"O fascismo é fascinante e deixa a gente ignorante fascinada
E é tão fácil ir adiante e esquecer que a coisa toda tá errada
E a história se repete mas a força deixa a história mal contada"
Humberto Gessinger, Toda Forma de Poder
Parte 1: “Mas tu num
conhece o cara!” – a caricatura que virou presidente:
Quando dei
pela existência de Jair Bolsonaro, eu devia ter uns vinte anos, lá por 2003 ou
2004. Estava assistindo à TV Câmara (pois é, eu assisto essas coisas). Estava
passando uma sessão solene em homenagem ao Exército Brasileiro. Na época eu
tinha vontade de ser militar, e então parei pra assistir. De repente ele
apareceu na tribuna, e começou a criticar o ministro Márcio Tomás Bastos, da
Justiça, por este ter falado de forma negativa da Ditadura. Me admirei ao ver
alguém defendendo-a. Pouco depois perguntei a meu pai se o conhecia. O nome um
tanto inusitado não saía da minha cabeça. Meu velho explicou que ele era um
doido, um sujeito de opiniões extremistas, que defendia a Ditadura, e que era
visto no meio político como uma caricatura: o sujeito que restou pra defender o
indefensável.
Desde então,
esse sujeito sempre representou isso para mim: uma caricatura. Alguém que não
podia ser levado a sério. Lembro das vezes em que, em conversas sobre política
(pois é, eu gosto dessas coisas), o nome dele ser levantado quando alguém vinha
com ideias retrógradas e fascistoides. Todos ríamos. Quem não o conhecia,
ignorava. Quem o conhecia, mesmo os que posteriormente votaram nele, sempre o
trataram da mesma forma: como um dinossauro na política, obsoleto, irrelevante,
e claro, caricatural. Inclusive, um de seus mais ferrenhos defensores
lembrou-me dia desses que a primeira vez que ouviu falar dele foi através de
mim. Pois é, eu conheço essas pessoas do mundo político que ninguém liga, e que
podem de uma hora pra outra se transformar em “mitos”. Afanásio Jazadji, Lauro
Campos, Jefferson Peres... pois é, tu não conhece né? Pois eu conheço!
E eis que
chega a era das redes sociais. Paulo Freire vira um manipulador de mentes,
Darcy Ribeiro se torna “ela” (“depois vou ler sobre ELA”, me disse certa vez um
jovenzinho ignorante), e surgem heróis de todo esgoto: o também caricato,
embora um pouco mais cultivado, Enéas Carneiro; o desbocado e tresloucado
pretenso filósofo Olavo de Carvalho, o homem que sabe tudo sobre tudo, e lê uns
duzentos livros por ano... e claro, ele: Jair Bolsonaro, defensor da família e
combatente feroz contra o “cumunismo”. No início, confesso que ri e achei
inofensivo. Pensei: nam, esse daí num tem perigo de alguém levar a sério. Mas o
ser humano, principalmente o brasileiro, principalmente o mais idiotizado,
sempre é capaz de nos surpreender. Falarei da “onda Bolsonaro” mais na frente,
calma!
Diante
disso, me deixou estupefato a total falta de informação e conhecimento, mínimos
que sejam, do brasileiro sobre política. Bolsonaro se tornou “a novidade”, só
que de novo num tem nada. Trinta anos de Parlamente, e nenhum serviço relevante
prestado. Juro que ouvi gente rebater minhas críticas a ele, dizendo: “Ah, mas
tu não conhece o cara! Vá se informar!” Nessas horas, minha mente efervescente
não consegue sentir um sentimento só. Sinto um misto de raiva, tristeza e vontade
de rir. Mas existe ainda coisa pior no brasileiro que a falta de informação. É
a crença cega de que todo o resto das pessoas é assim. Muitos brasileiros são
idiotas, mas acham que, com conhecimento fast
food, entendem de tudo. E duas coisas a mais temperam o show de horrores: primeiro, que a onda
pega pessoas que chamaríamos de “esclarecidas”, que tem formação, que leem e
que tem a mente aberta, pelo menos aparentemente; e segundo, que essas pessoas
depois de convencidas (eu diria contaminadas pelo vírus bolsonariano) são
incrivelmente fechadas a qualquer argumentação. Ou seja, o ômi sempre está
certo.
Em suma: o
homem é, no jargão político, raposa velha. Como parlamentar, nunca soube
articular nada para aprovar projetos. Como militar, e pretensamente preocupado
com a segurança pública, nunca apresentou sequer projeto concreto e útil para a
área. Maria do Rosário, de quem falaremos depois, já fez mais nesse sentido. Como
político novo, moderno, “contra tudo que está aí”, nunca deixou de usufruir das
vergonhosas regalias que todo brasileiro reclama de serem concedidas à classe
política. Pelo contrário, ele as estimula, e defende abertamente. Ou seja,
continua sendo uma caricatura. E eu o conheço mais de que 95% de seus
eleitores. Antes de alguém fazer pose de arminha no Facebook, eu já sabia de
cor da folha corrida do sujeito. Pra mim nunca foi novidade.
Parte 2: A onda: porque
o fascismo fascina gente ignorante:
Comecemos
esse tópico falando de fascismo. Uma palavra espinhosa, largamente usada no
jargão político, geralmente de forma superficial, e preponderantemente
negativo. Ou seja, usa-se quando não se gosta de alguma coisa. E geralmente de
forma injusta, conceitualmente falando. Duas saídas se apresentam aqui pra esse
problema: primeiro, deixar de usar o termo, evitando ser superficial e injusto;
segundo, usá-lo, mas respeitando seu real significado e as opiniões de
especialistas sobre o assunto. Opto pelo último sem pestanejar, pois o primeiro
caso traz o problema de negar o termo em si, o que é equivocado, pelo simples
fato de que o fascismo existe. E mais, não é um fenômeno datado, não está
circunscrito a Hitler, Mussolini, Franco, ou aos pouco citados Pavelić ,
Dolfuss, Szálasi ou Antonescu, isso pra citar apenas casos europeus. É um
fenômeno que permanece, através de características próprias que se perpetuam.
Tomo por
base dois trabalhos importantes, que foram a base de uma palestra que dei sobre
o tema ano passado: Fascism Anyone, do
historiador e politólogo estadunidense Lawrence Britt, e Fascismo Eterno, do famoso semiólogo e romancista italiano Umberto
Eco. Os dois textos buscam identificar a presença do fascismo na atualidade,
usando uma série de pontos, de tópicos, que caracterizariam o fascismo. Britt,
por exemplo, vai listar entre algumas características: nacionalismo contínuo,
desprezo pelos direitos humanos, supremacia das Forças Armadas (militarismo),
obsessão com a segurança nacional, entrelaçamento entre religião e governo,
desprezo pelos intelectuais, obsessão por crime e castigo. Eco é um pouco mais
profundo: fala de apego à tradição, dificuldade em receber críticas e em
aceitar diversidades, apelo a uma frustração coletiva, a uma classe média que
se sente desabonada, num país humilhado ou em crise (ponto importantíssimo),
patriotismo (sentimento de pertencimento a uma terra, e reverência a seus
símbolos), desprezo pelo pacifismo, teorias da conspiração que enaltecem o
poder de mobilização e manipulação dos adversários, culto ao heroísmo, ou
salvacionismo, ou messianismo, e por último, uma novilíngua, termo utilizado
por George Orwell no seu romance distópico 1984.
