Há algum tempo participo de um grupo que discute política em minha cidade natal, Limoeiro do Norte - CE. Por algumas vezes nos reunimos pra pensar coisas importantes para nossa cidade. Uma das coisas que nos inquietou foi a falta de transparência no trato com o dinheiro público. O texto a seguir, que trata do assunto, é de autoria do meu pai, José Castro Maia de Freitas, que fazia análises políticas semanalmente numa rádio local. Foi escrito em Novembro de 1999. Mas parece que foi ontem. É sobre Limoeiro, mas vale pra qualquer cidade do interior:
Uma
das principais obrigações do administrador público é governar de forma
transparente, de modo que não paire nenhuma dúvida sobre suas ações, e assim
permita um melhor e mais preciso julgamento da parte dos seus governados. O
grande problema que se vê hoje no relacionamento entre sociedade e governo é
exatamente a ausência quase total desse requisito primordial que deveria estar
presente nas ações de todos os gestores da coisa pública. As administrações
públicas municipais, por estarem bem mais próximas do povo, dos cidadãos, são
as que mais se ressentem desse fator e porquanto são as que mais necessitam
desse elemento, fundamental em qualquer lugar do país.
Hoje,
através dos jornais, rádios, televisões e até da rede mundial de computadores
(Internet), com um pouquinho de esforço, se tem, em mãos, os dados reais sobre
os recursos financeiros que entram mensalmente nas prefeituras. Por outro lado,
quando se trata da verdadeira aplicação desses recursos por parte dos
executivos e seus secretários, a coisa se transforma em mistério. Por mais que
a sociedade cobre é impossível se saber corretamente como são ou como estão
sendo aplicados tais recursos. Os governantes preferem arcar com o ônus da
desconfiança e da crítica velada dos cidadãos, que a cada dia mais desacreditam
das suas boas intenções e dos seus bons propósitos, do que informar
corretamente, e com precisão, onde está sendo gasto, tostão por tostão, o
dinheiro arrecadado, negando assim ao povo um direito que lhe é assegurado pela
própria Constituição Federal.
A
população entende, e até com uma certa razão, que essa atitude estranha da
quase totalidade dos nossos gestores públicos, sobretudo dos prefeitos
municipais, tem por finalidade uma única questão, qual seja, a de esconder
gastos, despesas ou desperdícios de dinheiro, que se chegados ao conhecimento
público, provocariam grandes reações contrárias a esses governantes, muitos dos
quais não teriam, se fossem verdadeiramente abertas as suas “caixas pretas”,
condições de continuarem com os seus mandatos.
Há
outra questão sintomática que também deixa o cidadão desconfiado. É a
preocupação dos Executivos com a maioria nas Assembléias e Câmaras de
Vereadores. Sabe-se que essas maiorias, tanto nos Legislativos estaduais quanto
nos municipais, principalmente nos segundos, quase sempre são conseguidas fora das
regras convencionais. Não gostamos da expressão, mas é comum se ouvir que elas,
as maiorias, se dão pela compra de parlamentares. Por que isso? Por que e para
que servem essas maiorias? Se as administrações públicas, federal, estaduais e
municipais, especialmente as municipais, fossem realmente transparentes,
sérias, e portanto destinadas ao verdadeiro atendimento dos reais interesses da
coletividade e direcionadas ao equacionamento ou, pelo menos, à diminuição dos
graves problemas sociais, não necessitariam prioritariamente dessa maioria. Na
democracia existe a figura da negociação, do acordo, da barganha, que aqui não
podem ser confundidos com negociata, desajuste ou transação ilegal.
Aliás,
discute-se muito hoje a formação dessas maiorias nos parlamentos, e há quem
afirme que elas existem muito mais para encobrir desmandos administrativos, do
que para servir ao povo, ao cidadão, à comunidade. Pelo visto, e de acordo com
os resultados, diga-se de passagem, catastróficos de certos governos, passados
e presentes, esta afirmação está correta.
A
quase completa nulidade das nossas Câmaras e Assembléias, no tocante às suas
prerrogativas constitucionais, é mais um atestado de que existe algo de podre
nesse relacionamento Legislativo/Executivo.
A
responsabilidade que pesa sobre as casas legislativas é muito grande nestes
casos, por isso os desgastes provocados pela falta de fiscalização por parte de
deputados e vereadores só servem para aumentar cada vez mais a desconfiança do
povo, redundando no próprio descrédito de toda classe política. O cidadão
comum, com certeza ignora as leis e as normas contábeis que regem as
administrações públicas, porém ele sabe quando um gestor, um prefeito, está se
comportando direito com relação aos seus gastos e com a aplicação correta dos
recursos. Quanto mais claro for o relacionamento entre governantes e
governados, na questão do uso das verbas públicas, maior será a aceitação e o
apoio dos segundos para com os primeiros, e consequentemente, menor será o
risco de desvio e malversação dos recursos públicos.
Esse
princípio é muito simples e fácil de ser entendido pela população. No entanto,
na prática acontece sempre o contrário. Daí a existência cada vez maior dessa
onda de descrédito do povo com relação aos seus administradores. Não importa
aqui se as maiores críticas são direcionadas ao Poder Executivo ou ao
Legislativo, porque afinal de contas, ambos são os responsáveis pelo que ocorre
de bom e de ruim numa administração. Em suma: o primeiro deveria apenas e
simplesmente cumprir o que determina o segundo tendo como fundamento apenas o
respeito, a harmonia e a independência.
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