeleceu a data mundial da vagabundagem, 1º de maio: dia do
trabalho em que ninguém trabalha. Ainda mais no Brasil, cheio de “vagabundos
remunerados”, no dizer de um deputado gaúcho, com certeza alguém que nem dormir
dorme.
De
lá pra cá, muita coisa mudou. Ninguém mais é condenado à morte, e todas as
legislações do mundo civilizado garantem o direito à greve, direito basilar de
reivindicação pacífica e democrática. Como “vagabundo” que sou, já participei
de algumas, inclusive como estudante. Mas algumas cabeças continuam enterradas,
na verdade chumbadas no solo, daquele distante século XIX. O mundo caminha pra
frente, mas essa gente insiste em puxar de volta. Com a justificativa de que a
expectativa de vida aumentou (plausível até certo ponto), o governo quer
obrigar o cidadão a receber aposentadoria integral apenas após 49 anos de
serviço. Uma vida adulta inteira, praticamente. Alguém como eu, que começou a
trabalhar aos 29, teria de esperar até os 78. Um “vagabundo”, ainda que “remunerado”,
não aguenta tanto. Só nos resta isso: aproveitar que fazer greve hoje é legal e
descontar na sociedade. Afinal, é isso mesmo que irão dizer os jornais. Do alto
da consciência sacrifical do seu trabalho árduo e voluntário em prol do país,
eles podem apontar o dedo na cara de nós, “vagabundos”. Eu sei que é absurdo
querermos envelhecer em paz, e com remuneração, querermos melhorias nas
condições de trabalho e salariais, querermos respeito pelo que fazemos, mas
fazer o quê? Isso não justifica. Vejam os deputados, que mesmo não tendo o
suficiente, trabalham diuturnamente pelo bem do país. Perguntam antes o que
podem fazer, não o que podem receber. Ser grevista deveria nos envergonhar, mas
“vagabundo” não tem consciência.
Tanto
assim, que ainda queremos tolher o direito heroico de alguns de furarem greve,
direito sagrado de “ir e vir”, garantido pelo artigo 5º, inciso XV da
Constituição de 88, a mesma que, ironicamente, garante o direito de greve como
um direito coletivo (artigo 9º). Mas esses são, com certeza, subterfúgios para
amparar a “vagabundagem”, que por isso mesmo, domina o país. O cara não é
obrigado a participar de reuniões de sindicato, embora se beneficie dos ganhos
que uma greve possa ter. Mas com certeza, teve essa graça por seu trabalho, não
pela baderna de “vagabundos”. Ele pode até dizer que é proibido de participar
das deliberações sindicais, o que, conhecendo como se conhece a “vagabundagem”,
tem tudo pra ser verdade. Portanto, vale aqui isso como uma lição, principalmente
pros mais jovens, os que foram atingidos em cheio pela “iluminação” que só um
Bolsonaro ou um Luiz Carlos Prates, ou um Olavo (“cu da sua mãe”) podem
oferecer, em meio ao esquerdismo “vagabundo” reinante: esculhambemos os “vagabundos”
que fazem greve, pois são eles que atrasam o Brasil. Não sejam como eles.
Trabalhem pensando somente no bem do país, não reclamem do que ganham, não
prejudiquem os outros, e por fim, saibam que terão a honra de um dia entrar no
mercado de trabalho, de onde nenhum “vagabundo” os tirará, a não ser morto.
Viva o trabalho! Morte aos “vagabundos”! E sem feriado desta vez, odiamos
feriado e dia santo. É coisa de... “vagabundo”!
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