No sentido de Eco, essa novilíngua seria um palavreado rasteiro e elementar,
visando limitar os instrumentos para um raciocínio crítico e o debate fecundo
de ideias.
O que vemos
disso em Bolsonaro? Vemos uma relação muito forte com vários pontos de seu
discurso, assim como com o perfil de seu eleitorado, do qual falaremos mais
tarde. Para evitar as famosas fake news,
de certa forma já obsoletas passada a campanha presidencial, vamos nos ater a
coisas que ele realmente disse e fez, principalmente em momentos coloquiais, no
meio dos seus, quando se tem um retrato mais fiel da personalidade do sujeito,
sem as amarras que se impõe um candidato comportado que quer ganhar voto: ele
disse que não existe essa de Estado laico, mas que o Estado é cristão; que as
minorias se adequem, ou serão eliminadas; ele interrompe muitos de seus
interlocutores em debates ou entrevistas quando é colocado contra a parede,
tendo chamado um jornalista de escroto e outra de idiota; falou nessa semana,
já eleito, que iria cortar verba de jornal que o criticasse; que filho gay é
falta de porrada, que o homossexualismo é a porta de entrada para a pedofilia,
que quilombola não serve nem pra procriar, e que índio devia comer capim; falou
que os empreendedores estão bastante sobrecarregados, e que trabalhadores devem
escolher entre ter direitos ou ter emprego; que o país precisa de um presidente
que seja patriota; que o policial deve ter licença para matar; que a esquerda domina
a mídia e as escolas, e que ensina as crianças a serem homossexuais e que as
doutrina no marxismo, fazendo com que saiam da escola como militantes de
esquerda com “cérebro de ovo cozido”; e que debater política não leva a lugar
nenhum. Encaixa ou não com a descrição? Eu diria que como uma luva.
E qual a
força disso? Enorme. Num país em crise, similar à Alemanha pré-nazismo, o
discurso raso, recheado de soluções simplórias e aparentemente infalíveis
(criminalidade se resolve com polícia truculenta, penas rígidas, armamentismo e
“pau nos vagabundos”, por exemplo), com constante apego à sensibilidade
religiosa das pessoas, e com o mais basilar e pífio “moralismo de goela” (no
dizer de Ciro Gomes), coroado com uma teoria da conspiração comunista “repetida
até virar verdade”, é tiro e queda. O fascismo fascina mesmo, e basta ter
predisposição pra acreditar na loucura toda, basta estar puto, com medo, ou
frustrado com alguma coisa, que tudo se transforma em verdade absoluta e
inquestionável. A partir daí, nenhum argumento contrário adianta mais.
Parte 3: O perfil do fã-clube:
farisaísmo, fardas e garotinhos frustrados:
Antes de iniciar, um aviso: nessa parte eu começo a citar, sem dizer o
nome claro, exemplos reais de pessoas conhecidas, a maioria de minha cidade
natal, ou da cidade onde moro.
O fascismo
fascina, como eu disse, mas não fascina todo mundo. Tem gente que de qualquer
forma já está meio que vacinado. E mesmo àqueles a quem fascina, não fascina na
mesma proporção. Alguns se entregam com paixão desde o primeiro momento, outros
depois de verem nele, mesmo que não concordem com tudo, o resumo de algo que,
talvez de forma inconsciente, sempre quiseram para a política. O certo é que,
pra se ser filofascista, ou fascista puro, é necessário ser pelo menos uma
dessas duas coisas: ou você é um sujeito que guarda algum rancor, ódio,
preconceito moral, que relativize o outro, e nesse caso você já é um fascista
em potencial. Ou então ser muito ingênuo ou mal informado, para acreditar no
discurso fascista. Conheço dos dois tipos. Conheço também gente perversa e
idiota, mas que não é fascista, diga-se de passagem. O que não conheço de jeito
nenhum é (filo)fascista que seja ao mesmo tempo inteligente e decente. Se é
inteligente, é porque é alguém desprezível. Se é decente, é porque é burro ou
desinformado.
Dito isso, e
observando empiricamente as pessoas com quem convivi, virtual ou pessoalmente,
nesses últimos anos podemos traçar três características principais nos fãs de
Bolsonaro. Uma minoria parca estaria fora dessas características, e alguns
possuem mais de uma dessas condições. E elas se coadunam com alguns dos pontos
dos nossos teóricos citados. Senão, vejamos!
O primeiro tipo de perfil bolsonariano é o que chamo de “cristão
farisaico moralista”. Ele busca um entrelaçamento da religião com a política,
como Britt já enunciou, e seu discurso é de apego à tradição, como dito por
Eco. Ele defende que sua moral religiosa específica deve ser imposta a todos, e
justifica isso dizendo que “o Brasil é um país de tradição cristã”. Afirma,
portanto, que o estado é laico, mas não “laicista” (um termo que sequer existe
como conceito da Ciência Política). Dentro desse raciocínio tacanho, não podem
faltar teorias da conspiração (outro dos pontos de Eco). Por exemplo: uma
coligação de gays, “abortistas” e marxistas satanistas possuem uma rede
organizada infiltrada nas escolas, igrejas, meios de comunicação e órgãos
públicos, e visam subverter a sociedade judaico-cristã, sexualizar as crianças,
criar uma ditadura gayzista e impor o comunismo através de forte e eficiente
lavagem cerebral, utilizando livros didáticos enviesados e professores
doutrinadores. Parecido com o que Hitller fez com os judeus, superlativizando
sua capacidade de influência para melhor gerar medo no povo. Termos como “kit
gay”, “marxismo cultural”, “ideologia de gênero”, “doutrinação ideológica”, são
criados e propagados, e de tão repetidos viram verdade. Até a gente que sabe
que não é assim se vê quase acreditando rsrsrs. Mas deixemos isso quieto, pois das
mentiras falaremos depois.
Esse grupo é formado majoritariamente
por cristãos, principalmente protestantes (esse grupo simplesmente foi tragado
pela ideia), embora nem todos sejam, na vida cotidiana, religiosos praticantes.
Eles gostam de fazer aquilo que o historiador Leandro Karnal chama de
“customizar Deus”: criam um deus que se adeque a suas idiossincrasias, algo que
Feuerbach, um crítico da religião, também já colocava. Nesse contexto,
homossexualismo é combatido por ser pecado, mas o mesmo não acontece com
tortura e incitação à violência.
