quinta-feira, 1 de março de 2012

OS PADRES E A POLÍTICA


            É lugar comum entre muitos formadores de opinião, a ideia de que padres não devem se meter em política. O principal argumento, existem outros, para se justificar essa ideia é que, enquanto a religião diz respeito aos aspectos particulares e introspectivos, à esfera individual portanto, a preocupação da política é com o público, com o externo, ou seja, com o coletivo. Esse pensamento ganha força, tanto na esquerda quanto na direita, quando a opinião do padre entra em conflito com interesses político-ideológicos pré-estabelecidos de qualquer das correntes. Os primeiros horrorizam-se quando vêem um bispo falando contra o aborto. Os segundos, quando o vêem defendendo os movimentos sociais ou a reforma agrária. Ambos, ao buscarem alijar alguém da esfera política, usando para isso o fato de esse alguém representar uma religião, cometem grave erro, tanto do ponto de vista político, quanto do ponto de vista técnico, e até mesmo, quando é o caso, do ponto de vista teológico-filosófico, que explicarei no final.
            Primeiramente, e partindo da premissa de que vivemos e defendemos o sistema democrático, as igrejas, como agrupamentos sociais que são, possuem sim espaço para a exposição das suas opiniões. Quem nega isso reproduz um conhecido erro, infelizmente muito comum: confunde Estado laico com Estado ateu. O fato de nenhuma religião possuir privilégios (premissa do primeiro), não significa que elas não valham nada (premissa do segundo). Como um sindicato, um partido, uma associação de empresas, ou uma ONG, uma igreja também é parte integrante da sociedade. Elas congregam pessoas e formam opiniões. Negar a elas o direito de participação democrática dentro do debate político, de exercer a sua liberdade de expressão, é uma atitude extremamente autoritária, digna de qualquer ditadura.
            Em segundo lugar, mesmo resguardado o seu caráter particular e introspecivo, o ponto de vista religioso é pressuposto para determinadas práticas em sociedade. As ideias políticas são a mesma coisa. Nesse ponto, os conjuntos ideológicos, sejam eles religiosos (cristianismo), políticos (socialismo), ou econômicos (liberalismo), têm o valor de pressupostos, de guias pessoais de ação. E isso nem é um problema e nem mesmo desfundamenta argumentos. Quando um cristão fala sobre aborto, está tratando de um assunto que, embora não pareça, é político. Quando argumenta, com base em dados concretos, científicos ou não, está participando do debate, e não simplesmente fazendo proselitismo religioso. Isso desmistifica aquele argumento de que “ah, ele é católico!” Se fosse assim, nenhum argumento valeria, visto o fato de ninguém ser neutro. Sendo assim, um padre, um bispo, o Papa, ou mesmo um leigo militante do catolicismo merecem, como todas as outras pessoas, ter o direito de expor suas opiniões. Se a argumentação for fraca, rebate-se como se deve. Combate-se os erros com o uso racional da argumentação, e não com um cala-boca autoritário.
            Por último, existe também o erro do ponto de vista teológico. Consiste em dizer que a função do padre é cuidar das “coisas de Deus”, não devendo ele se imiscuir na política. Alguns até dizem que a própria Igreja determina isso. Na verdade, confundem politizar com partidarizar. O que os padres não devem é adentrar em partidos. Mas mesmo assim, deve-se levar em conta que um padre não está isolado da sua sociedade e, enquanto pessoa, possui uma história pessoal relacionada intimamente ao seu meio social. A militância anticomunista de João Paulo II tem raízes nas relações pouco amistosas dele com o governo socialista de seu país. Leonardo Boff é amigo de Lula. Dom Eugênio Sales foi amigo de ACM. Querer confinar o padre na sacristia é falácia, teologicamente também. Como pastor, líder de uma comunidade, de um grupo de pessoas, ele possui papel relevante no campo da ação política.* POLÍTICA, não politicagem partidária. Sem fazer campanha pra ninguém usando o púlpito, como infelizmente fazem muitos pastores protestantes, isso sim um grande desvio, na minha opinião, ele deve sim participar ativamente da vida política, dentro do seu campo de atuação, visando sempre, claro, o bem comum. Afinal, para fazer isso não precisa necessariamente exercer mandato ou fazer parte de um partido.

*”A Igreja critica aqueles que tendem a reduzir o espaço da fé à vida pessoas ou familiar, excluindo a ordem profissional, econômica, social e política, como se o pecado, o amor, a oração e o perdão não tivessem importância aí. (...) Há instrumentalização da Igreja que pode provir dos próprios cristãos, sacerdotes, e religiosos quando anunciam um Evangelho sem conexões econômicas, sociais, culturais e políticas. Na prática, esta mutilação equivale a certo conluio – embora inconsciente – com a ordem estabelecida.” (Documento da Conferência dos Bispos Latino-Americanos em Puebla, nn. 515 e 558, extraído por mim do livro Igreja: Carisma e Poder, de Leonardo Boff. Os grifos estão no livro.

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