Não
é novidade pra ninguém a notícia da morte do presidente venezuelano, coronel Hugo
Rafael Chávez Frias, ocorrida há quatro dias. Não deve ser novidade também a
repercussão que essa notícia teve na imprensa e nas redes sociais,
principalmente por parte de seus detratores. Resolvi escrever esse texto depois
que presenciei isso num dos grupos de discussão do Facebook do qual participo.
Quero
dizer primeiramente que não acho nenhum tipo de crítica a quem quer que seja,
ilegítima. Criticar é um direito de qualquer ser pensante. Mas considero que,
assim como existe a liberdade de criticar, de não concordar com algo, existe a
liberdade de replicar, de não concordar com a crítica. Principalmente quando
ela vem mal fundamentada, como foi o caso. E mais ainda quando parte de pessoas
que deveriam ter mais um pouco de esmero ao analisar fatos sociais. Um historiador,
por exemplo. Não são poucas as vezes em que nos deparamos com gente que, tendo
formação em História, se deixa levar por fracas análises feitas por amadores,
gente que não tem formação na mesma área. Ao invés de ensinar a História aos
outros, o que é seu ofício legítimo, se torna reprodutor de discursos que não
passam nem mesmo numa análise modesta dentro desse campo do conhecimento. E eu
me deparei com vultosas “pérolas”, vindas de um dos professores de História
mais respeitados da minha cidade. “Pérolas” essas que mostro a seguir. Antes,
porém...
Antes,
porém, gostaria somente de esclarecer que ninguém, repito NINGUÉM, está acima
de questionamentos e críticas. Só acho que não se deve faltar com a verdade,
nem se abster dos embasamentos da pesquisa. O senhor Chávez, como qualquer um
de nós, tem defeitos, que devem ser realmente colocados e questionados. Passar
disso é mentir descaradamente. E quando se trata de um historiador, é mais
grave ainda. Dito isso, vamos aos exemplos:
O
meu eminente interlocutor começa dizendo, a título de crítica introdutória, e
com tons irônicos, que o presidente Chávez era “amigo das FARC, dos irmãos
Castro (Fidel e Raúl) e do Irã.” Para quem só lê Reinaldo Azevedo e Olavo de
Carvalho, é uma bofetada e tanto. Pra quem lê História, o buraco é mais
embaixo. Como assim? Apesar de críticas que devem ser feitas aos três, a
colocação merece complementações. Comecemos pela guerrilha colombiana. 1) As
FARC são realmente um grupo guerrilheiro que se vincula ao narcotráfico e
pratica sequestros. Como também o fazem grupos colombianos de direita, como o
AUC. Sempre é bom lembrar isso. Assim como é bom lembrar o fato de que foi Hugo
Chávez, e não o governo intransigente de Álvaro Uribe, quem conseguiu o
ineditismo de fazer com que a guerrilha entregasse alguns reféns. Pelo visto,
uma “amizade” que trouxe bons frutos. 2) Quanto à ditadura cubana, sempre se
tratou de uma questão de honra da direita tupiniquim, mesmo que a República dos
Castro nunca tenha nos feito nenhum mal, ao contrário dos tão adorados EUA.
Aproximar-se de Cuba, uma “ditadura sanguinária”, que, incrivelmente, e apesar
da discordância do canal Fox (conservadoríssimo), mantém níveis satisfatórios
de atendimento hospitalar, mortalidade infantil, alfabetização e alimentação, é
uma heresia. Isso para Veja e afins, não para historiadores. Falta na crítica
um pouco mais de aprofundamento. 3) Quanto a ser amigo do Irã, fico sem saber o
que tem isso demais. Deveria ser amigo de Israel, que mata crianças palestinas
inocentes, e prende e tortura outras tantas? Ou da Arábia Saudita, em que
mulheres não podem nem dirigir e professores não podem trazer a Bíblia para uma
aula? Ah, já sei, é por causa da bomba (mais uma vez o vejismo). Se fosse
assim, deveria-se começar o repúdio pelos EUA, que foram até hoje os únicos que
fizeram atentados nucleares na História. Mas seria pedir pra ler coisas demais!
E
meu colega continua: “O governo Chávez fechou órgãos de comunicação pelo simples
fato destes serem oposição”. Digno do Reinaldo ou do Olavo. Ou de estudantes do
primeiro período. Na boca de um profissional da História, é uma aberração. Dizer
isso é desconhecer os fatos. Senão vejamos: Será que ele sabe que redes de
televisão são concessões estatais, com prazo de validade, que podem ser ou não
renovadas? Será que ele sabe que a única rede de televisão que perdeu a
concessão, durante todo o mandato de Chávez, foi a Rádio Caracas Televisión
(RCTV)? Será que ele sabe que a razão disso foi o fato de a emissora ter
participado ativamente de uma tentativa de golpe de Estado em 2002? Será que
ele sabe que esse crime é punido em outras partes, como nos EUA e no Reino
Unido, por exemplo, com a pena de morte? Não deve saber. Os “tratados” de
História de Olavo de Carvalho não ajudam muito nesse ponto. Ele devia “zelar
melhor pela sobrevivência do seu cérebro”!
O
perigo dessas coisas é que contagia o senso comum, sempre pronto a “entender”
sobre tudo. Um dos amigos de meu eminente colega sai com essa pérola: “Eles
mesmos (os cubanos) cultuam essas figuras (tipos como Chávez e Castro). Convivo
diariamente com um cubano, e ele acha bobagem o que prega aquela blogueira que
andou pelo Brasil. Eles recebem 22 dólares de salário e acham normal. As
empresas que se instalam em Cuba, pagam ao governo e o governo que paga o
salário de 22 dólares aos cubanos, e isso é tudo normal. Claro, não são
todos... mas é um exemplo real, fiquei besta ao escutar do próprio.” Que absurdo, vejam só? O cara recebe US$ 22,00 por mês e
ainda acha bom? Por que será? Deve ser porque lá uma cesta básica custa US$ 3,00.
Ou porque o aluguel custa entre US$ 1,00 e US$ 2,00. Ou mesmo porque com US$
1,00, o cubano pode pagar dois meses de eletricidade. Ou ainda porque a
passagem de ônibus custa US$ 0,15. Sem falar na educação e na saúde, que são
gratuitas. Números como esse não são vistos em Veja.
E o show de absurdos não para por aí. Sempre há que se dizer que “esses
caras se sustentam na boa fé do povo sofrido” (quem os fez sofrer tanto, é algo
que nenhum deles ousa responder!). Sem falar naquilo que uma vez vi chamarem de
reductio ad Hitlerorum, ou seja, quer
fazer algo parecer ruim, perverso e asqueroso, estabeleça qualquer semelhança
com Adolf Hitler. No fundo, mistura perniciosa de sofisma com baboseira, e um
toque especial de leituras mal feitas. E há ainda algumas outras colocações
menores, sobre as quais não vejo necessidade de me debruçar no momento. Afinal,
o que eu queria dizer já foi dito, pelo menos por enquanto. Espero que essas
palavras tenham alguma serventia, para quem deseja, SINCERAMENTE, conhecer
melhor os assuntos em questão. Espero também, que as discordâncias apareçam,
mas dessa vez mais bem fundamentadas e embasadas. Sem distorcer os fatos e sem
informações incompletas.
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