E o que
significa farisaico? No tempo de Jesus havia um grupo de judeus radicais
conhecidos por impor ao povo o seguimento estrito da lei mosaica, embora eles
mesmos não o fizessem: eram os fariseus. O termo virou sinônimo de pessoa que
prega com veemência uma moral, mas que não a segue. Os seguidores de Bolsonaro
gostam de se auto-intitular defensores da família, repudiadores do crime, zelosos
dos preceitos cristãos e preocupados com a formação moral das crianças. Adoram
basear sua escolha política numa leitura particular da Bíblia, e condenar quem
pensa diferente utilizando o mesmo parâmetro. Pois bem, muitos nem aparecem na
escola pra saber o comportamento do filho. Muitos nem sequer criam ou convivem
com eles. Muitos já se viram envolvidos em roubo de mercadoria, uso de drogas,
e improbidade administrativa no exercício de cargo público. Alguns simplesmente
se escoram no serviço público, pra depois sair arrotando todo tipo de
indignação. Tem um, inclusive, que deixava a mulher e a filha em casa e ia
farrear até tarde, curtindo canções imorais e dançando. Hoje está no terceiro
casamento, mas votou em Bolsonaro por este defender a família e combater a
imoralidade. O próprio Bolsonaro não prima muito pelo que diz: também está no
terceiro casamento (seus detratores sempre afirmam que ele troca cada uma delas
por outra mais nova), já teve problemas com pensão alimentícia, e nunca abriu
mão dos imorais privilégios parlamentares. Como diz Ciro Gomes: moralismo de
goela. Um atributo tradicional da direita, e uma prática usual de todo
fascista.
O segundo
grupo são os PMs, e os militares em geral, por algumas razões. Primeiro, pelo
corporativismo. Bolsonaro é um militar, inclusive começou a carreira política
defendendo os interesses de sua categoria, e sua ascensão é vista como uma
oportunidade de melhorias para os de farda. Segundo, pela ideia que ele defende
de dar plenos poderes à polícia para agir de forma não necessariamente ortodoxa
contra “a vagabundagem”. Uma mão na roda, visto que nossa polícia é, por tradição,
autoritária. Ela impõe temor, e é inegável que os próprios policiais gostam e
se sentem confortáveis com isso. Metade da população brasileira tem medo da
polícia, por exemplo. No entanto, os policiais se ressentem de que a lei, embora
deva ser assim, inibe seus abusos, e “protege” demais os bandidos. Por
formação, nosso policial gosta de agir como repressor, e não aceita quando os
“direitos humanos” impedem suas brutalidades, o que seria até uma forma de afirmação
de sua força e autoridade. Essa situação em que existem leis que garantem
direitos civis os faz sentir alijados, e Bolsonaro promete combater isso, ou
pelo menos diminuir seu alcance. Terceiro, por uma questão histórica.
Militares, no geral, se ressentem, embora tenha tido em vários momentos papel
marcante na política, e mesmo só tendo lutado uma única guerra de verdade, a
Guerra do Paraguai, que terminou há quase 150 anos, de sempre estarem
subordinados ao poder civil, como de praxe em toda democracia. Tivemos a
Questão Militar do tempo do Império, a Proclamação da República que foi uma
quartelada, a República da Espada, o salvacionismo do marechal Hermes, o
movimento tenentista, o manifesto dos coronéis, e por fim, a Ditadura Militar,
que o próprio Bolsonaro defende, o que levou seus seguidores, a uma onda do
mais tacanho e asqueroso revisionismo jamais visto, no qual as violências ditatoriais
são justificadas para “evitar um mal maior”, e mentiras são contadas sem o
menor pudor, como por exemplo: de que não havia violência e criminalidade nas
ruas, de que as torturas foram acidentais ou simplesmente não existiram, e que o
Brasil saiu da 49ª para a 8ª economia do mundo. Esse ressentimento, e a sempre
ausência de prestígio da classe política (engraçado que a polícia também é
vista como uma instituição corrupta por boa parte da população), fazem com que
os policiais tenham verdadeira tara pelo candidato, e consigam catalisar a
simpatia popular. Agora eles estão em cena, agora eles são os “heróis”, aqueles
que “enquanto todo mundo dorme no sossego do lar, está arriscando a vida no
meio da noite”. Há um sentimento forçado de superioridade, similar ao do outro
grupo, que os faz se sentir especiais. “Somos treinados na violência”, disse o
general Mourão. O militar, o PM, é o guerreiro, “guardião não reconhecido da
nossa segurança e integridade”. Esse é o discurso, e os caras acreditam
piamente nisso.
O terceiro
grupo é mais icônico, e de certa forma, o mais exemplar, apesar de não ter a
mesma homogeneidade dos outros dois: são os jovens apelidados de “bolsominions”,
a verdadeira ponta de lança da campanha. Por serem jovens, esse grupo tende a
ser mais radical, e por imaturidade, mais propenso a achar que sabe de tudo. Lê
um post da Joice Hasselman ou do Kim Kataguiri, assiste a um vídeo do Nando
Moura ou do Olavo de Carvalho, e acha que descobriu a roda. Aí vai, e discute
com todo mundo, é louco por um debate, principalmente com professor. Precisa se
afirmar de toda maneira. Quando é contrariado, parte para o sarcasmo raso, e
acha com isso que é o rei do argumento. “Sei mais que o professor, eu sou
foda”. Se tiver um adulto que incentive, e como tem, principalmente
professores, aí pronto.
Esse jovem, no geral, tem preconceito
com a Universidade (talvez por achar que não tem capacidade de estar lá), sonha
entrar para a polícia (embora seja uma profissão perigosa e mal remunerada), e
tem propensão a arrotar discurso religioso, embora não seja um frequentador
assíduo da igreja, ou alguém que siga o Evangelho na vida cotidiana, ou pelo
menos conheça o básico da doutrina. Eventualmente pode ser alguém que tira
notas boas, o que só aumenta seu sentimento de superioridade, inclusive para
com os colegas, como já vi. Geralmente, no entanto, é um jovem frustrado: tem
problemas familiares, é mimado e extremamente dependente do ponto de vista
financeiro, não tem namorada, ou quando tem trata mal, tem vergonha dos pais, tem
o fetiche de parecer rico, se apresentando sempre bem vestido (com roupas “de
marca”) ou com o celular da moda. Esse jovem, atormentado com toda essa
frustração, material, sexual, afetiva, tende a ver num homem como Bolsonaro,
que fala grosso, que não tem pudores de falar o que pensa (não é à toa que
gostam de Trump também), uma extensão da figura paterna, ou do que ele, o
jovem, quer ser e não é. Um personagem que compensa algo de uma personalidade
reprimida, algo que acontece com os super-heróis, cujos fãs são quase sempre
homens (garotos) retraídos, tímidos e/ou inexpressivos.
