É
lugar comum entre muitos formadores de opinião, a ideia de que padres não devem
se meter em política. O principal argumento, existem outros, para se justificar
essa ideia é que, enquanto a religião diz respeito aos aspectos particulares e
introspectivos, à esfera individual portanto, a preocupação da política é com o
público, com o externo, ou seja, com o coletivo. Esse pensamento ganha força,
tanto na esquerda quanto na direita, quando a opinião do padre entra em
conflito com interesses político-ideológicos pré-estabelecidos de qualquer das
correntes. Os primeiros horrorizam-se quando vêem um bispo falando contra o
aborto. Os segundos, quando o vêem defendendo os movimentos sociais ou a
reforma agrária. Ambos, ao buscarem alijar alguém da esfera política, usando
para isso o fato de esse alguém representar uma religião, cometem grave erro,
tanto do ponto de vista político, quanto do ponto de vista técnico, e até mesmo,
quando é o caso, do ponto de vista teológico-filosófico, que explicarei no
final.
Primeiramente,
e partindo da premissa de que vivemos e defendemos o sistema democrático, as
igrejas, como agrupamentos sociais que são, possuem sim espaço para a exposição
das suas opiniões. Quem nega isso reproduz um conhecido erro, infelizmente
muito comum: confunde Estado laico com Estado ateu. O fato de nenhuma religião
possuir privilégios (premissa do primeiro), não significa que elas não valham
nada (premissa do segundo). Como um sindicato, um partido, uma associação de
empresas, ou uma ONG, uma igreja também é parte integrante da sociedade. Elas
congregam pessoas e formam opiniões. Negar a elas o direito de participação
democrática dentro do debate político, de exercer a sua liberdade de expressão,
é uma atitude extremamente autoritária, digna de qualquer ditadura.
Em
segundo lugar, mesmo resguardado o seu caráter particular e introspecivo, o
ponto de vista religioso é pressuposto para determinadas práticas em sociedade.
As ideias políticas são a mesma coisa. Nesse ponto, os conjuntos ideológicos,
sejam eles religiosos (cristianismo), políticos (socialismo), ou econômicos
(liberalismo), têm o valor de pressupostos, de guias pessoais de ação. E isso
nem é um problema e nem mesmo desfundamenta argumentos. Quando um cristão fala
sobre aborto, está tratando de um assunto que, embora não pareça, é político.
Quando argumenta, com base em dados concretos, científicos ou não, está
participando do debate, e não simplesmente fazendo proselitismo religioso. Isso
desmistifica aquele argumento de que “ah, ele é católico!” Se fosse assim, nenhum
argumento valeria, visto o fato de ninguém ser neutro. Sendo assim, um padre, um
bispo, o Papa, ou mesmo um leigo militante do catolicismo merecem, como todas
as outras pessoas, ter o direito de expor suas opiniões. Se a argumentação for
fraca, rebate-se como se deve. Combate-se os erros com o uso racional da argumentação,
e não com um cala-boca autoritário.
Por
último, existe também o erro do ponto de vista teológico. Consiste em dizer que
a função do padre é cuidar das “coisas de Deus”, não devendo ele se imiscuir na
política. Alguns até dizem que a própria Igreja determina isso. Na verdade,
confundem politizar com partidarizar. O que os padres não devem é adentrar em
partidos. Mas mesmo assim, deve-se levar em conta que um padre não está isolado
da sua sociedade e, enquanto pessoa, possui uma história pessoal relacionada
intimamente ao seu meio social. A militância anticomunista de João Paulo II tem
raízes nas relações pouco amistosas dele com o governo socialista de seu país.
Leonardo Boff é amigo de Lula. Dom Eugênio Sales foi amigo de ACM. Querer
confinar o padre na sacristia é falácia, teologicamente também. Como pastor,
líder de uma comunidade, de um grupo de pessoas, ele possui papel relevante no
campo da ação política.* POLÍTICA, não politicagem partidária. Sem fazer
campanha pra ninguém usando o púlpito, como infelizmente fazem muitos pastores
protestantes, isso sim um grande desvio, na minha opinião, ele deve sim
participar ativamente da vida política, dentro do seu campo de atuação, visando
sempre, claro, o bem comum. Afinal, para fazer isso não precisa necessariamente
exercer mandato ou fazer parte de um partido.
*”A
Igreja critica aqueles que tendem a reduzir o espaço da fé à vida pessoas ou
familiar, excluindo a ordem profissional, econômica,
social e política, como se o pecado, o amor, a oração e o perdão não
tivessem importância aí. (...) Há instrumentalização
da Igreja que pode provir dos próprios cristãos, sacerdotes, e religiosos
quando anunciam um Evangelho sem conexões
econômicas, sociais, culturais e políticas.
Na prática, esta mutilação equivale a
certo conluio – embora inconsciente – com a ordem estabelecida.” (Documento da
Conferência dos Bispos Latino-Americanos em Puebla, nn. 515 e 558, extraído por
mim do livro Igreja: Carisma e Poder,
de Leonardo Boff. Os grifos estão no livro.
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