quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A FALÁCIA MERCADOPATA


Quando a senadora Kátia Abreu, eleita por Tocantins com um discurso de apoio ao agronegócio e ao latifúndio, decidiu deixar o Democratas, lançou um manifesto, propalado de forma entusiástica por setores da grande mídia, em que apresentava suas principais bandeiras. Uma delas me chamou fortemente a atenção, não pela bandeira, mas pelo argumento: a senadora disse ser defensora intransigente da economia de mercado, pois ela é a única capaz de erradicar a pobreza pelo fato de ser a única a produzir riqueza. Uma afirmação, no mínimo, interessante, pois trás à tona algo que nunca imaginei possível: o liberalismo econômico possui profundos interesses pela justiça social.
Pra começar, quero dizer que acho bastante interessante quando vejo um político dizendo que as soluções para os problemas dependem do sistema econômico. Principalmente quando esse sistema defende a não interferência da esfera política na gestão econômica, caso do liberalismo. É absurdo achar que um sistema econômico por si só é capaz de erradicar a pobreza. Isso vai depender de uma outra gama de fatores, que vão depender irremediavelmente do fator político. O que erradica a pobreza, ou a diminui consideravelmente, são políticas públicas de qualidade, coisa que só pode ser oferecida por um governo e por uma legislação que proteja as pessoas da exploração, causa primordial da pobreza. Ao se ter isso, qualquer sistema econômico pode ser usado. Afinal, os países comunistas, de economia planificada (planejada e com total interferência do Estado), conseguiram fazer isso. Além do mais, como um sistema econômico como o liberal pode achar que erradica a pobreza se ele por si só já pressupõe a existência dela? É um tremendo paradoxo.
Logo depois a senadora justifica sua tese ao dizer que a economia de mercado é a única que gera riqueza. Primeira questão: riqueza para quem? Para um grupo pequeno de indivíduos, que muitas vezes enriquecem sem produzir nada, como os especuladores financeiros. Como isso vai erradicar a pobreza? Segunda questão: o sistema escravista ou feudal não produziam riqueza? Produziam, e mesmo assim não erradicaram a pobreza, considerada necessária em todos eles dentro da lógica da divisão do trabalho, em que uns detêm os meios, enquanto outros exercem a força de produção. O sistema econômico, principalmente o de mercado, precisa dos pobres para consumir e trabalhar. Não pode erradicar essa situação sob o risco de deixar de existir ou se tornar outra coisa.
Outra questão importante é notar que as grandes crises do capitalismo, como a de 1929, são causadas pela anarquia econômica, dogma irrefutável da economia de mercado, que pressupõe que a circulação das riquezas deve ser gerida pelos seus próprios agentes, o comprador e o vendedor, de acordo com seus interesses particulares. É um sistema baseado nas ambições, vantagens, e na falta de benevolência (palavras de Adam Smith, seu ideólogo principal). E depois que esse sistema acéfalo e caótico produz a crise e a tragédia, eis que o Estado, o grande mal, aparece para salvar o sistema e garantir que nada saia do lugar. Inclusive, claro, os pobres.
Na sua ignorância ideológica, ou esperteza prática, a senadora ignora o fato de que sem a interferência do Estado, ou seja, sem leis intervencionistas que coíbam abusos, o caos econômico gera caos social. O Estado se torna assim necessário, por exemplo, para proibir a venda de bebidas a menores, para reprimir o comércio de drogas e para impedir a cartelização de empresas. Não pode existir um sistema econômico sem regulação externa, ou então o planeta fica inabitável. Mas para o puro liberal, isso não tem importância. O que importa é a lei do mercado livre. Daí a ênfase dada à palavra liberdade, entendida aqui como a liberdade do capitalista de conseguir seu lucro, e nada mais. Daí também porque em vários lugares onde se instalou, o (neo)liberalismo, ao invés de erradicar a pobreza, coisa de que só esse sistema seria capaz, segundo a ilustre Kátia, aprofundou a dependência, a miserabilidade, a concentração de renda, o subemprego e a marginalização. Devem existir alternativas, e elas existem, à pura economia de mercado, desregularizada e libertina. Alternativas mais humanas e responsáveis, que dêem uma real solução ao problema da miséria e da pobreza extrema, assim como de seus subprodutos, a fome, a indignidade, a marginalidade e a violência.
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Finalizo com uma frase do economista estadunidense Joseph Stiglitz, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001, contida no seu artigo O Fim do Neoliberalismo?, publicado em 16 de julho de 2008 no jornal O Globo: “O mercado neoliberal fundamentalista foi sempre uma doutrina política a serviço de certos interesses. Nunca recebeu o apoio da teoria econômica. Nem, agora fica claro, recebeu o endosso da experiência histórica. Aprender essa lição pode ser a nesga de sol nas nuvens que hoje pairam sobre a economia global.”

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