“A POSTURA
FIRME e o DISCURSO ENGESSADO de alguns líderes cativam de forma magnética essas
pessoas que se sentem INCOMPREENDIDAS, INSEGURAS ou até mesmo com um medo real
do futuro. E é importante destacar que NÍVEL DE INSTRUÇÃO NÃO TORNA ALGUÉM
IMUNE a esses gatilhos”, assim se pronuncia o psicólogo Tiago Cabral. Ou seja,
esses jovens, frustrados, incompreendidos, que se sentem injustiçados por “não
ter a vida que merecem”, são alvos fáceis do discurso fascista, assim como de
qualquer discurso sectário. A maioria dos nazistas era assim (Hitler era um
pintor frustrado, e Goebbels queria ser militar, mas tinha uma perna maior que
a outra). Assim também é a Ku Klux Klan,
que surge nas pequenas cidades, e não em Nova York, por exemplo. O fascismo é
filho do ressentimento (é o próprio Eco quem fala), por isso uma ojeriza
inconsciente pelo negro (principalmente o cotista, “que toma o lugar dele na
Universidade”), gay (esse ser que, apesar de considerado execrável pela
sociedade, vive feliz e realizado com sua sexualidade) ou mulher (principalmente
as fortes, que não querem namorar com eles). Qualquer um destes que se
destaque, que vire alguém importante, que exerça representatividade, o
incomoda. O fascista tem medo disso. Por isso esses jovens, que todo mundo
conhece, aderem com tanta paixão a Bolsonaro. É como se dissessem: “Olha eu
aqui, sou homem, sou hétero, sou fodão, me valorize.” Não é à toa que muitos
deles, e isso chega a ser ridículo se não fosse verdade, trocaram a foto do
perfil do Facebook por um vazio com um tarja em baixo: BOLSONARO 2018! Vi um
cujo nome na rede social era “Mito Bolsonaro”. Também não é à toa que Wilhelm
Reich diz em seu livro Psicologia de
Massas do Fascismo: “o fascismo, na sua forma mais pura, é o somatório de
todas as reações irracionais do caráter do homem médio”.
Parte 4: O MITOmaníaco:
as mentiras que fizeram a cabeça da negada:
“Uma mentira repetida mil vezes se transforma em verdade”. Assim
costumava dizer o homem forte da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. A
mentira e a manipulação são, portanto, táticas essenciais do fascismo. Mas
antes de começar, alguns parênteses. Primeiro, praticamente todo mundo mente, embora
não no mesmo grau. Isso não quer dizer, de maneira nenhuma, que todo mundo seja
fascista. Segundo, é inegável que os fascistas também podem falar a verdade em
alguns momentos, logicamente. Terceiro, em se tratando de Bolsonaro, ele também
foi vítima de mentiras. Não queremos dizer aqui com isso que seus adversários
são santos. Houveram mentiras contra ele, algumas até sem a menor lógica. Elas
não são desculpáveis. Mas ouso dizer, de forma categórica até, que não existe
comparação com o que foi feito por ele, e pelos seus, desde, digamos, 2013,
quando ele aparece no cenário mundial como essa figura que encarna o
antipetismo em seu formato mais virulento. O que quero mostrar é que coisas
propagadas por ele e seus partidários se configuram como verdadeiras
invencionices, que todo mundo reproduzia em discussões com a cara mais lavada,
como se fosse a verdade mais límpida do mundo. E esse estratagema serviu para
descredibilizar quem pensa diferente dele, e para alavancar seu moral perante a
opinião pública, que foi a que o elegeu. Coisas que foram repetidas à exaustão,
por alguns de forma quase que doentia. Sem elas, é capaz do resultado ter sido
bem diferente.
Comecemos
pelo “Decálogo de Lenin”. Atribuído ao líder da Revolução Russa, contém uma
série de sugestões para a ação dos comunistas, tipo “acusem os outros do que
vocês faz” e “proponha e pratique o sexo livre para minar a família.” Acontece
que Lenin, goste-se ou não dele, jamais escreveu o tal decálogo. Segundo o site
Boatos.org, especializado em desmentir fake
news, o texto foi publicado pela primeira vez em 1946 por um jornal inglês,
com o intuito de já gerar elementos para o conflito ideológico da Guerra Fria.
Lenin morreu em 1924.
E o “kit
gay”? O TSE chegou a proibir a veiculação disso como notícia falsa, embora
muita gente continuasse espalhando durante a campanha. O tal “kit” na verdade,
se chamava Escola sem Homofobia, e não buscava incentivar as crianças ao
homossexualismo ou à sexualidade precoce. Buscava o combate à discriminação de
pessoas por conta de sua sexualidade. Buscava desconstruir preconceitos,
combater a violência e educar as pessoas no combate à homofobia. Nem chegou a
ser posto em prática pelo governo, por conta da pressão de grupos
conservadores. Mentiras similares envolveram o candidato Fernando Haddad: teria
escrito um livro em que incentivava o incesto, teria estuprado uma aluna, e
teria distribuído mamadeiras com o bico em formato de pênis.
Outras
mentiras famosas, que viralizaram nos últimos anos: o MST é uma milícia do PT
pronta pra tomar as ruas, os médicos cubanos são guerrilheiros infiltrados, o
Judiciário está aparelhado pela esquerda pra livrar a cara de todos os
petistas, o filho do Lula é dono da Friboi, e por último, as urnas eletrônicas
são fraudadas. Todas essas mentiras, sórdidas, ainda hoje são acreditadas por
quem deseja denegrir a imagem da esquerda, mesmo que já estejam claramente desmentidas.
A tática goebbeliana funcionou, e com extremo sucesso.
Antes de
terminar, é interessante notar que as notícias falsas não são novidades na
história brasileira. Deodoro só proclamou a República, ele que era um
monarquista, porque foi enganado por militares mais próximos; o falso Plano
Cohen, que continha uma suposta conspiração mundial judaico-comunista serviu de
pretexto do golpe que implantou o Estado Novo; a derrubada de Goulart em 1964
também contou com o boato de que ele queria instaurar o comunismo no Brasil.
Coincidentemente, os militares estiveram envolvidos em todas essas
conspirações, e elas sempre tiveram por objetivo colocar um governo autoritário
e conservador no poder. Coisa de fascista!
