quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

TOMÁS E FREDERICO PARTE 1: SAÚDE E EDUCAÇÃO


Tomás e Frederico são dois grandes amigos, que gostam muito de conversar. Conversam sobre qualquer assunto, esportes, política, arte, literatura, história, religião, etc.. Só que eles são meio diferentes. Tomás gosta muito de ler e estudar, tendo um conhecimento mais apurado das coisas. Frederico é mais relapso. A única coisa que ele lê são jornais e revistas, o que faz com que ele tenha uma visão mais enviesada do mundo. Às vezes eles discutem feio quando discordam de alguma coisa. Mas nada que abale muito a amizade entre eles.
Outro dia eles tiveram a seguinte conversa:
F: Os professores precisam ganhar mais dinheiro. Só assim a educação pública poderá melhorar.
T: Concordo com você, o salário do professor está muito aquém do esperado para o seu nível de formação. Mas, infelizmente, a educação pública não pode se resolver tão fácil assim. Se fosse assim a saúde pública seria uma beleza, visto o salário dos médicos. E no entanto?
F: Como assim Tomás?
T: Salário alto não garante, por si só, qualidade no serviço. As escolas particulares, aquelas em que todo mundo quer por os filhos, são as que, geralmente, pagam mal os professores. E mesmo assim são consideradas as melhores. O fato é que eles são desrespeitados de qualquer maneira.
F: No meu tempo os professores eram respeitados, mesmo ganhando pouco.
T: Pois é. Mas essa bomba estourou agora. A profissão do magistério passa hoje por um processo enorme de degradação e proletarização, que o torna indigno de respeito por todos, Estado, diretores, alunos e sociedade em geral. No Brasil, que nunca se preocupou com a educação primária no decorrer de sua história, e continua a não se preocupar, isso se torna extremamente gritante. E o intuito, com isso, é garantir a manteneção do status quo.
F: Manteneção do quê?
T: Manter tudo do mesmo jeito. Conservar a desigualdade social: pobres continuarem pobres e ricos continuarem ricos. Como a educação é a porta para a ascensão social e para o acesso à verdadeira cidadania, basta fechar essa porta e tudo continua na mesma. Além disso, pessoas pobres e deseducadas são, infelizmente, mais facilmente manipuladas e menos organizadas para reivindicar seus direitos. Por isso a educação e a saúde públicas, voltadas para esse grupo de pessoas, continuam a ser a desgraça que são hoje. Quem tem dinheiro paga plano de saúde e escola particular, e fica tudo resolvido. E os professores são considerados simples funcionários desse esquema.
F: Mas outro dia desses eu li que alguns professores, principalmente de história e geografia, estão tentando impor, à força, ideologias na cabeça dos alunos.
T: Você e suas revistas! Mas não é isso mesmo o que a sua revista faz com seus leitores? Essa questão de ideologia é falácia. Todo discurso é ideológico, pois parte de uma interpretação da realidade. Assim são os professores e assim também é a imprensa. Esta última se chateia porque os professores de humanas apresentam um contraponto fortíssimo ao que ela sempre pregou. Por isso todo esse discurso de que o nível da formação deles é baixo, de que seus livros didáticos são ideológicos e de que é necessário monitorar o que é dito em sala de aula, além da ênfase que se dá à formação técnica, sem necessidade das disciplinas de humanas. Tudo isso busca acabar com a autonomia do professor, tão necessária para uma nação desenvolvida e democrática quanto a liberdade de imprensa, inclusive de dizer essas besteiras. Transformar o professor em um mero reprodutor do discurso do sistema.
F: E o que você acha de acabar com a gratuidade nas universidades?
T: Isso é outra besteira, não dá certo no Brasil. Aliás, como muitas idéias importadas. Os caras vêem propostas que dão certo em países de uma cultura completamente diferente, como a Coréia e os Estados Unidos, por exemplo, e que são adequadas à mentalidade de lá, e querem impor à força ao Brasil. Na verdade, o que eles querem é acabar com a presença do Estado como gestor da educação e também da saúde. Daí esse discurso de acabar com a gratuidade. Daí também essa história de meritocracia, que não passa de picaretagem intelectual. Não existe meritocracia sem igualdade de oportunidades, para mostrar quem realmente merece.
F: Quer dizer que tudo não passa de um complô contra o Estado?
T: Eu não diria complô. Mas há um jogo de interesses. Como empresas que são, os órgãos de imprensa acham que tudo deveria ser entregue à iniciativa privada, sob a justificativa de que isso gera ganhos mais gerais e diminui os gastos do Estado. Só que na verdade ele continua gastando, mesmo com quem tem plano de saúde, pois estes são cheios de descontos em imposto de renda. As empresas gastam pouco e, consequentemente lucram mais. E como ficam os mais pobres, os que não podem pagar planos de saúde? Estando fora da lógica do mercado, não representam nada para as empresas. Só o Estado pode garantir o acesso deles.
F: E como solucionar o problema, então?
T: No caso da saúde, mais respeito com os pobres, maior acesso deles a bons hospitais no interior, maior conscientização dos médicos e maior ênfase na medicina preventiva. Essa última talvez seja a mais difícil, pois o Estado bateria de frente com as lojas de remédios. No caso da educação, não precisa muita inovação tecnológica, como muitos acreditam. Pegando os exemplos dos países onde ela funciona corretamente, podemos dizer que a solução passa pela valorização do professor, não somente na questão salarial, mas no respeito pela sua autonomia e por seu direito a condições de respeitabilidade no trabalho; elaboração de um currículo variado, com uma maior variedade de disciplinas que explorem as diversas potencialidades dos alunos e que não os formem apenas tecnicamente, mas humanamente; fazer com que os alunos aprendam, sem aprovação automática ou conteúdos que subestimem sua capacidade; e fazer com que eles se identifiquem melhor com o espaço escolar e tenham gosto por estar na escola, tirando do papel o projeto da escola integral. De resto, basta cumprir o que já existe na legislação referente ao tema, que por sinal, é ótima.

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