A recente
questão sobre a retirada dos crucifixos dos tribunais reacende um antigo debate:
quais são os limites do assim chamado laicismo? Em nome da defesa do Estado
laico, o que se pode e o que não se pode fazer? É uma questão que, apesar de
possuir não poucos pontos positivos, como mostrarei aqui, por vezes incorre em
exageros, equívocos e oportunismos pedantes. Devemos, todos nós, ser muito
cuidadosos, para não agredirmos a Constituição e os direitos humanos, em nome
de um pretenso zelo iluminista pela tolerância. Por outro lado, não podemos
esquecer que devemos também usar de cautela ao misturar o espaço estatal com o
espaço religioso.
Antes de
qualquer consideração, o que devemos ter muito em mente é o verdadeiro
significado de Estado laico. Nesse tipo de Estado, as religiões não possuem
privilégios, nem tampouco representação do Estado. Este, por seu lado, não deve
perseguir ou constranger nenhuma delas. Para que todo mundo entenda: o Estado
representa uma Nação. Esta é formada por vários indivíduos. Se ele for laico, e
às vezes mesmo não sendo, esses indivíduos possuem as mais variadas crenças. O pleno
exercício delas é garantido por esse Estado, tendo por princípio os direitos
básicos das mesmas à livre reunião e à livre expressão pública. Ocorre que
muitos indivíduos dessa Nação, podem estar inseridos na estrutura estatal. E
mesmo assim, eles, enquanto indivíduos, possuem o direito de ostentar sua
crença. Quem não pode fazê-lo é o Estado. Tá, mas qual a diferença, então? Não
é fácil discernir de primeira, mas vamos tentar outro exemplo: eu, como
professor, não devo ser obrigado a, mesmo trabalhando numa escola pública,
deixar de usar símbolos religiosos que uso no dia-a-dia, como meu escapulário,
ou mesmo minha aliança de casamento. Impor isso seria uma agressão ao meu
direito de expressão e à minha liberdade religiosa. Eu, por conseguinte, não
posso fazer proselitismo religioso na sala de aula, pois além de estar abusando
da natureza da minha função, estaria atentando contra o direito à pluralidade
ideológica dos meus alunos. Entender que essa pluralidade existe e respeitá-la em
qualquer indivíduo, talvez seja o princípio mais completo do laicismo. Não
perseguir, não privilegiar, deixar cada um à sua própria consciência.
Voltando à
questão inicial, as imagens e símbolos religiosos em repartições públicas,
principalmente em sedes de poderes da República, como o STF e o Congresso
Nacional, não se tratam de externação de crença pessoal, que é um direito do
indivíduo, mas de confessionalidade estatal. Ou seja, infelizmente para alguns,
é sim um atentado à laicidade do Estado. O interessante é que não chegam a ser
tão fortes quanto os feriados religiosos (Nossa Senhora Aparecida, Corpus Christi,
Natal). Surprendentemente, nunca se viu, eu pelo menos nunca vi, nenhum outro laicista
defendendo a hipótese de aboli-los, o que deixa meio implícito um oportunismo pedante
dessas pessoas. Parece faltar-lhes coragem para um embate mais radical. Convido
os laicistas ateus ou sem religião (eu sou talvez um dos poucos católicos
laicistas do mundo) a serem coerentes com suas ideias e a comparecerem ao
trabalho nos feriados religiosos. E a terem a coragem de defender, como eu faço
aqui, a abolição do feriado religioso. Se não for pra ser laicista de verdade,
então seria melhor deixarem os crucifixos, que não fazem mal a ninguém, em paz.
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