Parte 5: “A violência é
tão fascinante”: grosseria e intimidação como elementos da política:
O fascista, per se, não gosta de política. Ele
repudia em essência o processo democrático, parlamentar. No máximo, ele o
suporta, o tolera. Acha-o corrompido, viciado, e isso é atestado em ditos e
feitos de líderes históricos do fascismo, como Hitler, Mussolini, e até do
brasileiro Plínio Salgado. Ele, o fascista, portanto, encarna facilmente os
anseios populares em períodos de crise das instituições, principalmente no
Brasil, onde já se vigora há muito um lugar-comum de que política é coisa de
canalhas. Um exemplo emblemático foi uma postagem que vi uma vez do então
deputado Major Olímpio, esse ano eleito senador pelo partido de Bolsonaro em
São Paulo. Nela, ocorre uma animação em que um cidadão (com certeza “de bem”
rsrsrs) explode o Congresso Nacional, onde ironicamente o major trabalha, e
continuará trabalhando, o que é uma atitude paradoxal, para dizer o mínimo. Mas
tudo isso faz sentido quando se constata o fato de que a violência está no DNA
do fascista, mesmo quando ele finge aceitar as regras do jogo. Afinal, “pelo
voto você não muda absolutamente nada nesse país”, disse nosso presidente
recém-eleito... pelo voto.
Um tanto por
culpa das redes sociais, mas também pela própria ascensão em si do fascismo (e as
duas coisas não deixam de ter relação), a violência se tornou uma constante do
confronto político desde o aparecimento de Bolsonaro. Nesse tópico, portanto,
buscarei mostrar a vocês boa parte das atrocidades ditas e praticadas por
bolsonarianos, pelo menos aquelas de que tomei conhecimento, e aqui novamente
vou falar de pessoas que talvez vocês conheçam, sem citar o nome, é claro. Vou
começar por algo que aconteceu comigo diretamente. Há uns três anos, fui
ameaçado de levar uma surra caso fosse encontrado na rua, por um empresário de
Limoeiro. Um senhor de idade, pra gente ver como é grave. Passou inclusive a
patrulhar minha página, e chegou a entrar num grupo da minha escola, que é no
Rio Grande do Norte, pra ficar discutindo comigo e me atacando. Esse mesmo
senhor sempre postava barbaridades no Facebook. Algumas tenho printadas até
hoje e repasso pra vocês:
Em agosto de
2015, numa postagem que mostrava um professor de esquerda expondo seu ponto de
vista em sala, comentou: “Na escola que
meu filho estuda esse monstro não daria uma aula sequer, nem que para isso eu
tivesse que manda-lo para o colo do capeta”. Em fevereiro do mesmo ano já
tinha colocado, referente também a uma professora: “Se fosse professora de um filho meu, garanto que não teria cirurgião
plástico que desse jeito na cara dessa covarde maldita”. Antes, em 2013,
postou o seguinte: “Nós odiamos
comunistas. Aqui não permaneceram (sic),
e os que não fugirem serão eliminados”. Pra terminar, em dezembro de 2015,
em meio a uma discussão comigo, ele postou: “Quem te disse que eu quero debater com você? Eu quero é te meter a
porrada”. O homem é só paz e amor rsrsrsrs Não argumenta, tudo pra ele é
resolver no “tiro, porrada e bomba”. E expõe publicamente na cara dura, sem
medir as consequências.
Outro
exemplo gritante de como o ódio se enterrou nas pessoas, principalmente nos
jovens, ocorreu com um aluno meu. Quando Bolsonaro deu aquela declaração sobre
os índios e quilombolas, que pesavam tantas arrobas e que não serviam nem pra
procriar, como se estivesse falando de gado, todo mundo caiu em cima,
logicamente. Esse jovem, na atitude fugaz de defender o indefensável, postou um
índio malandro cobrando pedágio ilegal, e usou esse exemplo isolado para dizer
que seu adorado ídolo tinha razão, e que realmente “esse povo não servia mesmo
nem pra procriar”. Quando vi, apesar de saber que o jovem era muito apaixonado,
me horrorizei. Como o discurso de ódio pode tão facilmente eliminar o senso
crítico de alguém, fazendo-o reproduzir qualquer bobagem pra defender um ídolo?
E não ficou só por aí. Assim como esse jovem, existiram outros, alunos e
ex-alunos, caras tímidos, aparentemente inteligentes, pretensamente
esclarecidos, gente que é “legalzão”, mas que nas redes defendem, sem pudor,
coisas como discurso de ódio, preconceito, tortura e regime de exceção. Teve
um, que inclusive num poema bem primário insinuou que seu professor de
História, no caso eu, era “doutrinador” (rsrsrsrs), postou poucos dias depois
do golpe que derrubou Dilma, uma homenagem a Brilhante Ustra, agradecendo-o
pelo país não “ser uma Cuba” hoje por conta dele. Será que ele realmente
conhece o que foi a tortura no regime militar? Será mesmo que ele acredita que
tenha valido a pena ser tão monstruoso? Será mesmo que ele acredita que a
Ditadura realmente nos livrou do comunismo? Tem ao menos noção do significado
desse conceito? Ou será que ele acha que Ustra não torturava barbaramente
pessoas, que é tudo mentira da esquerda? Ou sabe a verdade, e mesmo assim
apoia, o que é mais absurdo ainda? Mas é como eu disse quando falei dos jovens.
São carentes, frustrados, deficitários, e essa figura forte, “que fala grosso”,
os atrai tanto que os faz esquecer, ou simplesmente ignorar, relativizar, os
valores éticos mais primários. Se o líder manda matar ou morrer, eles matam ou
morrem. Não há espaço pro senso crítico. Assim é o fascismo!
Querem mais?
Sigamos! Um homem comentou na foto de uma amiga grávida, conhecida militante do
PSOL, que era contra o aborto, mas que era a favor só no caso dela. Uma outra
amiga foi ameaçada de estupro. Um outro, quando questionado por mim sobre as
similaridades entre Bolsonaro e Hitler, falou que gostava de Hitler. Quando
questionada por mim sobre a defesa da tortura, uma estudante de Direito disse
que vagabundo tem que levar é peia. Uma estudante de Direito!! Um grupelho,
numa tentativa de invadir uma reunião, em Limoeiro, ficou do lado de fora e
intimidou uma moça que estava amanetando. Isso sem falar em todos aqueles que
fazem sinal de arma, e que gostam de afirmações tipo “quando o capitão ganhar
não vai ter vez pra feministazinha e esquerdista vagabundo” ou “seria bom se a
ditadura voltasse, pois na época era tudo uma maravilha”. Violentam tudo, até a
História.
Novamente em
Limoeiro, uma moça homossexual foi abordada por policiais, e por ter cabelo
curto, foi logo discriminada. Quando disse que era uma mulher e não podia ser
revistada por homens, recebeu o seguinte como resposta: “Ué, mas tu num é
sapatão, num quer ser tratada como homem? AINDA BEM QUE ESSA ESCULHAMBAÇÃO VAI
ACABAR.” Em outras palavras, essa campanha, por conta de tudo que já vimos
mostrando, foi a que menos se pautou em propostas, preferindo a disputa rasa, o
que, diga-se de passagem, infelizmente, contaminou todo mundo, até quem não
queria.
Essas fortes
ameaças ocorreram também com o humorista Marcelo Adnet, que fez vídeos imitando
os presidenciáveis, e até Reinaldo Azevedo, crítico ferrenho do PT, que chegou
a afirmar: “Escrevi todos os dias contra o PT e nunca fui ameaçado de morte,
como agora.” Fora os constantes ataques de cunho racista desferidos nas redes
sociais.
Mas nem tudo
foram só ameaças, intimidações e discursos de ódio. Teve violência física
também, e essa, graças a Deus, não atingiu nem a mim nem a pessoas que eu
conheço. Mas foram inúmeras, e se espalharam Brasil afora. Vou mais uma vez
frisar: violência, tanto verbal quanto física, existe desde sempre no mundo
inteiro, e nas campanhas políticas um pouco mais. A diferença de agora é que
ela contava com o ingrediente do próprio discurso intolerante do candidato.
“Sai daqui viado, em 2019 essa putaria vai acabar”... essa e derivadas foram
ouvidas muitas vezes.
O mais
emblemático de todos foi o caso da vereadora carioca Marielle Franco. Militante
dos direitos humanos, e filiada ao PSOL, a vereadora foi metralhada junto com
seu motorista, ao que tudo indica por pessoas ligadas a milícias, aqueles
grupos criminosos formados por policiais da ativa. Outro que merece destaque é
o da professora Márcia Friggi, agredida por um aluno, e logo depois nas redes
sociais por se posicionar contra Jair Bolsonaro. Nem um padre escapou. Júlio
Lancellotti, famoso por trabalhar com meninos de rua, criticou o candidato numa
homilia, e passou a ser violentamente ameaçado quase que todos os dias, e por
profissionais da segurança pública, o que torna tudo mais grave.
Caso também
famoso desses últimos dias foi o do capoeirista Moa do Katendê, morto por 12
facadas por ter declarado voto em Fernando Haddad. Fechando a conta dos últimos
anos, os números são os seguintes: 115 mil denúncias de crimes de ódio em 2016.
No ano seguinte, caíram para 60 mil, o que deveria ser um alento. Mas segundo Thiago
Tavares, presidente da Safernet Brasil, primeira ONG do país a criar um canal
anônimo para receber denúncias relacionadas a crimes de ódio on-line, a queda
não se deve à diminuição do ódio, mas à sua naturalização. Ou seja, as pessoas
já acham algo normal. O Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP,
Martim de Almeida Sampaio, explica isso pelo fato de existir um candidato “que
opta, ao invés do enfrentamento no campo político, das ideias, pela violência
discursiva, que se traduz, nas ruas, em violência física.” Isso é claro e
notório quando se percebe que nenhum outro candidato, mesmo os mais
temperamentais, como Ciro Gomes, possuem um discurso que ao menos se aproxime
disso. Devemos ter muita clareza para não confundir explosões de raiva com
discursos deliberados de ódio.
Mas depois
de toda essa explanação, é legítimo o questionamento: e a facada no Bolsonaro,
vai falar não? Isso com certeza abre uma lacuna na nossa argumentação: como
falar de violência, sem falar no único atentado físico sofrido por um candidato
na campanha? Ou nas outras violências cometidas por petistas e etcétera? A
questão é que não se nega isso. Como eu disse antes, violência em campanha
política sempre existiu, infelizmente. A diferença agora é que há um grupo que,
claramente, prega isso abertamente, ou trata com indiferença. Por exemplo,
Bolsonaro foi esfaqueado por um homem ensandecido, sem ligação nenhuma com a
militância eleitoral de outro candidato. Todos os candidatos, TODOS, repudiaram
o ato, e se solidarizaram com o homem, atitude bem diferente da tomada por ele
quando do assassinato de Marielle ou de Moa do Katendê. No primeiro ele não se
posicionou, e no segundo disse, cinicamente, que não controlava seus
seguidores. Não teve uma notinha sequer de repúdio, ao menos pra mostrar
civilidade. Aliás, no caso Marielle, seus fãs fizeram foi tripudiar a memória
da moça, associando-a mentirosamente a traficantes conhecidos. Bolsonaro foi o
sujeito que publicamente desejou a morte a Dilma Roussef. Quando seu filho
quase desmaiou, e foi socorrido pela deputada Jandira Feghali, do PC do B, ele
dispensou grosseiramente a ajuda dela por ser comunista. Ou seja, semeou ódio o
tempo inteiro, sofrendo inclusive, e de forma lamentável, sem dúvida, o
discurso que tanto pregou. Contra ele a violência, que inegavelmente existiu,
foi incidental, embora igualmente repudiável, como colocaram todos os seus
adversários. Repito: TODOS! A dele, por todo o seu histórico de falas e
atitudes, foi consequência direta de seu comportamento e do seu modo de fazer
política, desde o início de sua carreira. Simples assim!!
Parte 6: A tática do
silêncio: será mesmo que o monstro dorme se não falarmos nele?
Quando
Bolsonaro ressurgiu em 2013 como figura de destaque na política, quase ninguém
o conhecia, como eu expus antes. Seu discurso esbravejante cativou muita gente
(os perfis eu já detalhei) e claro, causou logo repúdio imediato em outros.
Como eu já o conhecia, não me admirava nada as barbaridades que saíam de sua
boca. Ele sempre foi isso mesmo, nenhuma surpresa. Minha surpresa,
principalmente após a vitória de Dilma Roussef e suas sucessivas lambanças
políticas, ainda mesmo antes de tomar posse pela segunda vez, foi a força que
ele começou a ganhar. A cada pessoa que aparecia e demonstrava apreço por essa
criatura, eu ficava profundamente triste e desapontado. Eu pemnsava: como
ninguém pode perceber, logo de cara, que esse homem é um tresloucado, um
incivil, ou como diria meu pai, um “jumento batizado”?
Quando me
dei conta, já havia um nicho forte de apoiadores dele, e começam a surgir os
primeiros defensores, ferrenhos e fanáticos. Era, aliás é, quase uma seita. Se
você citasse o nome, os caras se doíam, e começavam logo a querer “argumentar”.
Minha escola teve, de forma bem tímida e meio clandestina, não por proibição,
mas por vergonha, aquelas famosas fotos diante do quadro negro batendo
continência. Comecei a perceber que outros colegas se incomodavam, embora
achassem aquilo normal e passageiro. Quando a coisa engrossasse, eles também
iam começar a partir pro esclarecimento, pensei. Me enganei redondamente. E
cometi desatinos em nome desse engano, dos quais me arrependo até hoje. Se
soubesse que ia entrar nessa luta sozinho, jamais teria entrado.
O primeiro
desses momentos foi um bate-boca tosco com um aluno em um grupo de whatsapp.
Ele falou uma besteira, e eu o corrigi com rispidez, achando, ingenuamente, que
os outros professores, bem mais polidos que eu, iriam engrossar o couro e fazer
o rapaz deixar de falar besteira. O que aconteceu foi que me vi solitário,
protagonizando uma ridícula troca de farpas. E com um aluno, pra piorar. Me
arrependo com todas as minhas forças do que fiz nesse dia, não por achar que
estava errado. Eu corrigira um aluno por conta de uma afirmação infeliz,
descabida, e considerava isso meu dever. Me arrependi por ter sido burro de
achar que mais alguém ia cerrar fileiras comigo, assim como por ter dado tanta
pinta do meu repúdio por Bolsonaro, algo que foi prontamente aproveitado para
provocações. Depois disso, escreveram o nome dele no quadro da sala onde eu ia
entrar, desenharam ele numa prova, e fizeram até desenhos pornográficos com
alusões a PT, Cuba, e coisas do tipo. Gestos de armas com os dedos, algumas
vezes. Um outro aluno chegou a me fazer a saudação nazista, sendo prontamente
cortado.
Entre os
meus colegas professores a tática adotada, por amizade aos alunos, por
covardia, e pelo menos um, por simpatias ao candidato, foi a do silêncio. Eu
fiquei, estupidamente, como o ser político ativo que sempre fui, por criação e
formação, como o único que se preocupava. Alguns alunos é que às vezes vinham
falar comigo. Alguns falavam abertamente em sala, e outros, que eu nem
imaginava, falavam comigo a portas fechadas, e eu percebia que eles queriam
dizer algo, mas não tinham coragem de se expor. Alguns colegas me disseram que
o melhor a fazer era manter a calma, não se arreliar com o assunto, pois não
daria em nada. Bolsonaro jamais seria eleito, diziam. Então, mantenhamos a
calma. Essa tática, que eu sempre considerei covarde, naturalmente não
funcionou. Bolsonaro foi eleito, e muitos nem sequer tiveram peito para lhe
fazer frente. Virei então o radical. Inclusive eu era aquele que os outros
esperavam se posicionar só pra entrar na rabeira. Fui um dos poucos que não
silenciou, e por fim, o silêncio da maioria não serviu de muita coisa. Nem
minha zoada, é bem verdade rsrsrsrs. Mas pelo menos eu me posicionei, e isso
deve valer alguma coisa.
Parte 7: Expectativas:
nuvens negras no horizonte
Depois de toda essa explanação, ficamos sabendo o que Bolsonaro é:
fascista, autoritário, despreparado, grosseiro e pseudo-moralista. Só por isso,
e usando a lógica mais básica, já podemos prever que será um desastre. Se
faltar num ponto, será num outro, porque são muitos os defeitos. O homem não
tem só ideias ruins, ele não tem preparo. E não fosse só isso, não tem apreço
pelas pessoas, não tem a menor vontade de ser, ou parecer, civilizado. A isso,
esse respeito, ele chama, pejorativamente, de “politicamente correto”. Vou
pegar carona numa análise que vi essa semana, e expor meu ponto de vista sobre
os pontos de seu governo que apresentam, pela lógica mostrada até aqui,
probabilidade de serem desgraças sem tamanho pro país. A não ser que ele, a
essa altura, vire outra pessoa, o que seria um milagre.
O primeiro
ponto é a questão do risco para a democracia, em especial para os direitos
civis consignados na carta de 1988. Começo pela tentativa de patrulhar
professores, através do famigerado projeto “Escola Sem Partido”. Em nome de uma
abstrata neutralidade (algo que simplesmente não existe) pretende-se evitar o
que chamam de “doutrinação ideológica”. Na verdade, o Estado deixa aberta a
noção de que existem conteúdos escolares “subversivos” que devem ser
eliminados. Se eu disser, por exemplo, que a Ditadura no Brasil foi ruim,
alguém pode achar que estou fazendo juízo de valor, e basta o pai ter uma
opinião positiva sobre o tema, que eu posso ser enquadrado como “doutrinador”.
“Ah, mas se você não é doutrinador, não deve se preocupar”, dizem. Na verdade
eu ficarei o tempo inteiro com a espada de Dâmocles sobre a cabeça, qualquer
coisa que eu fale que envolva comunismo, liberalismo, ditadura, revolução, pode
ser tirado do contexto e ser considerado propaganda. Quem consegue trabalhar
assim? O presidente inclusive incentivou a filmagem de aulas, o que é uma
atitude ilegal. Alguém só pode filmar ou gravar minha aula se eu expressamente
o permitir. Na verdade, o que se quer vilanizar os professores, já que a
maioria é de esquerda, e não votou nele. Com tanto problema nas escolas,
preocupar-se com isso é um absurdo.
Outra coisa
que fere os direitos civis é a ideia de dar carta branca pra polícia matar. Pra
quem não entende, já existe o amparo para a polícia em caso de legítima defesa.
Mas com a polícia despreparada que temos, licença para matar é um atentado aos
mais básicos direitos humanos, e até quem defende pode ser vítima disso. Nossa
polícia é capaz de confundir uma família inteira com bandidos, os caras vão a
julgamento e são absolvidos, e tem gente que ainda quer dar plenos poderes a
esses caras. As pessoas acham que só serão os “vagabundos”, mas se a polícia
achar que você é um deles, tchau tchau. Excludente de ilicitude é como se
chama, e isso já existe. Policial nenhum cumpre pena no Brasil por matar
bandido em legítima defesa. O problema é que, pra ser em defesa, tem de haver
um ataque. A polícia não pode simplesmente “achar” que corre perigo, ela tem
que correr perigo de verdade. É assim a legítima defesa, quer você goste ou não.
“Ah, mas até lá o policial morre”. Morre porque é despreparado. Aí, até ele se
preparar, quem morre sou eu. Ou você. Mas ninguém pensa nisso. Essa permissividade
toda é uma verdadeira tragédia anunciada.
Existe
também a questão da demarcação das terras indígenas e quilombolas. Ambas são
garantidas pela Constituição: a primeira pelo artigo 231, e a segunda pelo artigo 68 dos ADCT (Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias). Mexer com elas significa atentar contra o
direito de propriedade (tão caro ao discurso bolsonariano) e afronta direitos
adquiridos de povos que foram sempre alijados historicamente. Do ponto de vista
político é um retrocesso sem tamanho. Países com enorme população indígena,
como México, Colômbia e Bolívia reconhecem os direitos desses povos. Até os EUA
possuem suas reservas. No caso do Canadá, a terra indígena virou uma unidade
federativa, Nunavut. A proposta de Bolsonaro retira os direitos dessas gentes.
Quanto à
democracia, temos as várias declarações do candidato e do seu vice:
constituinte de notáveis, autogolpe, Forças Armadas tutelando a democracia
(“nós somos treinados na violência”). Será que Bolsonaro abriria mão do que
sempre defendeu a vida inteira. Possível, mas difícil de acreditar.
O segundo
ponto são os riscos para a soberania nacional. Apesar de se dizer patriota, o
presidente eleito possui uma sede enorme de agradar os EUA. Seu ministro da
Economia, o famigerado Paulo Guedes já afirmou que o Mercosul (que se fosse um
país seria a quinta maior economia do mundo) não será prioridade, e que o
Brasil frisará relações que “não se pautem pela ideologia”. Na verdade, mexer
com o Mercosul nos traria alguns problemas. Por exemplo, no bloco, as trocas
comerciais entre os membros não sofrem tarifas, apenas as que vêm de fora. O
Brasil ganha com isso ao vender automóveis pra Argentina, que teria que pagar
taxar pra comprar dos EUA, por exemplo, com o qual o Brasil, sem isso, não tem
condições de competir. Pragmatismo? Falta de ideologia? Será?
Nesse tom, o Brasil evitará os
vizinhos, a China, e irá se relacionar com Israel, um país que não possui essa importância
toda no cenário econômico mundial. Já pensa até em, a exemplo de seu amiguinho
Trump, transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, o que pode gerar
animosidades com os países árabes. Pragmatismo? Na verdade, subserviência aos
ianques, e ideologismo puro. A China vai ser deixada de lado por ser
considerada “comunista”, e os chineses já avisaram ao Brasil que o custo será
alto.
Já no plano
interno, o desejo de Paulo Guedes é o desmonte do Estado, e isso ele deixou
claro em tudo que foi entrevista que pôde dar. Até o valor dos bens imóveis da
União ele afirma conhecer. Enquanto Trump, que quase todos os eleitores de
Bolsonaro admiram, aumentou o papel do Estado na economia para gerar empregos,
que é o que ele está fazendo, aqui a palavra de ordem é deixar o Estado com o
mínimo do mínimo. Ele deixou claro que quer acabar com nosso Estado “social-democrata”,
e acena o tempo todo com a privatização de quase tudo. “Privatizações,
concessões e desmobilizações. Tinha que vender tudo”, “Privatizar só no
sapatinho, envergonhadamente, não. Tem que acelerar privatização para jogar na
área social”, são algumas das colocações dele. Historicamente, nenhum país
consegue sobreviver com tudo assim, privatizado. Nem a Coreia, nem Singapura,
nem ninguém. Como sustentar a saúde e a educação sem um Estado atuante? Como
fazer o Brasil voltar a se industrializar? No Brasil, o Estado é parte central
do desenvolvimento econômico. Todas as vezes que crescemos um pouco, foi com o
Estado empurrando a economia. Não temos nenhum capital privado capaz de puxar
para si essa responsabilidade. A pauta é entreguista, e totalmente, apesar de
gostar tanto de ojerizar a palavra, ideológica. O objetivo é ser um puxadinho
dos EUA. Lá se vai tudo o que foi feito até aqui para nos dar um pouquinho de
respeito no cenário internacional.
O terceiro
ponto é a política social, aquela voltada para a distribuição de renda. Em
outras palavras, a política para os mais pobres. Como eu já disse, Paulo Guedes
quer desmontar o Estado “social-democrata”. Pra quem não entende o conceito, a
social-democracia é a mãe daquilo que a gente pode chamar de Welfare State, ou Estado de Bem-Estar
Social, onde, mesmo dentro de uma estrutura econômica capitalista, o governo
interfere para inibir os abusos do mercado (através de impostos, políticas
assistencialistas, leis de proteção ao trabalho, etc.), e assim garantir a distribuição
de renda, e o aumento da qualidade de vida do povo. O pouco (mas importante) que
conquistamos nesse quesito está em vias de se perder de vez, e o povo acha que
isso é retórica de derrotado. Teremos mesmo que ver as pessoas se aposentar com
70 anos e o trabalhador tendo que deixar a carteira assinada para entrar de
cabeça na insegurança da informalidade para percebermos isso? Revoltante.
Enfim, eu,
como muitos outros, gostaríamos de estar errados, pois como trabalhadores que
somos, também seremos vítimas. Mas pra isso acontecer, Bolsonaro teria de ser
atingido por um condão e se transformar em outra pessoa. A lógica, pura e
simples, está contra nós. Nuvens negras no horizonte. Segura que lá vem a
tempestade!!
Epílogo: Não, eu não estou
torcendo contra o Brasil, você é que não entende das coisas:
O argumento
preferido dos bolsonarianos, diante da ratada que fizeram e não perceberam, por
ódio ao PT, por querer torar cabeça de bandido, por querer ter arma, por querer
falar mal de todo mundo sem as amarras do “politicamente correto”, por querer
posar de cristão exemplar, por não querer o Estado dizendo quanto ele deve
pagar pros seus empregados folgados, é de que tudo isso que a gente constatou,
e vem falando há mais de quatro anos (não é de hoje), é porque estamos torcendo
contra o Brasil. Já estou farto desse sofisma caricato. Não quero o mal pro
Brasil. Sou um trabalhador brasileiro, não tenho como fugir dessa desgraça.
Quero mais é que dê certo. Mas, vou repetir pela enésima vez: o nosso
presidente eleito teria de abdicar de tudo o que defendeu até aqui e se tornar
outra pessoa. Pode acontecer? Claro. Mas pela lógica, a probabilidade é quase
nula. E eu, como professor, historiador, leitor, cidadão ativo e politizado,
que sabe do que está falando, me baseio na lógica, na História. Tanto que errei
pouco nesses tempos. Falei desde o início que Cunha e Aécio eram pilantras, que
Marina era volúvel, e que o golpe iria afundar o Brasil ainda mais. E todos
teimaram comigo. Queria eu poder dizer: rapaz, eu estava mesmo errado. Os
direitos estão sendo respeitados, a criminalidade está sob controle, o Brasil
está crescendo, o número de pobres está diminuindo, e nossa vida como um todo
está melhorando. Queria mesmo! Até rezo por isso quando posso. Torço sim, coisa
que o candidato de vocês nunca fez na oposição. Então parem de jogar essa pecha
nos outros, dizendo que querem o pior pro país. Quem votou num louco por
raivinha de um partido foram vocês!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMacho, fazer vídeo é difícil. Mas vai sair
ResponderExcluirPalavras para o povo!
ResponderExcluirO texto mais didático que já li a respeito dessa fase obscura pela qual passamos!
ResponderExcluirAnálise muito atual!
ResponderExcluirEstava pesquisando sobre o Humberto Gessinger, acabei "caindo" aqui. Eu não sei se textos dos Blogs podem ser editados, caso não, sua análise política foi uma previsão assustadora. O ano é 2021, agosto mais precisamente e, as nuvens negras no horizonte são reais.
ResponderExcluirJúnior, infelizmente não foi editado. Uma realidade que já se prenunciava desde bem antes, só não viu quem não quis
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